Passados 13 meses desde que a Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou como pandemia a disseminação do novo coronavírus, a COVID-19 já matou cerca de 351 mil brasileiros. Muitos deles, vozes que se calaram nas torcidas de Cruzeiro e Atlético, e que hoje já não acompanharão o grande clássico mineiro – o primeiro desde o início da crise global de saúde.
São pais, irmãos, filhos, avós que vivem agora nas memórias de familiares e amigos. Exemplos de amor aos clubes de coração, faziam loucuras para ver as equipes em ação. Viveram glórias e também choraram maus resultados, inclusive contra o maior rival. Angariaram adeptos, influenciaram companheiros, riram e foram vítimas de piadas, sentiram toda a emoção que o futebol é capaz de proporcionar.
Neste domingo, a partir das 16h, quando a bola rolar no Mineirão pela nona rodada do Campeonato Mineiro, esses torcedores serão lembrados mais uma vez, na certeza de que onde estiverem, torceriam para o azul e branco ou para o alvinegro. Representando essa torcida agora silenciosa, o Superesportes e o Estado de Minas lembram as histórias de uma seleção de apaixonados pelo futebol. Pois o vírus é perigoso, tira vidas, mas não mata as memórias. Nem a paixão.
Pablito
Pablo Roberto Quirino Soares Peruhype era filho de pais cruzeirenses, mas adotou o time celeste como religião por influência do narrador Alberto Rodrigues. Fez parte da Torcida Fanati-Cruz e se tornou um dos maiores influenciadores da China Azul na internet. Segundo o amigo Marcelo Aguiar, nos últimos meses perdia noites de sono pensando em como ajudar o clube a se reerguer. Não perdia um jogo do Cruzeiro, principalmente os clássicos, aos quais gostava de chegar cedo. Morreu em 23 de março, aos 39 anos, deixando a mãe, Maria José, e o filho Gabriel, além de legião de amigos, sendo dos poucos com trânsito livre entre organizadas celestes que não se entendiam bem.
Biagio Peluso
Integrante de uma das mais tradicionais famílias italianas no Cruzeiro, Biagio Teodoro Francesco Peluso se associou ao clube ainda nos anos 1960. Sempre teve participação ativa, tendo sido vice-presidente entre 2006 e 2011 e de junho do ano passado até a morte, em 13 de dezembro de 2020, aos 71 anos, tendo acumulado, nesse último período, a Diretoria Executiva. “Homem de bem, que topou o desafio de voltar (à direção) no momento mais difícil da história do nosso clube”, escreveu o presidente Sérgio Santos Rodrigues. Outro vice, Edson Potsch, prestou homenagem: “Biagio Peluso, você que honrou o nome do Cruzeiro, estará eternamente na nossa história e corações”.
Ítalo Márcio Batista Astoni
Ítalo Márcio Batista Astoni nasceu em Joaquim Felício, região Central-Norte de Minas, e cultivou a paixão pelo Cruzeiro desde 1960, ano em que se mudou para BH para trabalhar. Logo, viu de perto os feitos e títulos do time formado por Raul, Procópio, Piazza, Zé Carlos, Dirceu Lopes, Tostão, Evaldo, Natal e cia. Na década seguinte, vibrou com a conquista da Libertadores e o gol do ídolo Joãozinho. Assíduo no Mineirão, sempre fez questão de levar os filhos Ítalo Jr, Túlio e Sílvia aos jogos e formou, em casa, uma nova geração de cruzeirenses. Nos dias de descanso, seu refúgio era a Toca da Raposa III, como chamava o sítio em Caeté, na grande BH. No local, uma grande caixa d’água, estampada com o escudo celeste, atraía os olhares de quem passava. Ítalo morreu por complicações da COVID-19 em 30 de janeiro, aos 73 anos. Deixou a esposa, Cida, os três filhos e quatro netos: Tiago, Gabriela, Luísa e Lucas.
Dudu
Apenas 27 dias depois de completar 45 anos, Eduardo Alves Lopes entrou para as estatísticas das vítimas da COVID-19, na terça-feira. A paixão do belo-horizontino pelo Cruzeiro veio de família e, aos 10 anos, ele já integrava o Movimento Azul Cruzeirense. Dois anos depois, já estava na estrada para incentivar o time fora de BH, como conta Jacqueline Santos, viúva do torcedor. Ele deixou também a filha Paola, de 5 anos, a mãe e dois irmãos. No Mineirão, ficava sempre no último degrau do setor amarelo. Em casa, o ritual durante as partidas incluía sentar sempre no mesmo lugar e colocar outras camisas, além da que estava usando, sobre o sofá, como se tivesse companhia de outros torcedores.
Marcolino
Marcos Aurélio dos Santos Tomé era funcionário da Prefeitura de Raposos, onde comandou a Liga de Desportos. Mas ligação mais forte com o mundo esportivo era mesmo o Cruzeiro. Uma das maiores alegrias foi a conquista da Libertadores de 1997, batendo o Sporting Cristal-PER na final, à qual acompanhou da arquibancada do Mineirão. “Foi uma festa linda”, dizia. Nos clássicos, gostava de vaticinar vitórias celestes e não desgrudava do radinho, mesmo vendo o jogo pela TV. Morreu em 12 de julho de 2020, no dia em que completava 55 anos. Deixou a esposa Judith; os filhos Talita, Michael, Talisson e Tainá; além das netas Mariana, Maria Júlia, Alice e Maria Laura e Cecília.
