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Pelé, o responsável pelo amor do brasileiro por futebol

Se gostamos tanto de ver a bola correndo de pé em pé é graças ao brilho do Rei Pelé, fundamental na consolidação do futebol como identidade nacional

30/12/2022 08:00 / atualizado em 30/12/2022 13:35
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Pelé foi o craque da Copa do Mundo de 1970, conquistada pelo Brasil
foto: Getty Images

Pelé foi o craque da Copa do Mundo de 1970, conquistada pelo Brasil

Uma das memórias mais remotas que tenho sobre futebol é relacionada à Copa do Mundo de 1998. Lembro-me bem da vitória do Brasil por 3 a 2 sobre a Dinamarca, nas quartas de final; do triunfo nos pênaltis diante da Holanda, na semifinal; e da derrota por 3 a 0 para a anfitriã França, na decisão. Eu era um garotinho de 5 anos que começava a gostar do esporte por influência de um tio. Minha frustração deu lugar à alegria em 2002, quando aos 9 anos, um pouco mais entendido de bola, vibrei com as atuações decisivas de Rivaldo e Ronaldo na caminhada rumo ao penta em cima da Alemanha no Japão.

Quando eu nasci, em 1992, Pelé tinha 52 anos e estava aposentado desde 1977, época em que vestiu a camisa do New York Cosmos, dos Estados Unidos. Não tive a sorte de assisti-lo ao vivo, porém ouvi relatos encantados de pessoas mais velhas, como meu pai, meu tio e meu padrinho - os três acima dos 60 anos -, além de ex-jogadores e colegas de imprensa na mesma faixa etária. E felizmente a televisão e a internet me permitiram ver gols, dribles, arrancadas, assistências e jogos completos do Rei do Futebol, que morreu nessa quinta-feira (29/12), aos 82 anos, após um ano de luta contra um câncer no cólon.

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Se os brasileiros reverenciam Messi, Cristiano Ronaldo, Mbappé e tantos craques estrangeiros é porque nasceram em um país que estabeleceu o futebol como identidade nacional. Essa tradição só foi consolidada por causa da genialidade de Pelé. Com apenas 17 anos, ele marcou seis gols na Copa do Mundo de 1958, na Suécia, a primeira conquistada pelo Brasil. Em 1970, aos 29, liderou a seleção no tricampeonato, no México, em um elenco recheado de grandes nomes: Gerson, Tostão, Jairzinho, Rivellino, Clodoaldo, Carlos Alberto e outros. Ainda integrou o escrete vencedor em 1962, no Chile.

Pelé foi o cara que arrastou milhares de pessoas aos estádios e proporcionou milhões em dinheiro. Que fez do Santos um dos clubes com o maior número de torcedores da época. Que sintonizou físico e técnico, força e precisão, velocidade e habilidade, complexidade e simplicidade. Que fez justiça ao título de "Atleta do Século" em um período no qual ciências como medicina, fisiologia e fisioterapia não eram tão avançadas como hoje. O Rei ainda demonstrou ser bom de negócios, tendo sabedoria para gerir a fortuna em meio aos comuns casos de falência de grandes esportistas. Um homem à frente de seu tempo.

Já parou para pensar no nosso hipotético futebol sem Pelé como referência? Poderíamos ser hoje uma espécie de Holanda, que sempre montou boas seleções, porém “bateu na trave” em Copas e não foi além de três segundos lugares. Ou talvez uma Hungria, vice-campeã em 1938 e 1954, “desaparecida” do cenário mundial a partir de 1970. Gostaríamos da bola com gomos pretos e brancos? Creio que sim, mas não sei se com o mesmo fervor e intensidade.

O filme "Pelé Eterno", lançado em 2004, conta toda a trajetória de vida de Edson Arantes do Nascimento, com direito a depoimentos de familiares, amigos de infância, companheiros dos tempos de Santos e Seleção Brasileira e adversários. E, claro, não poderiam faltar vídeos de vários dos 1.283 gols. O repertório contempla jogadas de todos os tipos: chutes de pé direito, pé esquerdo, cobrança de falta, pênalti, cabeça, bicicleta, voleio, 'matada' no peito, 'caneta' e chapéu.

Pelé na Copa do Mundo de 1958, a primeira conquistada pelo Brasil



Há quase duas semanas, em 18 de dezembro, acompanhei um extraordinário Lionel Messi conduzir a Argentina ao terceiro título da Copa do Mundo. O craque de 35 anos, autor de 793 gols oficiais, é o melhor futebolista que vi jogar. Só que deixei transparecer os meus 30 anos no início do texto e não sou digno de contestar a sapiência de quem passou a apreciar o futebol tendo a chance de estar perante o mineiro nascido em Três Corações em 23 de outubro de 1940.

A existência de Pelé mudou o conceito do esporte no Brasil e eternizou o uso da camisa de número 10 para o craque. Saímos de uma nação amargurada pelo revés para o Uruguai no quadrangular final da Copa de 1950, em um Maracanã com 200 mil pessoas, e chegamos ao patamar de "País do Futebol" graças às portas abertas pelo Rei. A partir do legado do filho de Dondinho e Celeste surgiram outros gênios por aqui, como Zico, Romário, Bebeto, Rivaldo, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e Neymar.

Hoje somos apaixonados por ver a bola correndo de pé em pé em um pedaço de grama de pouco mais de 7 mil metros quadrados. Ficamos vidrados em acompanhar desde jogos de estaduais a mata-matas de Copa Libertadores ou Liga dos Campeões. Também não dispensamos partidas da Copa do Mundo, seja Tunísia x Austrália, pela fase de grupos, ou Argentina x França, na final. E gostamos de desfrutar de um futebolzinho com os amigos nos momentos de folga e lazer. Tudo isso por causa do senhor Edson que sai de cena, mas deixa Pelé para sempre na história. Obrigado por nos proporcionar esse amor, Rei!

Pelé na Copa do Mundo de 1962, a segunda conquistada pelo Brasil



Pelé na Copa do Mundo de 1970, a terceira conquistada pelo Brasil



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