Indústria dos pontos perdidos: denúncias de atletas irregulares são vendidas por R$ 120 mil

Ver um time competitivo e que conquiste os pontos dentro do campo. Esse é o sonho dos torcedores que acompanham suas equipes Brasil afora. Porém, um outro “craque” tem sido decisivo em várias ocasiões do futebol brasileiro, e ele não usa a camisa 10 e nem calça chuteiras: o Superior Tribunal de Justiça Desportiva. O órgão tem recebido denúncias e julgado agremiações por irregularidades nos contratos de atletas. A indústria que alimenta essas delações à Procuradoria do Tribunal nasce, muitas vezes, da participação clandestina de terceiros e com altas exigências financeiras.

O Superesportes conversou com dirigentes de algumas equipes da Série B do Campeonato Brasileiro. A maioria admitiu que já foi alvo desses agentes anônimos, que oferecem a informação de atletas irregulares de outros clubes em troca de dinheiro. A quantia exigida por esses “caçadores da irregularidade” é alta.

Depois de perder 21 pontos na Primeira Instância no STJD, o América poderia mudar de lado em possíveis julgamentos e ter a condição de interessado ao invés de réu, como acontece no caso do lateral Eduardo, que teve a situação irregular denunciada pelo Joinville, concorrente da Série B. Curiosamente, informações de atletas irregulares foram oferecidas ao clube mineiro. Um dos gestores do Coelho, Marcus Salum, admitiu que recebeu uma ligação anônima para denunciar dois jogadores na disputa da Série B.

“Aconteceu comigo recentemente. Essas coisas quanto mais você fala, é pior. Há empresários e advogados que estudam regulamento e vasculham as súmulas de jogos e dizem: 'eu tenho uma bomba aqui e, se denunciar, o time x ou y perde pontos'. Essa prática está acontecendo direto. O América nunca entrou nessa, mas o América tem uma forte confiança, mas não pode provar nada, que foi o que houve com o Joinville”, revelou o dirigente.

A reportagem apurou com pessoas ligadas ao Coelho que, na última semana, profissionais com números confidenciais entraram em contato com gestores do clube e pediram R$ 120 mil para revelar dois nomes de jogadores em situação irregular na Série B. A conduta adotada pelos diretores alviverdes, segundo a fonte, foi ignorar e não passar qualquer quantia aos denunciantes.

Caso não consiga sucesso no Pleno do Tribunal em seu recurso para recuperar os pontos perdidos, o Alviverde tem grandes chances de ser rebaixado para a Série C do Brasileiro

“Interpretar linha e vírgula do regulamento vai acabar com o futebol. Eu acho que CBF deveria privilegiar o resultado em campo. Quando é uma coisa gritante, tudo bem. Mas esse caso é um absurdo”, completou Salum

Como nasceu a denúncia contra o América

A denúncia que colocou o América no Tribunal partiu do Joinville. O clube catarinense é um dos que briga pelo acesso e o advogado que representa a equipe contou como percebeu o problema no contrato de um jogador do Coelho. O advogado Roberto Pugliese Jr., representante da equipe de Santa Catarina, explica como nasceu a denúncia contra o América.

“Num comentário informal, um conhecido me falou que sabia de alguns atletas irregulares na Série B, mas prefiro manter o nome dele em sigilo. Eu fui atrás e pesquisei a irregularidade do Eduardo. Foi uma pesquisa nossa. É trabalhosa. Você não precisa nem entrar no site da CBF (pode olhar os clubes do atleta no Google). Até pensei que era em tom de brincadeira. Vamos achar um jogador irregular para tal time cair ou subir. Só que a gente já tem um costume de fazer um controle. A partir desse comentário, eu fiz uma pesquisa dos clubes que estavam na frente. Mas, não duvido que exista (denúncia de terceiros em troca de dinheiro). Muita gente quer ganhar dinheiro de qualquer forma”, disse à reportagem

Embora não veja como culpa no regulamento da CBF, que por muitas vezes gera contradições internas e no próprio STJD, Roberto Pugliese Jr. vê a falta de atenção dos clubes como principal responsável pelos erros nos registros e transferências de jogadores.

"A falha é nos próprios clubes. Contratam demais, até sem saber se o jogador tem qualidade. O que agregou o Eduardo ao América? Essa é uma realidade de 90% dos clubes. Na Europa, os regulamentos são rigorosos e você tem menos casos. Aqui é muita quantidade e pouca qualidade. Tanto de quem é contratado, quanto de quem gerência os departamentos. A chance de existir falhas é sempre grande. Imagina em outras séries, como a C e D?", completou Pugliese.

Em outros estados

A realidade da oferta por atletas ilegais é comum para outros clubes. Duas equipes de Pernambuco já foram assediadas por esses “prestadores de serviço”. O diretor do Náutico, Carlos Kila, não conversou diretamente com nenhum intermediador, mas garantiu que o negócio existe e há especialização de advogados com informações privilegiadas, embora não possa provar.

“Eu tenho informação que existe esse serviço. Há escritórios que vendem esse tipo de informação. Pessoas ligam denunciando com essa vantagem pela denúncia. Não temos comprovações. Pessoas do meio comentam isso. Acho que são escritórios de advocacia que coletam essas informações. Para ser ter uma ideia, o América teve um jogo que colocou um jogador em campo e na súmula foi outro (Vitor Hugo por Victor Hugo, ex-atleta da base). Mas esse foi um erro de supervisão, a gente vê que aquilo ali não foi algo premeditado, por isso não denunciamos. Acompanhando súmulas, existe a possibilidade de várias coisas. A gente sabe que existe esse tipo de coisa”, confirmou Kila.

O Santa Cruz, que também disputa a Série B do Brasileiro, foi procurado por pessoas interessadas em vender esse tipo de informação há dois anos, mas, segundo o diretor Constantino Júnior, o tom direto em negar qualquer contato fez com que as ligações parassem.

“Já aconteceu isso aqui em 2012. Mas a gente não levou adiante. A pessoa queria pedir uma conta para depositar dinheiro. A gente já mata no nascedouro e não dá papo. Ligavam com frequência e a pessoa perdeu a credibilidade. Eles usavam identidade falsa”, completou.

Há quem garanta nunca ter passado por esse tipo de situação, como o presidente do Ceará, Robinson de Castro. O mandatário confirmou apenas que já recebeu denúncias formais, mas de torcedores.