Quando Roberto Gaúcho se livrou da marcação e arriscou um chute despretensioso do meio de campo, aos 12 minutos da decisão da Copa do Brasil de 1993, parecia pouco provável que o goleiro Eduardo cometeria uma falha em um lance tão simples e a bola entraria. Mas Roberto não tinha dúvidas:
– Atacante tem que arriscar.
Mais improvável ainda era imaginar que, no estado em que se encontrava naquele dia, ele decidiria o primeiro título do Cruzeiro na competição, contra o Grêmio, o adversário desta quarta-feira (31).
– Passei muito mal desde o dia anterior, estava com uma febre muito alta, de 39, 40 graus. Nem treinei na véspera. Passei mal à noite, e também de manhã, no dia do jogo. O doutor Ronaldo Nazaré, médico do clube, me deu uns remédios pra ver se passava - lembra o atacante, ao Superesportes.
Até o dia da final, uma quinta-feira, Roberto Gaúcho era dúvida na escalação. Só para os outros, pois ele tinha certeza de que estaria em campo.
– Joguei todas as partidas, e aí chega na hora de me consagrar e não vou jogar? O jogador grande quer jogo grande, faz gol em final para entrar na história. Em jogo pequeno eu dormia. Mas ia para finais, semis, e sempre fazia gols e assistências - recorda, aos risos.
Dito e feito: Roberto se livrou da marcação e acertou um chute a longa distância para abrir o placar. Também foi ele quem iniciou a jogada do segundo gol ao buscar a bola na bandeirinha de escanteio, em um lance inicialmente sem perigo, e dar o passe para a assistência de Paulo Roberto a Cleisson, que fechou a conta. Vitória por 2 a 1, após um empate sem gols no confronto de ida, e a comemoração da torcida do Cruzeiro no Mineirão.
O nosso #11 gostava de marcar gol em finais.
%u2014 Cruzeiro %uD83E%uDD8A (@Cruzeiro) April 5, 2020
Marcou um na final da @CopadoBrasil de 1993 contra o Grêmio e também marcou um dos gols na histórica conquista da Copa do Brasil em 1996, contra o Palmeiras!
Reveja o gol marcado em 1993:
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– Falei que queria jogar e corri os 90 minutos. Acabou o jogo e eu tremia muito. Fiquei debilitado - comenta o ídolo cruzeirense.
A conquista de 30 anos atrás, a primeira do clube na Copa do Brasil, abriu o caminho para que o Cruzeiro se tornasse o maior campeão da história da competição, com seis títulos. O segundo, aliás, foi também decidido com gol de Roberto, em 1996, contra o Palmeiras.
– Na ida cruzei para o gol de empate, e no Mineirão também participei dos dois gols [da vitória por 2 a 1]. Eu gostava de jogo grande - repete o ex-atacante.
O time do Cruzeiro Campeão da Copa do Brasil de 1993 (foto na toca): Luiz Inarra (prep. físico), Paulo Roberto, Célio Lúcio, Ademir, Robson, Nonato, Paulo César, Benecy (supervisor); Cleison, Rogério Lage, Boiadeiro, Roberto Gaúcho, Luiz Fernando, Edenilson. #Cruzeiro pic.twitter.com/2Npb9fIWMF
%u2014 Almanaque do Cruzeiro (@do_almanaque) May 30, 2023
Motivação extra contra o Grêmio
Adversário do Cruzeiro desta quarta-feira (31) pelas oitavas de final da Copa do Brasil, o Grêmio foi o primeiro grande clube de Roberto Gaúcho, aos 19 anos.
A passagem pelo Tricolor foi o que inflamou o jogador a, mesmo com febre, ir a campo na final de 1993, como ele próprio relata.
– Teve uma motivação extra, sim. Ainda novo fui comprado pelo Grêmio, vindo do Joinville. Fiquei um ano, mas não me escalavam e mal joguei até ir embora. Boa parte da minha família era gremista, e fiquei engasgado com o Grêmio depois daquilo - relata.
Geração de Roberto Gaúcho deu fim a época de vacas magras
O Cruzeiro viveu uma época de vacas magras nos anos 1980, com três títulos do Campeonato Mineiro, sobretudo por questões financeiras.
O período foi sentido pela torcida, que viu nas décadas anteriores o sucesso do grande time de Dirceu Lopes e Tostão, como o Campeonato Brasileiro de 1966 e a Libertadores de 1976, além de dez estaduais.
Foi com a geração de Roberto Gaúcho, Paulo Roberto e Cleisson que a Raposa voltou a conquistar grandes títulos. Em menos de três anos, o time faturou a Supercopa Libertadores de 1992, a Copa do Brasil de 1993 e o Campeonato Mineiro, em 1992 e 1994.
Nas temporadas seguintes, com os reforços do goleiro Dida, Elivélton e Marcelo Ramos, entre outros nomes, viriam os títulos da Copa do Brasil de 1996, a Libertadores de 1997 e o bicampeonato mineiro (1996 e 1997).
Roberto Gaúcho comenta que nem sequer sabia da pressão que carregava nas costas para devolver a Raposa ao caminho das glórias.
– Naquela época eu não sabia das vacas magras. Eu cheguei em 1991. Até 1990, o time não estava ganhando nada. Foi daqueles anos para frente que começou a ganhar muitos títulos - celebra o ex-jogador.
O Cruzeiro de Pepa vai longe?
Para o ídolo cruzeirense, o atual time de Pepa não é de um primor técnico, mas se mostrou muito aguerrido, algo que faz questão de valorizar.
– Tem que dar os parabéns para esse elenco, estão jogando com raça. O treinador montou um time com um esquema forte, começando pelo Rafael, que é um baita goleiro - avalia Roberto Gaúcho, que acredita que a Raposa pode passar às quartas, mas precisará do apoio da torcida.
Se em seu tempo Roberto era o jogador decisivo, que encarava as grandes partidas, no atual elenco ele vê em Bruno Rodrigues este perfil.
Jogador com mais participações em gols pela Raposa, Bruno fez o gol do empate por 1 a 1 contra o Grêmio, no jogo de ida das oitavas de final. Um belo gol, ressalta o ex-atacante.
– Pode ser o Bruno [este jogador]. O garoto não tem medo, fez um golaço no primeiro jogo. Vamos ver agora, porque jogador não pode se esconder em jogo grande. O Renato [Gaúcho] me ensinou isso. Se quer ficar na história do clube, quer ser reconhecido na rua, pelos filhos, netos, tem que ganhar título, fazer gols na final. Se não, não adianta nada jogar bola.