Nélson Alves da Silva
Cientista social
Contudo, a venda de ingressos para o evento principal não obteve o mesmo sucesso, deixando o comitê organizador apreensivo, a ponto de considerar um financiamento do governo federal como salvação de seu orçamento, pois, até 21 de agosto, 15 dias antes da abertura, foram comercializados apenas 200 mil bilhetes, mesmo com a promoção de ingressos a R$ 10
A verdade que muitos de nós sentimo-nos incomodados ao encarar a deficiência no dia a dia, fato que poderia explicar o fracasso nas vendas dos ingressos para os Jogos ParalímpicosOu a repercussão da infeliz fala do jornalista português Joaquim Vieira, que comparou a competição a um espetáculo grotescoMas, felizmente para humanidade, o jogo mudou
Três dias depois do encerramento da Olimpíada, o comitê organizador paralímpico conseguiu a incrível marca de negociar 145 mil bilhetes em um único dia, fato inédito nos dois torneios, culminando com mais de 2 milhões de ingressos vendidos, ou 82% da carga total disponibilizada
Este fenômeno tem sua explicação em três componentes, que atuaram em conjunto para esta incrível reversão de expectativas quanto à venda das entradas
O componente emocional foi o mais forte, oriundo das conquistas do Brasil na Olimpíada, com direito a uma espetacular vitória do vôlei masculino no último diaHá também um componente técnico, verificado pela competência do comitê organizador ao fortalecer sua campanha promocionalPor fim, o componente social, representado pelo programa de inclusão implantado pelo governo federal, que parece ter produzido bons resultados em nossa sociedade
A baixa cobertura do evento pela mídia em comparação à Olimpíada – o que poderia alavancar mais ainda as vendas caso fosse maior –, não inibiu que a conjunção dos componentes citados desencadeasse uma quase necessidade, especialmente ao carioca, em frequentar as arenas, em conhecer o Parque Olímpico, em participar dos Jogos
Com as arenas e pistas lotadas de um público familiar e um legado inclusivo muito importante para a sociedade, podemos concluir que os Jogos Paralímpicos Rio'2016 foram mesmo os Jogos da superação, cujo legado deve ser continuado, superando todas as dificuldades, inclusive as ideias atrasadas de um certo português e seus seguidores
Mas devemos lembrar que o evento paralímpico acabou e o Rio deverá voltar à sua rotina, com seus problemas novamente expostos à sua sociedadeNesta visão, a acessibilidade continuará prejudicada, pois os planos de governo anunciados, seja no Rio de Janeiro ou em outras cidades brasileiras, não contemplam muitas ações inclusivas, apenas o que exige a lei e, claro, as construções olímpicas já realizadas
Vivemos então uma espécie de paradoxo social, em que as atitudes da população têm tomado o rumo da inclusão, seja por força dos programas sociais, pelo aumento das ocorrências familiares ou por simples questão humanitária, contra o aumento do descaso dos administradores públicos, que ainda não vislumbram votos nestas ações inclusivas, apenas veem obrigações orçamentárias, desconsiderando, dessa forma, os 24% da população brasileira afligida por algum tipo de deficiência, impedindo assim a continuidade do legado paralímpico
Enfim, é estranho que o sucesso de público na Paralimpíada não se reflita nas eleições municipais, levando-nos a pensar que talvez o público se identifique com seus novos heróis apenas nas arenas e pistas, mas não considere suas dificuldades no dia a dia, bem como pode ter sido apenas um “despertar”
É preciso saber viverViver mais, viver melhor e viver juntosAfinal, nossa única característica comum enquanto seres humanos é a diferença, e dela devemos tirar forças para a construção de uma sociedade mais justa
Celebremos a diferença e a inclusão de todos, de preferência já nesta eleição, cobrando ações contundentes de nossos candidatos a prefeito e vereadores, para que o legado grandioso dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos seja definitivamente incorporado em nossas rotinas de vida
Talvez tenha chegado a hora da superação da deficiência política