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%u2014 Salomón Rondón (@salorondon23) 21 de fevereiro de 2019
COPA LIBERTADORES
Entenda a relação entre futebol e política na caótica Venezuela, país a ser visitado por Atlético e Cruzeiro na Libertadores
País vive momento delicado; equipes venezuelanas têm problemas de segurança e alimentação
Thiago Madureira /Superesportes
postado em 01/03/2019 08:10 / atualizado em 06/03/2019 19:19
"O futebol sempre vai ser um reflexo da sociedade. A Venezuela passa por uma crise terrível, e o futebol não escapa dela”. O jornalista Diego Chacón dá o tom do momento vivido no seu país, onde Atlético e Cruzeiro jogarão pela fase de grupos da Copa Libertadores contra Zamora e Deportivo Lara, respectivamente. Ao Superesportes, ele fala dos desdobramentos do caos social no esporte mais popular do mundo.
Para se ter uma ideia da situação dramática pela qual passa a Venezuela, o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta que a inflação deva atingir 10.000.000% neste ano. De acordo com a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) das Nações Unidas, o país teve uma queda no Produto Interno Bruto (PIB) de 15% no ano passado, com projeção de baixa de 8% neste ano. Por causa da crise, a população sofre com fome, violência e falta de atendimento na saúde. A opção para muitos é cruzar as fronteiras: cerca de 3,4 milhões de pessoas deixaram a Venezuela desde que a crise se intensificou.
O futebol também manifesta os efeitos da crise. Alguns clubes da Primeira Divisão atrasam salários e têm dificuldade até com a alimentação dos jogadores. O impacto é menos sentido em grandes equipes locais, casos de Zamora e Deportivo Lara. O treinador colombiano Wilson Gutiérrez, que comandou o Carabobo no ano passado, conta as dificuldades que enfrentou. “Houve momentos em que os jogadores não recebiam salários. Depois, vimos que as coisas ficaram mais complicadas. Muitas vezes era difícil fazer uma dieta hipercalórica para o gasto energético dos atletas. Em termos de alimentação, não havia o que era solicitado pela comissão técnica. O que mais faltava era frango. E, quando pedíamos, davam apenas macarrão”, disse o treinador.
A falta de alimentação de qualidade fez jogadores do Llaneros, um time que ascendeu à Primeira Divisão, protestarem durante um jogo no ano passado. Os atletas combinaram com o adversário de ficar um minuto sem tocar na bola. “Há um tempo, algumas equipes foram denunciadas por parte dos jogadores porque a alimentação era bastante pobre, comiam arroz e repolho. Estamos falando de Llaneros, uma equipe da Primeira Divisão. Assim como este, temos outros casos de alimentação bastante pobre", conta o repórter venezuelano.
A crise fez aumentar as taxas de violência. Segundo a Anistia Internacional, a Venezuela registra 89 homicídios por cada 100.000 habitantes, três vezes maior que o do Brasil neste período. Diego Chacón faz um alerta sobre o nível de insegurança e desaconselha a ida de atleticanos e cruzeirenses ao país. "Vou falar da crise na minha perspectiva: temos, por exemplo, de usar transporte público. Não é simples como deveria ser pegar um ônibus e percorrer a cidade. Primeiro, porque já não há tantos ônibus. Segundo, você corre o risco de ser assaltado, vão roubar seu celular, seu notebook, seu material de trabalho, que é caro e aqui não se compra mais. A segurança é um ponto crítico ao torcedor que vier à Venezuela. E está cada dia pior", ressaltou.
Não é só a população que sente a violência nos deslocamentos. Isso ocorreu com o time do Trujillanos, em 2016, quando estava em Boca de Uchire, no estado de Anzoátegui. O ônibus foi roubado, causando forte comoção entre os jogadores. Depois do episódio, o governo venezuelano passou a escoltar os veículos dos times de futebol.
Estratégias de Cruzeiro e Atlético
Atlético e Cruzeiro já estão planejando estratégias especiais para os jogos na Copa Libertadores. O clube celeste vai ao país primeiro, no dia 23 de abril, para enfrentar o Deportivo Lara, em Barquisimeto, no estado de Lara, no Noroeste venezuelano. Já o Galo enfrentará o Zamora no dia 7 de maio, em Barinas, na mesma região.
