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DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA

Consciência Negra: o que os clubes de futebol podem fazer além da rede social para combater o racismo?

Neste dia 20 de novembro, o Superesportes foi atrás de respostas para essa pergunta

postado em 20/11/2019 07:00 / atualizado em 20/11/2019 11:32

(Foto: Cruzeiro/divulgação)
Em todas as datas importantes do calendário, uma situação se repete. Clubes de futebol se manifestam por meio de redes sociais, apoiando a causa que marca aquele dia. Neste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, não deve ser diferente. Mas é só isso? O envolvimento dos clubes de futebol - entidades que exercem grande influência sobre a coletividade - nas causas sociais deve ficar só no âmbito digital? O Superesportes foi buscar a resposta.

O Bahia foi o primeiro a romper a barreira da internet. Em 2018, sediou o lançamento do Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol, em parceria com o Observatório da Discriminação Racial no Futebol. Em 2014, o Tricolor já se diferenciava ao lançar uma “mascota” negra, a “Lindona da Bahêa”.

Neste ano, o Tricolor de Aço vai além, por meio da campanha “Dedo na Ferida”. O Bahia irá a empresas e órgãos governamentais levar treinamentos e debates sobre igualdade racial e racismo estrutural para a diretores, gestores e funcionários.

“A luta contra o racismo e pela igualdade racial é de toda sociedade e deve ocorrer de diversas maneiras. As redes sociais são importantes, mas é necessário ir para o campo da prática. Indagar por que o racismo estrutural define os espaços em que os negros irão ocupar. Quais medidas podemos adotar de maneira individual e coletiva para promover igualdade racial? O Bahia vai trabalhar o debate do racismo estrutural. Iremos promover uma série de ações para colocar o dedo na nossa ferida”. As declarações são de Tiago César, coordenador do Núcleo de Ações Afirmativas do Bahia, em entrevista ao Superesportes.

E os clubes mineiros?

No dia 12 de novembro, o Atlético lançou a campanha #DoPretoEDoBranco. Nas redes sociais do clube, foram postados vários depoimentos relevantes de atletas e funcionários do Galo sobre o racismo.



Uma atitude prática do clube foi o apoio oferecido pelo presidente Sérgio Sette Câmara ao segurança da Minas Arena, Fábio Coutinho, vítima de injúria racial de dois torcedores atleticanos no clássico contra o Cruzeiro. Além disso, os agressores foram expulsos do quadro de sócios-torcedores do Galo na Veia.



Após o clássico do último dia 10, os atleticanos Adrierre Siqueira da Silva e seu irmão Natan Siqueira Silva proferiram injúrias raciais contra o  segurança, que estava a trabalho no Mineirão. O primeiro cuspiu no rosto de Fábio e disse, em tom agressivo: “Olha a sua cor!” Nathan é acusado de ter chamado Fábio de “macaco”. Após os irmãos prestarem depoimento à Polícia Civil, Nathan afirmou que se referiu a Fábio como “palhaço”.



Para Sérgio Sette Câmara, “o que o Atlético pode fazer é o que o Atlético fez. Dar a um caso seríssimo, como o de injúria racial que ocorreu, a repercussão que o caso merece, indo além das redes sociais”.

No dia 14 deste mês, o Cruzeiro lançou a ação Cartão Vermelho para o Racismo. Em seu site oficial, o clube afirmou que é preciso falar sobre racismo e revelou que procurou “ouvir negros que militam na causa e têm conhecimento do assunto para moldar a campanha”. Na página oficial da Raposa, há um link para um questionário onde os torcedores podem responder se já presenciaram casos de discriminação racial nos estádios.



A campanha celeste prevê, ainda, a realização de debates sobre o tema, e é realizada em parceria com o grupo empresarial Todo Black É Power, dedicado à emancipação da população negra por meio do empoderamento estético, econômico e cultural.



Zezé Perrella, gestor de futebol do Cruzeiro, pretende seguir com campanhas de conscientização contra uma situação que, segundo ele, alastra-se em alta velocidade no futebol em diversos países. Para o gestor, as punições contra os infratores também devem ser aplicadas.

“A Fifa e as federações nacionais precisam apertar ainda mais o cumprimento integral das leis, que são severas. As autoridades locais, a mesma coisa. O Cruzeiro, além de campanhas em suas redes sociais, têm participado de outros movimentos da sociedade contra os diversos atos discriminatórios não só o racismo, mas homofóbicos, contra a mulher e outros mais. Temos usado jogadores em campanhas raciais. Combatemos na mídia qualquer ato que tenha ligação direta ou indireta com o Cruzeiro. Estamos atentos e vamos continuar trabalhando para mudar essa cultura ignorante. Além de sermos um país com percentual majoritário de descendentes afros, os clubes de futebol também possuem em seus quadros uma grande escala de trabalhadores e atletas negros”, ponderou Perrella.

