Ano, 1994. Fui escalado pelo Estado de Minas para cobrir Boca Juniors x Cruzeiro, pela Copa Libertadores. Eu e o repórter-fotográfico Alberto Escalda fomos a Buenos Aires. O jogo foi em 16 de março e o time celeste venceu por 2 a 1, na Bombonera. Mas o meu fascínio maior não foi cobrir a partida e sim o que aconteceria nos bastidores. Por coincidência, a Seleção Argentina iniciava a preparação para a Copa do Mundo nos EUA.
Centro de Treinamento de Ezeiza. Era lá a concentração dos convocados. E falar em Seleção Argentina era falar de Diego Maradona. Pois veio a ideia de ir para a apresentação dos jogadores, que ocorreu dois dias antes do jogo do Cruzeiro. Daniel Gomes, então editor de Esportes, topou na hora quando liguei contando minha proposta de pauta: entrevistar o gênio que humilhou os ingleses oito anos antes, no México.
E lá fomos. Ao chegarmos a Ezeiza, o comentário dos jornalistas argentinos era: “Maradona não conversa com nenhum jornalista. Está brigado com a gente.” Só não entrei em pânico porque não era argentino. Logo pensei: “Como sou brasileiro, comigo, ele pode falar”.
Que nada! Pelo menos na primeira vez que tentei. Eu o chamei, mas ele passou direto. Pensei em brigar, arrumar confusão, mas essa não seria a saída. Tinha de pensar em alguma coisa. Os jogadores fizeram aquecimento, bateram bola e logo veio treino. Um privilégio ter Maradona à minha frente, “entortando” os companheiros do time reserva.
Terminado o treino e fui direto ao técnico do selecionado, Alfio Basile. Falei que tinha vindo do Brasil e que precisava falar com Maradona. Ele se sensibilizou, mas respondeu que não podia fazer nada, pois o craque estava brigado com a imprensa. E que se fizesse um pedido desse a ele, ia arranjar briga.
Os jogadores ainda estavam no vestiário quando subi para a coletiva de imprensa. Fiquei à porta. Pensava: se Maradona passar por aqui vou atrás. Precisava tentar. Começou a coletiva. Fiz duas perguntas, mas estava com um olho no peixe e outro no gato. Basile respondeu e, no fim da entrevista, levantou-se e veio até a porta. Perguntou se era muito importante eu entrevistar o Maradona. Respondi que sim. Então, deu uma dica. “Ele passa ali por baixo. Já deve ter terminado o banho. Talvez, sozinho, você consiga. Diga que é brasileiro”.
Não pensei duas vezes. Dei sinal para o Alberto e desci, correndo. Posicionei-me um pouco afastado da saída do vestiário. Aí, me veio uma ideia. Lembrei-me do Napoli. Lá, a dupla de ataque era Maradona e Careca. Ele era muito amigo do centroavante brasileiro, mas não o chamava pelo apelido, e sim pelo nome, Antônio.
Depois de tanta espera, enfim, veio Maradona. Aproximei-me e lasquei: “Olá, Diego. Sou amigo de Antônio. Sou jornalista brasileiro e gostaria de falar rapidinho com você”, disse, no meu “portunhol” perfeito. Chuto bem a língua. Deu certo. Ele parou e disse em castelhano: “Se é amigo de Antônio, também é meu amigo. Você é de onde?”. Não titubeei. Menti novamente. “De Campinas”. O craque, então, respondeu prontamente: “A cidade de Antônio”.
Foi o suficiente para engrenar uma conversa. Falamos de tudo: Seleção Argentina, Seleção brasileira, Napoli e de sua paixão pelo Boca. Resultado: no domingo seguinte, o jornal publicou a reportagem exclusiva com Maradona.
Mas não acabou aí. No dia seguinte à entrevista, à noite, fui para a Bombonera cobrir Boca Juniors x Cruzeiro. A torcida estava quieta. De repente, uma explosão. O público começou a gritar "Maradona, Maradona". Todos se voltaram para as tribunas do estádio, onde o ídolo tinha um camarote. Estava chegando o camisa 10.
Punhos cerrados, dando socos no ar, voltados para uma só direção, todos cantam:
“Mama, no sabe por que me late el corazón?
Mama, no sabe por que me late el corazón?
y sabe porque es
enamorado estoy
Ho visto Maradona”.
Quando ele acenou de volta, em agradecimento, o estádio foi à loucura.
Eu vi Maradona de perto e falei com ele. Uma mentirinha às vezes não faz mal.