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Pesquisador crê que Cruzeiro terá mercado caso Ronaldo não assine compra

'Não me surpreenderia se aparecesse alguém (interessado no Cruzeiro) com maior capacidade de investimento', disse Irlan Simões, doutorando da UERJ

22/03/2022 06:00 / atualizado em 22/03/2022 13:51
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XP, Cruzeiro e Ronaldo: ex-jogador ainda não garantiu que assinará acordo de compra das ações da SAF
foto: XP / Divulgação

XP, Cruzeiro e Ronaldo: ex-jogador ainda não garantiu que assinará acordo de compra das ações da SAF


Autor do livro 'Clube Empresa: abordagens críticas globais às sociedades anônimas no futebol', da editora 'Na Bancada', o pesquisador Irlan Simões disse que não se surpreenderia se o Cruzeiro encontrasse outro empresário com maior capacidade de investimento e ciente de que teria que pagar a dívida tributária da associação, caso Ronaldo resolva não assinar a compra de 90% das ações da SAF celeste.

Para fechar o negócio, Ronaldo deseja que as Tocas da Raposa I e II sejam transferidas da associação para a SAF, o que demanda aprovação do Conselho Deliberativo. Em contrapartida, ele assumiria a dívida tributária - cerca de R$ 180 milhões - do clube com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

"Francamente, considero essa uma história muito mal contada por todos os lados. Todos parecem ter razão no que falam, mas todos parecem ter cometido erros gravíssimos de condução da negociação lá atrás, ainda em 2021. Não consegui entender ainda se o Cruzeiro realmente acreditava que poderia pagar uma dívida desse porte sem utilizar receitas do futebol. E muito menos entender como a Tara Sports acreditou que essa dívida não seria de sua responsabilidade. John Textor assumiu a dívida tributária do Botafogo. Por que Ronaldo não faria no Cruzeiro?", questionou Irlan Simões, que é doutorando em comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). 

"Além disso, o que está presente no alegado "plano de negócio" da associação para pagar essa dívida? Que tipo de receita a associação seria capaz de gerar só com o clube social? Shows? Aluguel de bares? Bingo? Noite de queijos e vinhos? Vaquinha entre os sócios? Queria muito ter acesso a esse "plano de negócio"", acrescentou.

O pesquisador disse que é preciso ter cautela com a possibilidade de repassar parte do patrimônio da associação do Cruzeiro para a SAF. "Esse é um assunto que torcedores e sócios do Cruzeiro precisam colocar em uma perspectiva de longo prazo. Se o projeto de Ronaldo para a SAF do Cruzeiro fracassar, se Ronaldo tiver problemas em seus outros negócios, se uma crise abater o futebol brasileiro afugentando o acionista majoritário... Como o Cruzeiro poderia recuperar o controle da SAF (isto é, recomprar as ações da Tara Sports) sem ter um patrimônio desses como retaguarda? Isso tem que estar na equação", destacou.

Competitividade em campo


No pré-acordo assinado com o clube, Ronaldo pode investir apenas R$ 50 milhões e conseguir outros R$ 350 milhões na operação do Cruzeiro ao longo dos anos. Dessa forma, não há garantias de que o time celeste voltará a montar equipes competitivas, ao contrário do que ocorreu com o Botafogo, que está ativo no mercado e perto de anunciar a compra de 50% dos direitos econômicos do meio-campista Patrick de Paula junto ao Palmeiras por R$ 33 milhões.

"John Textor, por exemplo, no Botafogo, foi obrigado a garantir um mínimo de competitividade financeira (caso não consiga fazer o Botafogo SAF gerar novas receitas de forma orgânica), o que por consequência vai gerar competitividade esportiva. A associação exigiu no contrato, ele aceitou e o Botafogo SAF vai se servir desse acordo. Já a SAF do Cruzeiro aparenta ter sido feita de forma tão açodada, que nem Ronaldo tem segurança sobre as dívidas que vai assumir, nem a associação Cruzeiro elaborou planos bons para garantir que o Cruzeiro dê um salto competitivo de curto prazo", disse Irlan Simões. 

"Se o efeito Textor vai ser duradouro, ninguém sabe - isso vai depender da capacidade administrativa de quem estiver à frente do futebol clube -, mas os três, quatro, cinco primeiros anos vão ser de subida, sem a menor dúvida, até porque a exigência de aporte está lá. Já no Cruzeiro a coisa vai depender totalmente do interesse/capacidade de Ronaldo", acrescentou. 

Entrevista com o pesquisador Irlan Simões (UERJ)



Superesportes - Com as informações disponibilizadas até agora, qual a opinião do senhor sobre o negócio entre Cruzeiro e Ronaldo, que pode comprar 90% da SAF aportando R$ 50 milhões, tendo em vista que outros R$ 350 poderiam vir da sua administração à frente do clube? 

Irlan Simões: "Existe uma confusão recorrente sobre esses valores. Há uma diferença grande entre a compra de ações de uma empresa que pertence a uma associação civil sem fins lucrativos, e de uma empresa que já possui um dono (ou acionistas, que vendem suas participações).

Quando você compra de uma associação, não há uma lógica convencional de compra, porque esse dinheiro que entra só pode ser utilizado em função da própria associação. Os associados não podem compartilhar desse "lucro" da venda.

Por isso que a compra das SAFs no Brasil seria basicamente um ato de "assumir a dívida" e, no máximo (mas não obrigatoriamente), estabelecer contrapartidas de aporte financeiro para o desenvolvimento do futebol do clube.