Marcus Salum, presidente do conselho de administração do América, destaca a importância das campanhas de conscientização, mas também prega que os clubes devem adotar gestos concretos no combate ao racismo.

“As campanhas feitas pelos clubes são, sem dúvida, importantes para conscientizar as pessoas. Além disso, o que deve ser feito na prática por todos é ter atitudes coerentes e totalmente contra qualquer tipo de discriminação. Não adianta falar e não fazer. Temos que ter atitudes realmente condizentes ao que é pregado nos discursos, isso é o mais importante”, disse o dirigente.

Nas redes sociais, o Coelho fez uma postagem convidando o torcedor a refletir sobre o processo histórico de discriminação racial.

Além da rede social

As campanhas nas redes sociais digitais têm seu valor, sobretudo na sociedade atual, em que a internet é um dos principais meios de comunicação. Entretanto, os clubes - a exemplo do Bahia - podem ir além.

O administrador de empresas Marcelo Medeiros Carvalho, diretor executivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, afirma que as agremiações devem utilizar o esporte mais popular do mundo para “conscientizar sobre os efeitos do racismo não só para as pessoas negras, mas para a sociedade como um todo, afinal uma sociedade desigual tende a viver com mais insegurança e violência”.

Marcelo defende, também, punições severas partindo dos próprios clubes contra quem praticar atos discriminatórios no meio esportivo.

“Os clubes devem identificar e punir os torcedores que cometerem atos racistas, não devem esperar por ações da polícia ou da Justiça. É preciso intimidar torcedores racistas para que não se manifestem nas arquibancadas ou redes sociais. A punição neste momento de tensão é o melhor caminho, depois é preciso trabalhar a educação e conscientização com palestras e seminários para torcedores, sócios, conselheiros e funcionários. É preciso sair da zona de conforto e agir, intimidar e inibir os racistas” argumentou.

Belo Horizonte é sede do Instituto Hamilton Cardoso, vinculado à Coordenação Nacional de Entidades Negras. O presidente da instituição, filósofo e professor de História da África, Marcos Cardoso, também defende a realização de atividades educativas não só no âmbito digital.

“Penso que as campanhas educativas são importantes, especialmente nas grandes redes abertas de comunicação. Além das campanhas é necessário um trabalho permanente de reeducação das relações étnico raciais nos clubes esportivos que tematize o racismo estrutural e institucional na sociedade brasileira, que busque informar sobre a diversidade racial e a pluralidade cultural, onde a valorização da Cultura Negra e da memória de homens e mulheres negras são essenciais para a formação e constituição do Brasil”, explica Cardoso.

A educação certamente é um dos pilares para pacificar na sociedade a máxima cantada pelos Racionais MCs de que “ninguém é mais que ninguém”. Assim, fomos buscar respostas com um professor. 

Luciano Jorge de Jesus, educador físico que leciona rede pública de Belo Horizonte, ensina que a forma como o racismo se apresenta no futebol é um espelho do modo como a sociedade brasileira organiza toda a sua dinâmica social, econômica e política em torno da questão. De acordo com o educador, entender isso é importante para se ter ciência de que “o racismo que se expressa no espaço do campo de futebol está colocado no dia a dia de homens e mulheres negras no Brasil. O racismo é o normal na vida de homens e mulheres negras. Ou seja: é estrutural. Como ele é estrutural, ele também atinge as instituições. Os clubes de futebol, como instituições que são, podem tanto reproduzir atos e atitudes racistas, de forma consciente ou não, e também podem construir ações de enfrentamento.”

O professor critica a postura da maioria dos clubes, que só agem em situações extremas, geralmente em momento posterior a um caso grave. 

“O que a gente vê são paliativos, são ações que acontecem porque o caso ganha repercussão e aí se o clube não se posiciona ele fica mal, como já aconteceu com o Atlético e o Cruzeiro em outras oportunidades. Então, o mais importante que os clubes deveriam fazer para enfrentar é institucionalizar ações, construir um espaço semelhante ao que o Bahia tem e investir dinheiro. Tem que ter investimento de dinheiro, tem que ter uma política de gestão de clube que inclua parte do orçamento do clube destinada para esse tipo de ação”.

