Para o economista Cesar Grafietti, sócio da consultoria Convocados, mais importante do que o valor aportado na SAF do Cruzeiro é o plano de negócios que Ronaldo implantará na Raposa. "A situação do clube era tão grave que o simples fato de trocar de mãos e passar a ser gerido de forma profissional e sem paternalismos já é uma evolução. O problema, na minha visão, foi a comunicação", disse Grafietti, em entrevista ao Superesportes.
A XP Investimentos, assim como o presidente Sérgio Santos Rodrigues, informou que o clube havia vendido 90% das ações da SAF por R$ 400 milhões investidos pela Tara Sports, em cinco anos. Contudo, no contrato que acabou vazado, ficou evidente que o Fenômeno pode investir apenas R$ 50 milhões. Caso não aporte mais dinheiro, ele perde percentual no clube-empresa.
"Se tivessem explicado este plano desde o início – R$ 50 milhões, mais 20% das receitas para o RCE – teriam aceitado como bom. A questão é saber se havia proposta melhor", disse Cesar Grafietti.
O Cruzeiro recebeu uma proposta da 777 Partners antes de a empresa norte-americana fechar com o Vasco da Gama. O presidente Sérgio Santos Rodrigues e a XP nunca vieram a público explicar essa tratativa. A falta de transparência é uma das marcas da SAF do Cruzeiro, que tem sido considerada a mais problemática do país. Tanto que Ronaldo ainda não definiu se assinará o contrato da compra das ações – nenhum investidor chegou a ameaçar desistir do negócio até agora, apenas o Fenômeno.
Para fechar a compra, Ronaldo fez novas exigências: ele quer que as Tocas da Raposa I e II sejam transferidas da associação para a SAF, o que demanda aprovação do Conselho Deliberativo. Em contrapartida, ele assumiria a dívida tributária – cerca de R$ 180 milhões – do clube com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
O artigo 20 do Estatuto diz que cabe ao Conselho Deliberativo decidir sobre a alienação de imóveis. Para o pedido do empresário ser aprovado, é preciso consenso de modo a obter 90% da totalidade dos votos. Reunião Extraordinária marcada para 4 de abril (segunda-feira) definirá se a associação abrirá mão dos dois centros de treinamento.
"O Cruzeiro está melhor que antes? Sem dúvida. O processo poderia ter sido conduzido de outra forma, mas optou-se pelo aspecto midiático? É inegável. A lei da SAF tem aspectos que geraram as últimas demandas do Ronaldo e qualquer investidor sério faria a mesma coisa? Acredito que sim. No fundo, faltou um tanto de cuidado na negociação e comunicação correta. Acho que todos erraram um pouco", disse Grafietti.
Entrevista com o economista Cesar Grafietti
Superesportes - Ronaldo pode comprar o clube investindo apenas R$ 50 milhões do próprio bolso e gerando receitas de R$ 350 milhões - caso não consiga, pode reduzir sua participação na SAF. Parece um valor justo?
Cesar Grafietti: "O primeiro aspecto é a questão do valor de compra. Na prática, o Ronaldo comprou o clube pelo valor das dívidas. Mais importante do que o valor que ele aportará ou a forma é o que ele pretende fazer para recuperar o clube. O plano de negócios é o mais relevante. A situação do clube era tão grave que o simples fato de trocar de mãos e passar a ser gerido de forma profissional e sem paternalismos já é uma evolução. O problema, na minha visão, foi a comunicação. Se tivessem explicado este plano desde o início – R$ 50 milhões, mais 20% das receitas para o RCE – teriam aceitado como bom. A questão é saber se havia proposta melhor".
Superesportes - O pagamento da dívida tributária só está sendo discutido agora. Por quê? De quem é a falha?
Cesar Grafietti: "Este é um problema da negociação, amparado por uma lei mal redigida e que deixou fora de suas regras as dívidas fiscais. Mesmo sabendo que o Fisco conseguirá posteriormente incluir a SAF como devedora, vejo como uma interpretação um tanto arriscada acreditar que o fato de a lei não mencionar as dívidas fiscais permitiria à SAF se livrar delas. Não sei dizer de quem é a falha, mas certamente a pressa em resolver um problema gravíssimo jogou contra. Tanto é que a SAF pedir os imóveis para garantir as dívidas certamente veio dentro de uma due dilligence mais completa".
Superesportes - Repassar o patrimônio do clube (Tocas da Raposa I e II) na venda das ações da SAF pode ser um risco para o clube no futuro?
Cesar Grafietti: "O clube já está em risco. Sem a SAF, o clube não teria capacidade operacional. Agora, de longe, fica difícil entender a dinâmica das negociações".
Superesportes - Com essas novas informações disponibilizadas, podemos dizer que a proposta feita ao Cruzeiro é a menos vantajosa financeiramente se comparada com as de Vasco e Botafogo?
Cesar Grafietti: "Talvez. Porque uma parte dessa desvantagem está sendo corrigida com a SAF assumindo também as dívidas fiscais. Sobre os aportes, é preciso entender o plano de negócios. Não basta mais dinheiro, é preciso saber o que fazer com ele. Sem conhecer todos os planos é difícil comparar. Intuitivamente, parece menos vantajoso. Mas temos que lembrar que no caso do Botafogo o processo da S/A estava sendo desenhado há mais tempo, o que também facilitou estruturação".
Superesportes - O fato de não haver um grande investimento no futebol pode fazer o clube continuar com a mesma realidade das últimas temporadas: time modesto e dificuldades na Série B?
Cesar Grafietti: "Novamente, depende do plano de negócios. Talvez a grande falha de todos esses processos iniciais de SAFs é a comunicação. Não haverá equipes supercompetitivas nesse primeiro momento. Todos farão o possível dentro de um orçamento. Quem vende a ideia de clubes em estado falimentar se transformando em superpotências está iludindo o torcedor. Melhor um projeto lento, mas sólido, que um projeto onde o início é fulminante, mas não se sustenta".
Superesportes - Sobre o vazamento do contrato entre Cruzeiro e Ronaldo, houve muita gente interpretando que o Ronaldo foi beneficiado enquanto o Cruzeiro foi prejudicado nos termos divulgados. O que o senhor acha?
Cesar Grafietti: "São muitas variáveis. O Cruzeiro está melhor que antes? Sem dúvida. O processo poderia ter sido conduzido de outra forma, mas optou-se pelo aspecto midiático? É inegável. A lei da SAF tem aspectos que geraram as últimas demandas do Ronaldo e qualquer investidor sério faria a mesma coisa? Acredito que sim. No fundo, faltou um tanto de cuidado na negociação e comunicação correta. Acho que todos erraram um pouco".