Superesportes

DITADURA E FUTEBOL MINEIRO

Entenda como ídolos, clubes mineiros, FMF e Mineirão se inseriram no contexto da ditadura

Especialista relembra como o futebol em Minas Gerais foi afetado regime militar no período iniciado em 31 de março 1964, há exatamente 55 anos

João Vitor Marques Tiago Mattar
Antiga fachada do Mineirão trazia nome do ditador Magalhães Pinto - Foto: Arquivo/EM
A ascensão de ídolos, o crescimento de torcidas e a popularização do futebol em Minas Gerais nas décadas de 1960 e 1970 coincide com um período em que a divisão de poderes no ambiente esportivo esteve relacionado com a ditadura militar. O período, iniciado em 31 de março de 1964 - há exatos 55 anos -, tem reflexos até hoje no futebol mineiro.

Quem conta essas histórias é Euclides Couto, especialista em estudos sobre a relação entre ditadura e futebol mineiro. Em entrevista ao Superesportes, o pesquisador relembra como a militarização influenciou a divisão do poder no esporte mais popular do estado e explica o papel contestador de ídolos de Atlético e Cruzeiro nos chamados “anos de chumbo”.

O poder

A partir de 1966 - o terceiro ano de ditadura -, a Federação Mineira de Futebol (FMF) passou a ser comandada pelo o coronel José Guilherme Ferreira. Ele era chefe do Gabinete Militar do então governador de Minas, José Magalhães Pinto, e assumiu a presidência da federação.

Magalhães Pinto foi um dos principais articuladores do 31 de março de 1964. O ex-governador ainda dá nome ao principal palco esportivo do estado: o estádio Mineirão, inaugurado há 53 anos. “O fato de o nome do estádio permanecer até hoje com a referência de um aliado da ditadura, revela os processos de esquecimento coletivo sintomáticos a um país que não cuida bem da sua história”, analisa Euclides.

Nos últimos anos, nomes de vias de Belo Horizonte que faziam alusão a pessoas ligadas à ditadura foram modificados. De 1994 para cá, mais de 150 ruas ou viadutos foram rebatizados em homenagem, principalmente, a ex-militantes ou perseguidos no período.

O ex-ditador e governador de Minas Gerais, José Magalhães Pinto - Foto: Arquivo/EM

A Federação Mineira de Futebol

Elmer assumiu Federação Mineira de Futebol em 1987 - Foto: Arquivo EMO mandato de José Guilherme Ferreira iniciou um longo período em que a FMF, entidade que rege o futebol mineiro, passou a ser intimamente ligado a uma família. Em meio a denúncias de corrupção e desvio de dinheiro público, o coronel não participou das eleições de 1980.

A presidência da FMF, então, ficou com um aliado.
O vice passou a ser Elmer Guilherme, filho de José Guilherme Ferreira. Elmer assumiu o principal cargo da federação em 1987. Ele e o pai foram afastados da entidade após escândalos de corrupção.

Elmer é tio de Adriano Aro, atual presidente da FMF. Secretário-geral da federação entre 2014 e 2018, Aro foi eleito em outubro do ano passado, após ter recebido 119 votos dos 123 filiados.

Os ídolos

Nos anos da ditadura, os principais clubes de Minas Gerais adquiriram o status de potências do futebol nacional. O Atlético foi campeão brasileiro em 1971 e duas vezes vice, em 1977 e 1980. O Cruzeiro conquistou a Taça Brasil de 1966 e a Copa Libertadores, dez anos mais tarde.

Em meio à euforia pelos títulos, grandes jogadores se construíram como ídolos. Fora de campo, dois deles chamaram atenção pelo posicionamento político: Reinaldo e Tostão, ‘imortais’ das histórias de Atlético e Cruzeiro, respectivamente.

Reinaldo e Tostão: os maiores ídolos da história de Atlético e Cruzeiro - Foto: Pedro Vilela/Agência i7Reinaldo se destacou pelo ativismo político até nas quatro linhas. Ao comemorar os gols, o ex-atacante erguia o punho, em gesto contra a ditadura militar. “Bom de bola e bom de Cuca”, destacou o jornal Movimento, de 1978. “É evidente que as atitudes geraram reações eloquentes por parte dos militares, de modo que o camisa 9 do Galo foi um dos atletas que mais sofreu profissionalmente em função das suas posições ideológicas”, analisa Euclides.

Mais comedido, Tostão mostrou a cara em história entrevista à revista de esquerda Pasquim, em 1970. Ao periódico, o então craque celeste se posicionou de forma contrária a determinados aspectos da ditadura. “Em 2009, quando eu o questionei sobre o teor dessa entrevista, ele me relatou que, dias depois da declaração, recebeu um telefonema anônimo em sua residência. Na ocasião, uma pessoa de voz desconhecida disse que, se continuasse a conceder entrevistas daquele tipo, ele seria cortado da Seleção Brasileira”, revela Euclides.

Clique aqui para saber mais sobre a história de Reinaldo e aqui para conhecer melhor a de Tostão.

Clubes

Segundo Euclides Couto, os clubes mineiros - assim como os de outros estados - também se envolveram, ainda que indiretamente em determinados aspectos, com o regime militar.
“Ao longo da ditadura, a criação da Loteria Esportiva, em 1970, do Campeonato Brasileiro, em 1971, e a nomeação do Marechal Heleno Nunes para a presidência da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), em 1975, são fatos que demonstram que o futebol se tornou um campo de distensão do poder dos militares”, conta.

“Embora ainda sejam escassas as pesquisas sobre a atuação política dos clubes nesse período, é possível notar que eles funcionavam como agentes indiretos da propaganda do regime, já que eram os atores principais das competições e da própria Loteria Esportiva, elementos simbólicos muito caros ao projeto de intervenção militar nos esportes”, analisou.

Clubes mineiros se envolveram, ainda que indiretamente, com o regime militar - Foto: Arquivo EM
.