O Cruzeiro estuda levar água e alimentação para a delegação. A diretoria confirmou que, diante do contexto caótico que vive a Venezuela, buscará se “blindar” de todas as formas para ter o melhor rendimento possível como visitante.
O Atlético tem como grande preocupação a segurança dos jogadores. O vice-presidente do clube, Lásaro Cândido da Cunha, explicou: “Já estamos atuando nisso, mas não vamos entrar em detalhes. Sabemos da dificuldade de logística, da insegurança, vamos apresentar nossa posição à Conmebol também. Posso dizer que todas as questões estão sendo estudadas”.
O Galo voltará à Venezuela, onde esteve em 2014 para enfrentar o próprio Zamora pela Copa Libertadores. Naquela ocasião, a crise ainda era tímida. “Já havia um certo ar de crise, um descontentamento, mas longe do que se vê hoje. Não tivemos problemas com o hotel nem a alimentação, existia uma normalidade, embora já fosse possível notar certo desabastecimento para a população local, faltavam algumas coisas nos mercados. Era o início da crise”, disse o diretor de comunicação do Atlético, Domênico Bhering, que integrava a delegação alvinegra naquela ocasião.
Futebol e Política
O governo venezuelano tenta usar os esportes mais populares, como beisebol e futebol, para tentar passar uma imagem de normalidade no país, relataram fontes ouvidas pela reportagem. A politização do futebol é possível observar tanto no nível institucional da federação quanto dos clubes.
Um dos dirigentes da Federação Venezuelana de Futebol (FVF) é um dos mais ferrenhos aliados de Nicolás Maduro, presidente do país desde 2013 – assumiu cargo interinamente em 2012. Trata-se de Pedro Infante Aparício. Ele é ministro do Esporte e segundo vice-presidente da FVF. O perfil dele no Twitter, com mais de 83 mil seguidores, traz a seguinte descrição: “Soldado da Pátria. Hoje, ministro da Juventude e Esporte. Militante da revolução, Batalhão Desportivo Bolívar, Chávez e Martí, 100% anti-imperialista”.
Segundo determinação da Fifa, as federações nacionais não podem ser submetidas ao poder político local, com possibilidade de punição. O Superesportes entrou em contato por e-mail com a FVF, mas não foi respondido até a publicação da reportagem.
Há também uma forte relação entre os clubes e o chavismo, ideologia difundida no país pelo ex-presidente Hugo Chávez, morto em 2013 em decorrência de um câncer. O próprio rival do Atlético, por exemplo, é de propriedade do irmão mais novo de Chávez, Adélis. Ele assumiu o comando do Zamora em 2009, embora participasse da administração desde 2002. A gestão dele, muito elogiada, foi uma das bandeiras do chavismo em Barinas. Nos últimos anos, conquistou o Campeonato Venezuelano em quatro ocasiões: 2012/13, 2013/14, 2016 e 2018. O começo dele no futebol ocorreu como vice-presidente do comitê organizador da Copa América de 2007.
Chávez, embora um fanático do beisebol, era torcedor do Zamora. O clube é de Barinas, estado natal do ex-líder político. No município homônimo, que tem cerca de 500 mil habitantes, há placas em referência ao ex-presidente. Muitas delas no Estádio Agustín Tova. Conhecido como La Carolina, ele tem capacidade para pouco mais de 24 mil torcedores e foi remodelado para a Copa América de 2007.
As imagens de Chávez estão por todo lado. Na sala de imprensa há um quadro com seu rosto. Em outro ambiente, um grande painel exibe um sorriso de Chávez e um braço indicando o caminho, seguido da mensagem: “No meu muito recordado estádio... O Zamora... não se rende! Para sempre... Zamorano eterno!”.
Já o dono do Deportivo Lara, rival do Cruzeiro, é o jovem empresário Jorge Giménez. Assim como o Zamora, a equipe de Barquisimeto é considerada uma referência em gestão esportiva, apesar da crise. É o clube mais jovem que disputará esta edição da Copa Libertadores, com fundação datada em julho de 2009. Esta será a terceira Copa Libertadores do Lara, que, anteriormente, disputou a competição em 2013 e 2018. No ano passado, o clube levou 7 a 2 do Corinthians, demonstrando a sua fragilidade.
