Proibidas no Brasil desde 2002, as casas de bingo podem, em breve, dividir as atenções nos estádios de futebol com os jogadores. Ao menos essa é a pretensão dos clubes brasileiros das Séries A e B que apoiam uma emenda do deputado federal e presidente do Corinthians, Andrés Sanchez. O projeto é uma tentativa de legalizar os “jogos de fortuna” na Lei Geral do Turismo (PL 2724/2015). O tema será apreciado pela Câmara dos Deputados, em Brasília, nas próximas semanas, antes do recesso deste mês.
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A emenda versa sobre a legalização de cassinos em resorts e de bingos em estádios de futebol com capacidade superior a 15 mil lugares. Nesse primeiro momento a aprovação é difícil porque o tema divide até mesmo os clubes interessados no projeto.
O presidente do Flamengo, por exemplo, defende que a redação da emenda seja alterada para priorizar os clubes que tenham ao menos cinco modalidades olímpicas. É o caso justamente do Rubro-Negro. Clubes com menor estrutura, como o Vila Nova-GO, acham que essa exigência beneficiará só as potências nacionais. Outros, que não têm estádio particular com estrutura para abrigar uma casa de bingo, querem incluir no texto a liberação para explorar o serviço em sedes sociais.
O Cruzeiro foi um dos clubes convidados para apreciar a matéria em reunião nessa terça-feira, em reunião na Câmara dos Deputados, em Brasília, com presença de Andrés Sanchez, autor da emenda, do deputado federal Vicente Cândido (PT-SP) e do presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello.
Ao ser consultado, o presidente do Cruzeiro, Wagner Pires de Sá, mostrou-se favorável à emenda, ainda que o clube mande seus jogos no Mineirão, estádio do governo de Minas Gerais que é gerido por uma concessionária, a Minas Arena. O clube tem contrato de parceria com a operadora para utilizar o estádio até 2037.
Em áudio da reunião na Câmara, obtido pelo Superesportes com exclusividade, Wagner pediu alteração na redação justamente para permitir que clubes como o Cruzeiro, que não têm o estádio próprio, também sejam beneficiados com a emenda, caso aprovada.
”É importante definir bem o que vocês estão entendendo como bingo em estádios. Você tem bingo permanente e bingo esporádico. Pelo que estou vendo aí, os bingos que estão sendo contemplados no futebol seriam bingos esporádicos. Ou seriam permanentes? (alguém responde ao presidente do Cruzeiro que seriam permanentes. Ele então segue seu raciocínio). Ótimo, porque é exatamente esse permanente que você tem fluxo constante de rendimento, melhor. Agora, para isso, também, tem que definir bem em estádios que o clube não é proprietário. Temos vários exemplos lá no Rio e em Belo Horizonte, o Mineirão, que é o maior, efetivamente não é do Cruzeiro. Nós temos um convênio, mas não é do Cruzeiro. (...) Então quem não tem a propriedade do estádio, mas tem como Flamengo, Cruzeiro, diversos outros clubes têm, clubes sociais. Então, a gente tem de colocar isso dentro da pauta”, disse Pires de Sá.
Wagner Pires de Sá, inclusive, tem amplo conhecimento sobre bingos. Em sua carreira como empresário, ele chegou a abrir várias casas em Belo Horizonte. A revelação foi feita por ele a um blog da ESPN quando ainda era candidato ao cargo de presidente do Cruzeiro. “Presidi a Fundação Vale do Rio Doce e, mais tarde, fui membro e pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA). Passado isso, voltei para Belo Horizonte porque achei que já tinha doado muito da minha experiência para o estado e para o país. Aqui, passei a trabalhar na iniciativa privada. Construí oito empresas de entretenimento (bingos) para terceiros e três eu administrei. Geramos mais de 15 mil empregos”.
Ao ouvir o pleito do Cruzeiro na Câmara, Andrés Sanchez respondeu: “O que nós entendemos, que quando (o estádio) é estadual, por exemplo, Brasília, Manaus, Cuiabá, tem clube que paga o estádio. Então, no Mineirão, por exemplo, o Cruzeiro vai ter que fazer uma parceria com o estado (governo) para levar o bingo também (ao Mineirão), como o Flamengo no Maracanã. É uma maneira até de o estado gastar menos na maioria dos estádios que foram construídos para a Copa do Mundo. Pensei em colocar (na redação da emenda) também nos clubes sociais, mas entendi também que a maioria não tem clube social. É só futebol”, disse o deputado federal e presidente do Corinthians.
O deputado Vicente Cândido deu a entender, durante o encontro com os clubes, que o governo federal apoia a emenda e tem interesse em ajudar os clubes no projeto que visa gerar essa nova receita.
Ao falar sobre o tema no encontro, o presidente do conselho deliberativo do Atlético Paranaense, Mário Celso Petraglia, lembrou que a eventual aprovação da emenda não garante aos clubes a administração dos bingos, mas sim sua exploração comercial. Ele destacou que a gestão desses empreendimentos está nas mãos de uma “máfia mundial”.
”Para contribuir, porque nós estudamos bastante essa parte dos bingos. A atividade do jogo de bingo hoje está avançando inclusive com uma maquininha, não só mais o bingo presencial. Também o bingo virtual, através da internet. Mas para esclarecer, será uma atividade privada, então, dificilmente, a gente vai conseguir acomodar todos os interesses, de todos (os clubes), coincidindo dentro de uma lei específica. Então, vejo o caso de alguns estados, da necessidade de ter essa participação dos clubes e o entendimento com o proprietário do estádio, quem detém o controle, a operação do estádio, porque os clubes não têm a expertise de ter a incumbência de tocar uma casa de bingo. O que os clubes terão é uma participação por ceder essa condição aos operadores. Porque isso é uma máfia mundial. Começa com aquele que detém a tecnologia do jogo, o software, que é realmente o bingo. Depois a própria competição da máquina, a máquina não é vendida, é alugada. Os clubes terão a oportunidade de faturar com isso, dificilmente terão a oportunidade de operar essas casas, nem tem condição para isso”, declarou Petraglia.
Apesar desse depoimento, o dirigente do Atlético-PR se mostrou disposto a levar o projeto adiante. “Caso não tenhamos sucesso agora na emenda, dentro da Lei Geral do Turismo, (podemos) entrar novamente isoladamente. Caso não tenhamos sucesso”, posicionou-se.
A ‘emenda dos bingos’ foi apenas um dos temas discutidos por dirigentes de clubes na reunião com Andrés Sanchez, Bandeira de Mello e Vicente Cândido na Câmara. A pauta principal foi a criação de uma associação de classe para representar as principais agremiações do país em questões políticas e de cunho econômico. A venda de direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro para o mercado externo foi outro assunto bastante debatido.
Estavam presentes ainda representantes de Cruzeiro (presidente Wagner Pires de Sá e vice-presidente jurídico Fabiano de Oliveira Costa), Atlético-PR (Mario Celso Petraglia), Internacional, Coritiba, Figueirense, Avaí, Juventude e Vila Nova-GO.