Pouco importa a nacionalidade do novo treinador. Italiano, marciano, inca venusiano. A derrota no amistoso para Senegal confirma algo que nossa arrogância pentacampeã reluta em aceitar: não temos mais jogadores de excelência na quantidade que tínhamos. O Brasil tem, sim, muitos bons jogadores, poucos grandes jogadores e raríssimos craques.
A produção caiu e não há mais talentos incríveis para resolver situações complexas dentro de uma partida. Há talentos jovens e é possível, sim, montar uma boa seleção. Mas é preciso reconhecer que não somos mais a pátria futebolística capaz de formar duas, três seleções. Para formar uma, quem vier terá muito trabalho.
Em meio a tudo isso, acontece a busca pelo novo treinador: caso se confirme a contratação de Carlo Ancelotti para comandar a seleção brasileira daqui a um ano estaremos presenciando a primeira grande ruptura conceitual do futebol cinco vezes campeão mundial.
A qualidade do trabalho e o currículo de Ancelotti são indiscutíveis. Um dos maiores treinadores da história recente do futebol, vencedor e autor de trabalhos marcantes. O fato de ser italiano é questão de nacionalidade e nada mais. O futebol de clubes ultrapassou o de seleções em importância econômica e estética e hoje as escolas estão todas juntas e misturadas nas grandes equipes globais, como a maior delas: o Real Madrid.
Desespero da atual gestão da CBF
A ruptura ocorre baseada neste processo e motivada pelo desespero da atual gestão da CBF em evitar que seja ela a carimbar uma marca histórica negativa: se não ganhar a Copa de 2026 o Brasil completará seis mundiais sem título pela primeira vez desde a criação do torneio do qual é o único a ter participado de todas as edições.
A ruptura se dará porque desde o ciclo iniciado em 2007, quando se esgotou a constelação de craques com a qual nos acostumamos, empacamos nas quartas-de-final e vivemos o 7 a 1 de 2014. Foram tentados todos os perfis de treinadores. Ex-campeões mundiais unidos numa comissão técnica (já havia sido assim em 98), ex-jogador campeão com perfil de liderança e zero experiência no banco e treinadores de sucesso em clubes no século 21. Tite, considerado por boa parte dos torcedores e analistas o mais moderno e atualizado dos treinadores brasileiros, fechou este ciclo comandando a seleção por seis anos e duas Copas consecutivas.
Ao optar por Ancelotti e aceitar uma espera de uma temporada para que ele assuma efetivamente o cargo (se tudo for confirmado, é claro), a CBF está rompendo com o modelo de futebol historicamente praticado no Brasil. A entidade, que criou um curso de treinadores com o intuito de mostrar que o futebol praticado pelos brasileiros no Brasil é atualizado e moderno, desmerece o próprio produto com essa mudança de rumo.
Há lógica na escolha de Ancelotti. Não é apenas optar por um profissional supercampeão. O futebol jogado por brasileiros vive uma entressafra prolongada. A geração capitaneada por Neymar vislumbra sua última Copa sem repetir o brilho em clubes e seleção daquela que chegou ao penta em 2002. A geração de 2026 é promissora.
No Real de Ancelotti jogam ou jogaram uma espécie de base do Brasil que ele pode assumir. Vini Jr., o principal jogador atualmente, e mais Rodrygo e Militão. Casemiro, que desponta como liderança na renovação, foi ídolo do Real. Endrick será do Real em 2024. Tudo se encaixa numa ideia de fazer um trabalho com uma base conhecida por Ancelotti e um jovem aprovado por ele. Resta saber se há interesse de Neymar em tentar uma última Copa sendo o farol dessa molecada que o tem como ídolo.
Há enorme diferença entre o futebol praticado por brasileiros em sua terra natal e na Europa. São jogos diferentes. Embora o Brasil ainda produza talentos como Vini, Rodrygo, Endrick, Andrey, Vitor Roque, a realidade da entressafra é de importância secundária na lista de craques globais da atualidade. Vide a final da Champions, vide o Mundial Sub-20 e a sequência de Copas sem brilho.
O recado da CBF, se confirmado, será claro: desistimos da escola brasileira de futebol, do jogo bonito, da estética que consagrou a camisa amarela. Se é que isso ainda importa para a nova geração de torcedores, hipnotizada pela magia dos grandes clubes globais e da Champions.