Ao Superesportes, outro jornalista venezuelano, que preferiu não ser identificado, traçou um panorama dos rivais de Atlético e Cruzeiro. "Zamora e Lara são duas das melhores equipes do futebol venezuelano. Jogadores recebem em dia, os times foram campeões recentemente. Zamora é a equipe que mais cresceu nos últimos anos, inclusive, criou modelo de revelar jogadores e vendê-los. Por exemplo, Soteldo, do Santos, saiu de Zamora, assim como vários outros que foram para Europa. São duas equipes jovens, que tiveram êxito nos últimos cinco anos, equipes que não têm tanta tradição e que não vão bem em competições internacionais. As duas equipes estão ligadas ao chavismo. O dono majoritário do Zamora é Adélis Chávez, irmão do falecido Hugo Chávez. E o dono de Lara é um empresário jovem Jorge Giménez muito próximo do governo".
O repórter ouvido critica as vantagens concedidas aos empresários detentores dos clubes. Pelo bom relacionamento com o governo e para usar o esporte como bandeira política, as agremiações são autorizadas a comprar dólares no câmbio do Centro Nacional de Comércio Exterior (Cencoex). Eles adquirem a moeda norte-americana pelo preço oficial, bem mais baixo e sem impacto da hiperinflação. O povo, por sua vez, fica refém do mercado paralelo e vê o bolívar perder valor a cada dia.
"A maioria das equipes está ligada a chavistas fiéis ao governo, que fizeram grande riqueza por meio do futebol. Usam o futebol para ganhar dinheiro e fazem negócios obscuros. Têm vantagens no câmbio. Há clubes mais poderosos, e os que têm menos dinheiro estão sendo fortemente afetados pela crise. Apesar desse momento, a liga de futebol segue caminhando mesmo com a crise porque o governo quer mostrar uma normalidade que não existe. E aqui tanto o beisebol quanto o futebol são fonte de propaganda do governo", disse a fonte à reportagem. Sua identidade será preservada para evitar eventuais retaliações.
Protestos
Os jogadores de destaque da Venezuela que atuam no exterior se posicionam contrários a Maduro. O principal nome da Seleção Venezuelana, o atacante Salomón Rondón, do Newcastle, é um dos mais críticos ao atual governo de Caracas. Ele faz questão de publicar suas posições políticas nas redes sociais. Em fevereiro, fez um apelo para Maduro aceitar a ajuda humanitária que estava sendo enviada à Venezuela, mas recusada pelo governo local.
Embora os grandes jogadores façam críticas públicas, o mesmo não se nota dos atletas que atuam no futebol local. "Pelo bom relacionamento, não há críticas públicas dos clubes a Maduro. Mas jogadores individualmente demonstraram o descontentamento. Os atletas da Seleção que jogam no exterior fizeram público seu descontentamento com o chavismo. Mas para os que jogam dentro do país é quase impossível que eles façam isso", afirmou a fonte.
Em 2014, o futebol venezuelano ensaiou uma grande greve por causa da crise que já se desenhava no país. Contudo, o governo cobrou punição a alguns jogadores. Muitos acabaram demitidos. "Foi a primeira vez na década que houve grandes protestos contra o chavismo, um grupo de jogadores fez um protesto e parou o futebol venezuelano por uma rodada. O que fizeram as equipes? 'Ok, não temos nenhum tipo de problema, jogam os juvenis'. E, então, a 7ª rodada do Campeonato Venezuelano de 2014 foi jogada por juvenis. A maioria dos jogadores em greve, em especial do Atlético Venezuela, foi despedida”, frisou o venezuelano.
Nos estádios, manifestações de torcedores contra o governo podem ser vistas em alguns jogos. Apesar disso, as instituições do futebol tentam silenciar movimentos e ações individuais. A maioria da população parece ser contra o governo Nicolás Maduro, como mostra a foto do protesto em Caracas acima.
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