Dudi
Até 3 de abril, quando morreu aos 39 anos, Marcelo Passos tinha duas grandes paixões: primeiro o Atlético, depois, o jiu-jitsu. Segundo os companheiros, não perdia um jogo em Belo Horizonte, e ainda acompanhava a equipe Brasil afora sempre que podia. Assim, esteve em São Paulo, Rio, Curitiba, Goiânia, além de cidades do interior de Minas. Certa feita, na capital paranaense, perdeu o ônibus de volta para BH depois de um jogo, mas não se apertou e aproveitou para conhecer melhor a cidade. Pelas amizades que fez, ingressou na Galoucura, onde, a despeito da fama das torcidas organizadas, sempre pregou a paz. “Era exemplo”, dizem os amigos. Partiu deixando a mãe, Eunice, e a esposa Iracema.
Seu Bahia ou Seu Cita
Francisco de Assis Bahia de Carvalho nasceu em Córrego Danta, Centro-Oeste mineiro, onde já torcia pelo Atlético. Na década de 1950, ao se mudar para BH a fim de trabalhar como contador, conheceu a esposa, Rosa, e ficou mais próximo do clube do coração. Ia a jogos no estádio Antônio Carlos e, a partir de 1965, no Mineirão. Em 1971, foi em caravana para o Rio, onde testemunhou a conquista do Brasileiro. Na infância dos filhos Anderson, Eloara e Alisson - que foi mascotinho -, seu Bahia gostava de passar pela Charanga do Galo para sentir a emoção e transmitir a paixão pelo Alvinegro aos pequenos. Já com idade avançada, deixou de frequentar o estádio e via as partidas pela TV. Desde o início da pandemia, tinha a máscara do Galo como companheira. Francisco morreu em 25 de março, aos 88 anos. Deixou a esposa, os três filhos e seis netos: Giorgio Lucca, Giulia Gabriella, Rafael, Luiza, Thor e Lívia.
Rafa "Pinguim"
Entre torcedores, Rafael Bruno Bitencourt ganhou o apelido de Pinguim. Não perdia clássicos, a ponto de, em 7 de março do ano passado, avisar à família que só ficaria até 15h no almoço de comemoração dos seus 29 anos. “Tem jogo do Galo”, justificou. Segundo a irmã Bruna, só vestia camisas relacionadas ao clube. “Era realmente a segunda pele”, diz ela, recordando o aniversário de um sobrinho cruzeirense, ao qual todos deveriam ir de azul ou branco: “Ele foi com a camisa do Atlético”. Morreu em 2 de abril, aos 30 anos, e foi sepultado com a camisa de que mais gostava, ao som do hino atleticano. Deixou pais, irmãos e a noiva, com quem se casaria em 12 de junho.
Os Ataíde
A família Ataíde perdeu dois de seus pilares quase simultaneamente em setembro, quando se foram José Paulo Silveira Ataide, então com 74 anos, servidor público aposentado, e Juscelino Eustáquio Ataíde, o Tino, 73, aposentado. O Atlético perdeu dois dos mais fervorosos torcedores. Eles eram os mais velhos de 15 irmãos e dividiam o laço sanguíneo, a amizade e o amor pelo Galo. Zé Paulo foi vereador, secretário de Saúde e candidato a prefeito de Brumadinho. Deixou viúva, quatro filhos e seis netos. Tino não deixou descendentes diretos. Nascidos em Piedade do Paraopeba, distrito de Brumadinho, foram trabalhar em Belo Horizonte na década de 1960, logo ganhando a companhia de outro irmão, Jesuíno, para eles Jeninho. A paixão pelo Alvinegro os fez pagar um táxi até o Rio para ver o jogo contra o Botafogo, no qual o Galo conquistou o Brasileiro. “Se somos atleticanos mesmo, temos que estar ao Maracanã”, disse Zé Paulo, antes de saber que não havia mais passagens rodoviárias ou aéreas para a capital fluminense. Contaram com a boa vontade de um taxista, que se dispôs a levá-los em troca do combustível, hospedagem, alimentação e, claro, o ingresso. Eram frequentadores assíduos dos jogos do Atlético, até a pandemia mudar tudo. Definitivamente.
Doutor Marcão
O amor do pediatra Marcos Evangelista de Abreu vinha de berço e foi passado para o berço dos filhos, como bem explica Guilherme, de 17 anos. “Lembro a gente cantando junto o rap do Galo, quando eu era muito pequeno”, conta. Para vestir, quando não estava trabalhando, unia o branco da profissão ao preto, tendo “mais de 10 camisas do Galo”. Esteve presente no último clássico com torcida, em 7 de março de 2020, e vibrou muito com o gol de Otero, que deu a vitória ao alvinegro. Ultimamente, além do bom momento do time, estava entusiasmado com a construção do estádio próprio. Morreu aos 54 anos, em 22 de janeiro, deixando, além de Guilherme, a filha Natália e a mulher, Débora.
O "anfitrião"
Gilberto
Gilberto Fernandes de Almeida era um dos funcionários mais conhecidos do “novo” Mineirão. Afinal, a função de responsável pela área de competição do estádio o obrigava, desde que foi admitido, em 2013, a ser um dos primeiros a chegar e dos últimos a sair. Recebia as delegações, era responsável pelos vestiários, pelo apoio à arbitragem e a tudo que se relacionava ao campo de jogo. E, geralmente, “apagava” as luzes, pois conferia se todos os acessos à área de competição estavam fechados e acompanhava a saída do último profissional de imprensa e dos responsáveis pelo exame anti-doping. Nasceu no Rio, em 16 de março 1962, e se tornou uma das vítimas fatais da COVID-19 em 31 de março de 2020. Deixou a mãe, que mora em Anchieta (ES), as filhas Stephanie e Letícia, e dois netos, Bernard e Giovanna.