A presença no Rio da paratleta belga Marieke Vervoort, de cabelo curto e platinado, ganhadora de uma medalha de prata nos 400m e uma de bronze nos 100m em cadeiras de roda, trouxe à tona uma discussão polêmica para os brasileiros: a eutanásiaComo na Bélgica o procedimento é legalizado desde 2002, Marieke entrou com o processo e já tem em mãos autorização legal para morrer.
“Sofro muito”, dizendo ainda que “o esporte é minha razão de ser”, mas que isso vem causando cada vez mais sofrimento.
“É verdade que esta é minha última competição e que os documentos estão prontos desde 2008 para recorrer à eutanásia, mas não quero morrer de imediatoEu gosto de aproveitar cada momentoEstou em paz e ainda quero aproveitar meus amigos, minha família, mas chegará um dia em que os dias serão mais ruins do que bons.”
Ela sofre de tetraplegia progressiva, uma doença degenerativa, que começou aos 14 anosAlém das dores insuportáveis, tem os membros inferiores paralisados e apenas 20% da visão.
Já a brasileira Susana Schnarndorf Ribeiro, de 48 anos, que não conhece a belga, pensa completamente diferenteNadadora gaúcha, ela confessa que a história da europeia de 37 anos a balançou muitoAs trajetórias das duas guardam semelhanças, embora cada uma enxergue um horizonte distintoSuzana buscou forças na missão de viver até quando puder.
“Eu fiquei sabendo da história delaAté procurei na internet para ver as matériasMeu primeiro impulso foi tentar falar com ela para fazê-la desistirFiquei muito triste
Pentacampeã brasileira de triatlo, Susana começou a engasgar frequentemente durante as refeições e, ao procurar médicos, recebeu a notícia“Eu tive vários diagnósticos de pouco tempo de vidaJá vivi o dobro do que uma pessoa que tem a minha doença costuma viverEm geral, a pessoa vive no máximo seis, sete anosE o esporte é a razão da minha longevidade.”
Suzana conta que precisou superar a própria tristeza e revolta quando soube qual era seu caso“A gente sempre pergunta o porquê, mas não é por quê, e sim para quê? Para que estou aqui? Foi difícil entenderPassei por todas as etapas: fiquei com depressão, com raiva, perguntei por que comigo, mas vi que chorar e ficar triste não ia trazer minha saúde de voltaSe eu tivesse me entregado à depressão, hoje não estaria aqui.”
Embora sejam doenças diferentes, Susana compreende o tamanho das dificuldades de MariekeA doença impõe à nadadora limitações que se tornam mais severas com o passar do tempoSuperá-las é um exercício diário
A gaúcha conta que, para diminuir as dores e o sofrimento, toma remédios que custam cerca de R$ 4 mil por mês e causam inúmeros efeitos colateraisAinda assim, ela prefere encarar de uma maneira positiva todas as mudanças que as complicações impuseram em sua vida“Costumo dizer que a doença fez eu me tornar uma pessoa melhorEu dou muito valor para coisas a que antes não davaEu era uma pessoa normal e a gente reclama de tudo, né? E agora ninguém me vê reclamandoEu acho que é um bônus estar aqui agora e eu tento aproveitar.”
O esporte, paixão antiga de ambas, foi fundamental para ajudá-las a ter uma melhor qualidade de vida, que nem os medicamentos conseguiram oferecer“Eu treino com dor, com muita dor, mas praticar esporte é como um remédio Posso colocar meus medos e raivas para fora”, diz Marieke
“Mesmo que eu só durma 10 minutos, é possível que eu esteja no treino pela manhãÀs vezes quando treino, eu empurro minha dorMas penso: ‘Por que isso acontece comigo?’ Eu quero viver, quero ser feliz, não quero ter dor, quero aproveitar os momentosEntão, quando vou para o treino depois de uma noite ruim, posso me sentir melhor, mas é possível também que fale: ‘Não consigo terminar, é impossível'”, diz SusanaEla conta que treina de cinco a seis horas por dia“Até o médico me falou: ‘Não existe outra pessoa que tenha MSA, seja atleta de alto rendimento e que treine como vocêEntão, nada, o melhor remédio é nadar’.”
Ela conta que quando está dentro d’água não tem espasmos“O que mais me incomoda é o espasmo no rosto, e dentro da água eu não tenhoEu consigo falar normalmente dentro da águaÉ uma hora em que eu estou em paz, uma paz muscular.”