Finalistas do Campeonato Mineiro deste ano, América e Atlético protagonizaram a primeira grande rivalidade do futebol do estado, nas primeiras décadas do século 20. Naquele momento, os clubes chegaram a ser vizinhos de rua e dividiam a preferência da elite mineira. Contudo, as grandes crises vividas pelo Coelho e a ascensão do Cruzeiro fizeram o clássico perder prestígio. Agora, o time alviverde busca resgatar seu protagonismo, enquanto o Galo quer garantir a hegemonia regional, com o tetracampeonato.
A disputa entre América e Atlético dividia seletos grupos da elite de Belo Horizonte, que se inseriram e construíram a imagem do futebol como sendo elegante e cosmopolita. Ainda nos primeiros anos do século, os clubes chegaram a ser separados por uma rua - a conhecida Avenida Augusto de Lima, no Centro da cidade.
Essa proximidade acirrou a rivalidade, explica o historiador Marcus Vinícius Costa Lage, que estudou o "mito da decadente história americana" no doutorado, na UFMG.
Essa proximidade acirrou a rivalidade, explica o historiador Marcus Vinícius Costa Lage, que estudou o "mito da decadente história americana" no doutorado, na UFMG.
"A palavra rivalidade vem do latim rivales, que quer dizer as sociedades que disputam a mesma margem de um rio. Essa metáfora transportada para o esporte, em particular para o futebol, significa que quanto mais um clube está perto de outro, uma torcida está perto de outra, maiores são as tensões e as emoções. Essa proximidade não tem a ver com uma questão física, mas é curioso a gente pensar que o América praticamente nasce de frente para o Atlético. O primeiro campo oficial do América está onde hoje se encontra o Mercado Central, ao passo que o Atlético estava do outro lado da Avenida Augusto de Lima, onde hoje está o Minascentro", disse.
"Nesse sentido, a gente pode dizer que a origem da rivalidade entre América e Atlético tem relação até pela disputa de espaço físico. Evidentemente que, durante os primeiros torneios, essa proximidade não era apenas física, mas tinha a ver com a própria competição dos dois clubes no cenário futebolístico local, a proximidade entre América e Atlético dizia respeito à disputa entre os dois. O concorrente do América durante o decacampeonato foi o Atlético. Nesse sentido, essa proximidade de disputa acabou forjando a rivalidade", acrescentou o historiador.
Disputa na imprensa e nos campos
A rivalidade chegou a parar nas páginas da imprensa. Em 1914, a revista Vita, na época um dos principais veículos de comunicação da elite mineira, publicou matéria exaltando o Atlético e solicitando aos poderes públicos apoio financeiro ao clube.
No exemplar seguinte, um americano ilustre publicou carta divulgada pela revista indignado com a afirmação da superioridade atleticana.
No exemplar seguinte, um americano ilustre publicou carta divulgada pela revista indignado com a afirmação da superioridade atleticana.
A disputa entre os clubes foi estudada por Euclides de Freitas Couto, professor de Ciências Sociais da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Nos primeiros anos do futebol em Belo Horizonte, América e Atlético dividiam os maiores públicos da cidade.
"Estima-se por meio de dados colhidos em entrevistas que, nos campos do Atlético e do América, situados na Avenida Paraopeba e no Prado Mineiro, cerca de mil a mil e quinhentas pessoas em média assistiam aos jogos entre os anos de 1914 e 1920. O espetáculo promovido pelo futebol passou a ser ponto de encontro da elite belo-horizontina, e os jogos realizados nas tardes de sábado ou domingo passaram a ser esperados com ansiedade", lê-se na dissertação de Couto.
Naquele momento, contudo, o futebol ainda não era um esporte popular.
"É muito importante entender que os primeiros sinais de rivalidade nos anos 1910 e 1920 têm relação com um momento em que o futebol não era um fenômeno de massa, até porque Belo Horizonte não era uma capital extremamente populosa, e a popularização do futebol guarda relação com próprio processo de expansão do futebol mineiro. É nesse momento de criação das grandes torcidas que o América perde esse protagonismo", diz Lage.
