Quem conta essas histórias é Euclides Couto, especialista em estudos sobre a relação entre ditadura e futebol mineiro. Em entrevista ao Superesportes, o pesquisador relembra como a militarização influenciou a divisão do poder no esporte mais popular do estado e explica o papel contestador de ídolos de Atlético e Cruzeiro nos chamados “anos de chumbo”.
O poder
A partir de 1966 - o terceiro ano de ditadura -, a Federação Mineira de Futebol (FMF) passou a ser comandada pelo o coronel José Guilherme Ferreira. Ele era chefe do Gabinete Militar do então governador de Minas, José Magalhães Pinto, e assumiu a presidência da federação.
Magalhães Pinto foi um dos principais articuladores do 31 de março de 1964. O ex-governador ainda dá nome ao principal palco esportivo do estado: o estádio Mineirão, inaugurado há 53 anos. “O fato de o nome do estádio permanecer até hoje com a referência de um aliado da ditadura, revela os processos de esquecimento coletivo sintomáticos a um país que não cuida bem da sua história”, analisa Euclides.
Nos últimos anos, nomes de vias de Belo Horizonte que faziam alusão a pessoas ligadas à ditadura foram modificados. De 1994 para cá, mais de 150 ruas ou viadutos foram rebatizados em homenagem, principalmente, a ex-militantes ou perseguidos no período.
A Federação Mineira de Futebol
A presidência da FMF, então, ficou com um aliado. O vice passou a ser Elmer Guilherme, filho de José Guilherme Ferreira. Elmer assumiu o principal cargo da federação em 1987. Ele e o pai foram afastados da entidade após escândalos de corrupção.
Elmer é tio de Adriano Aro, atual presidente da FMF. Secretário-geral da federação entre 2014 e 2018, Aro foi eleito em outubro do ano passado, após ter recebido 119 votos dos 123 filiados.
Os ídolos
Nos anos da ditadura, os principais clubes de Minas Gerais adquiriram o status de potências do futebol nacional. O Atlético foi campeão brasileiro em 1971 e duas vezes vice, em 1977 e 1980. O Cruzeiro conquistou a Taça Brasil de 1966 e a Copa Libertadores, dez anos mais tarde.
Em meio à euforia pelos títulos, grandes jogadores se construíram como ídolos. Fora de campo, dois deles chamaram atenção pelo posicionamento político: Reinaldo e Tostão, ‘imortais’ das histórias de Atlético e Cruzeiro, respectivamente.
Mais comedido, Tostão mostrou a cara em história entrevista à revista de esquerda Pasquim, em 1970. Ao periódico, o então craque celeste se posicionou de forma contrária a determinados aspectos da ditadura. “Em 2009, quando eu o questionei sobre o teor dessa entrevista, ele me relatou que, dias depois da declaração, recebeu um telefonema anônimo em sua residência. Na ocasião, uma pessoa de voz desconhecida disse que, se continuasse a conceder entrevistas daquele tipo, ele seria cortado da Seleção Brasileira”, revela Euclides.
Clubes
Segundo Euclides Couto, os clubes mineiros - assim como os de outros estados - também se envolveram, ainda que indiretamente em determinados aspectos, com o regime militar. “Ao longo da ditadura, a criação da Loteria Esportiva, em 1970, do Campeonato Brasileiro, em 1971, e a nomeação do Marechal Heleno Nunes para a presidência da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), em 1975, são fatos que demonstram que o futebol se tornou um campo de distensão do poder dos militares”, conta.
“Embora ainda sejam escassas as pesquisas sobre a atuação política dos clubes nesse período, é possível notar que eles funcionavam como agentes indiretos da propaganda do regime, já que eram os atores principais das competições e da própria Loteria Esportiva, elementos simbólicos muito caros ao projeto de intervenção militar nos esportes”, analisou.
Clubes mineiros se envolveram, ainda que indiretamente, com o regime militar - Foto: Arquivo EM
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