“A gente só vai dar conta de ver ações sólidas em clubes de futebol quando os clubes institucionalizarem ações. Só que isso acontece muito pouco, porque os clubes não estão interessados. Tanto em Atlético, quanto no Cruzeiro não existe interesse sólido de enfrentamento ao racismo”, declara Luciano.

O que pensam os atletas

Em agosto deste ano, Bárbara “Paçoca”, zagueira do Atlético, foi vítima de discriminação durante uma abordagem policial, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. “O policial já abrindo a porta com a mão na arma, perguntando se temos passagem, chegando junto do jeito que vocês sabem. Diz ele que a gente parecia os suspeitos de um chamado. Vivemos essa rotina de provar que somos honestos todos os dias. Já fui parada outras vezes com o mesmo discurso”, desabafou a atleta pelo Twitter, no dia do ocorrido.

(Foto: TV Galo)


Ao Superesportes, Paçoca destacou que o racismo, infelizmente, é comum no meio esportivo, e pediu mais empatia aos torcedores. “Já presenciei muitas coisas, mas sempre vindas da torcida. Acho que as pessoas saem de casa para torcer e se esquecem que o futebol é movido por pessoas como eles, que erram, acertam, acordam bem, acordam mal e que merecem respeito”.

Sobre o que os clubes podem fazer para combater o racismo, Paçoca foi mais uma que afirmou que as campanhas devem romper os limites digitais.

“As redes sociais devem ser utilizadas por terem um alcance, mas é importante que o clube mostre ao torcedor que não vale só para o mundo virtual. Tem que ter respeito na arquibancada também. Seja com camisa e faixa, com mensagem na entrada em campo, seja fazendo camisas de passeio alusivas ao tema”, sugeriu a zagueira do Galo.

Os personagens da campanha do Cruzeiro contra o racismo são os zagueiros Cacá, do time masculino, e Jajá, do feminino. O defensor estrelado entende que a internet é uma ferramenta importante de conscientização e ressalta que uma das formas de combater o preconceito é falar constantemente do assunto.

(Foto: Cruzeiro/divulgação)


“Acho que os clubes poderiam estar sempre postando, sempre relembrando nas redes sociais, para que as pessoas não esqueçam que racismo é crime. O Cruzeiro está fazendo uma campanha que chama Cartão Vermelho para o Racismo, da qual inclusive estou fazendo parte, ao lado da zagueira Jajá, do futebol feminino. Tem que estar sempre lembrando e postando, para que não volte a acontecer”, disse o zagueiro.

A pior forma de racismo é a exclusão

Segundo o Observatório da Discriminação Racial no Futebol, até o dia 18 de novembro, o futebol brasileiro registrou 44 casos de racismo. Contra brasileiros no exterior, foram 13 ocorrências. Na Copa Sul-Americana houve mais cinco casos.

Mas se engana quem pensa que racismo se resume apenas a xingamentos e injúrias. A pior forma de racismo é a exclusão. Dos 40 técnicos das Séries A e B, apenas três são negros - Marcão, do Fluminense; Roger Machado, do Bahia; e Hemerson Maria, do Botafogo de Ribeirão Preto. Entre os 40 presidentes dos clubes das duas principais divisões do futebol nacional, há apenas dois negros: Ecival Martins, do Vila Nova-GO, e Sebastião Arcanjo, o Tiãozinho, da Ponte Preta. Nas redações dos veículos de imprensa esportivos, pretos e pardos são a minoria. 

(Foto: LUCAS MERÇON / FLUMINENSE F.C.)


O futebol não é um mundo isolado. Apesar de o Brasil ser um país de maioria negra -  50,74% segundo o último Censo do IBGE, sendo 7,61% pretos e 43,13% pardos - essa parcela da população não é representada em setores sensíveis da sociedade. Dos 513 deputados eleitos em 2018, apenas 125 (24,3%) se declaram negros. 

Nas empresas, o quadro se repete. De acordo com estudo denominado Perfil Social, Racial e de Gêneros das 500 Maiores Empresas do Brasil e suas Ações Afirmativas - elaborado pelo Instituto Ethos em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento - o total de negros nos postos de comando no setor privado é o seguinte:

Conselho de Administração: 4,9%
Quadro Executivo: 4,7%
Gerência: 6,3%
Supervisão: 25,9%

As oportunidades de estudo também são escassas. Pretos e pardos ocupam apenas 32,64% das vagas nas faculdades e universidade, segundo o Censo do Ensino Superior de 2018, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Colaborou João Vítor Marques

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