"É muito importante entender que os primeiros sinais de rivalidade nos anos 1910 e 1920 têm relação com um momento em que o futebol não era um fenômeno de massa, até porque Belo Horizonte não era uma capital extremamente populosa, e a popularização do futebol guarda relação com próprio processo de expansão do futebol mineiro. É nesse momento de criação das grandes torcidas que o América perde esse protagonismo", diz Lage.
Americanos virando cruzeirenses?
A partir dos anos 1930, o América entra em decadência. No período de ouro do futebol brasileiro, entre os anos 1950 e 1970, quando a Seleção venceu o tricampeonato mundial (1958, 1962 e 1970), o Coelho vê o Cruzeiro passar a brigar pela hegemonia do futebol no estado com o Atlético.
"Isso começou a acontecer a partir do momento em que o América não está mais próximo das disputas que o Atlético encampa, deixando de ser o concorrente direto das competições. Isso começa a ser forjado nos anos 1930 e 1940, mas se intensifica de sobremaneira a partir do momento em que a gente tem processo de nacionalização do futebol nos anos 1960, quando o América não consegue se apresentar como um dos legítimos representantes do estado de Minas Gerais no cenário nacional", afirma o historiador.
O declínio do América possivelmente fez muitos torcedores jovens do clube migrarem para o Cruzeiro. Esse provável movimento foi chamado de Coligação, já que ambos os times tinham algo em comum: a aversão ao Atlético.
O professor Euclides de Freitas Couto explica melhor o que ocorreu nesse período.
O professor Euclides de Freitas Couto explica melhor o que ocorreu nesse período.
"Foi construída a hipótese segundo a qual muitos jovens, filhos de tradicionais famílias americanas, passaram a torcer para o Cruzeiro, que naquela altura se tornava o único time a competir em condições de igualdade com o Atlético. Ou seja, para não contrariar os pais, já que o clube, via de regra, é uma herança da honra familiar masculina, muitos jovens, especialmente em Belo Horizonte e na região metropolitana, passaram a torcer pelo Cruzeiro. Na década de 1960, quando se intensificou a migração para BH com a criação da Cidade Industrial, os novos habitantes da cidade, vindos principalmente do interior do estado, se identificaram com o Cruzeiro que possuía um time muito forte que fez frente até ao poderoso Santos de Pelé", destacou.
A queda alviverde foi registrada pela pena do genial Mangabeira, no Estado de Minas. Em 1968, o cartunista registra o funeral do "Super-Coelho", um personagem que substituiria a mascote alviverde. "Enquanto o povo todo fala na segunda partida entre Atlético e Cruzeiro, Mangabeira acha que o Super-Coelho não dura até lá e já preparou um funeral de pobre, sem choro nem vela."
América busca novo protagonismo
Depois de viver o fundo do poço com a participação no Módulo II do Campeonato Mineiro, em 2008, o América conseguiu ressurgir e virou um clube internacional ao disputar a Copa Libertadores, no ano passado, e a Copa Sul-Americana, neste ano.
O novo objetivo do clube é se estabelecer na Série A do Campeonato Brasileiro por décadas seguidas, ganhar títulos e recuperar o status de time grande.
Para o historiador Marcus Vinícius Costa Lage, que é americano, os rivais já passaram a direcionar um novo olhar ao clube.
Para o historiador Marcus Vinícius Costa Lage, que é americano, os rivais já passaram a direcionar um novo olhar ao clube.
"Acredito que à medida que o América se fortalece do ponto de vista do desempenho futebolístico, essa rivalidade tende a se intensificar. Já vejo grande diferença em relação há alguns anos, especialmente como americano, de que nem todos os atleticanos e cruzeirenses nos veem como um clube inofensivo, como clube queridinho, como segundo clube do coração. Hoje, já sinto que, dado o desempenho do América nos últimos anos, uma parte dos atleticanos e dos cruzeirenses voltou a alimentar uma certa repulsa em relação ao América", destacou.