John Textor, por exemplo, no Botafogo, foi obrigado a garantir um mínimo de competitividade financeira (caso não consiga fazer o Botafogo SAF gerar novas receitas de forma orgânica), o que por consequência vai gerar competitividade esportiva. A associação exigiu no contrato, ele aceitou e o Botafogo SAF vai se servir desse acordo. 

Já a SAF do Cruzeiro aparenta ter sido feita de forma tão açodada, que nem Ronaldo tem segurança sobre as dívidas que vai assumir, nem a associação Cruzeiro Esporte Clube elaborou planos bons para garantir que o Cruzeiro dê um salto competitivo de curto prazo. 

Se o efeito Textor vai ser duradouro, ninguém sabe - isso vai depender da capacidade administrativa de quem estiver à frente do futebol clube - mas os três, quatro, cinco primeiros anos vão ser de subida, sem menor dúvida, até porque a exigência de aporte está lá. Já no Cruzeiro a coisa vai depender totalmente do interesse/capacidade de Ronaldo".

Superesportes - Ronaldo deseja que as Tocas da Raposa I e II sejam transferidas para a SAF, o que demanda aprovação do Conselho Deliberativo. Em contrapartida, ele assumiria a dívida tributária com a PGFN. O que o senhor pensa a respeito? 

Irlan Simões: "Francamente, considero essa uma história muito mal contada por todos os lados. Todos parecem ter razão no que falam, mas todos parecem ter cometido erros gravíssimos de condução da negociação lá atrás, ainda em 2021. Não consegui entender ainda se o Cruzeiro Esporte Clube realmente acreditava que poderia pagar uma dívida desse porte sem utilizar receitas do futebol. E muito menos entender como a Tara Sports acreditou que essa dívida não seria de sua responsabilidade. John Textor assumiu a dívida tributária do Botafogo. Por que Ronaldo não faria no Cruzeiro? 

Além disso, o que está presente no alegado "plano de negócio" da associação para pagar essa dívida? Que tipo de receita a associação seria capaz de gerar só com o clube social? Shows? Aluguel de bares? Bingo? Noite de queijos e vinhos? Vaquinha entre os sócios? Queria muito ter acesso a esse "plano de negócio". 

A lei das SAF é omissa nesse ponto, mas parece que o problema é interno mesmo.

Quanto ao patrimônio, esse é um assunto que torcedores e sócios do Cruzeiro precisam colocar em uma perspectiva de longo prazo. Se o projeto de Ronaldo para a SAF do Cruzeiro fracassar, se Ronaldo tiver problemas em seus outros negócios, se uma crise abater o futebol brasileiro afugentando o acionista majoritário... Como o Cruzeiro poderia recuperar o controle da SAF (isto é, recomprar as ações da Tara Sports) sem ter um patrimônio desses como retaguarda? Isso tem que estar na equação".

Superesportes - Com Ronaldo, o Valladolid, seu clube da Espanha, diminui dívida, ficou por três anos na elite, mas voltou a cair para a Segunda Divisão. No Cruzeiro, em pouco tempo, ele acertou a saída de jogadores com salários elevados, como o ídolo Fábio e o zagueiro Maicon. O que o torcedor pode esperar de Ronaldo no Cruzeiro para o futuro? E se o Ronaldo não ficar, já que ele ameaça sair se o Conselho não aprovar as mudanças, o que esperar?

Irlan Simões: "O Cruzeiro teria que procurar outro interessado e não me surpreenderia se aparece alguém com maior capacidade de investimento e ciente de que teria que pagar a dívida tributária da associação... A sensação é que o "projeto Ronaldo" valorizava muito o uso da imagem do ídolo para dar um "boom" nas receitas e nas estratégias comerciais do clube, e que isso pesou mais na negociação inicial do que a chance de vir uma oferta de uma boa grana a ser aportada de forma direta".

Superesportes - O negócio feito pelo Cruzeiro é menos atrativo do que os acordos de Vasco e Botafogo? 

Irlan Simões: "Difícil comparar. Cada clube vai ter a sua história complexa para contar, mas a sensação, boa sensação, é que um está aprendendo com os pontos fracos dos acordos dos outros. Os três negócios iniciados até agora são de clubes desesperados. Os futuros negócios serão em conjunturas bem distintas. América e Athletico já sinalizaram isso".

Superesportes - Há quem diga que a SAF irá profissionalizar o futebol brasileiro. O que o senhor pensa?

Irlan Simões: "Pode ser que sim, mas quem não quiser virar SAF também vai ter a oportunidade de criar seus próprios mecanismos internos de profissionalização da gestão do futebol. Isso já vem acontecendo há algum tempo".

Superesportes - Há um grande otimismo com o regime SAF no Brasil. O que a experiência internacional nos mostra até agora?

Irlan Simões: "Em miúdos: má gestão não é exclusividade de associações; existem associações muito bem geridas; acertar na administração não é necessariamente acertar no futebol (e vice-versa); os grandes clubes vencedores raramente dão retorno financeiro; os clubes mais rentáveis geralmente são esportivamente medíocres; a aquisição de clubes tende a ser feita mais para finalidades políticas do que para finalidades financeiras; clubes europeus não optaram por ser empresas, eles foram obrigados; todos os anos testemunhamos a falência de um clube europeu. Há muita coisa a aprender das experiências externas, principalmente a desilusão".

Superesportes - Como o seu livro 'Clube Empresa: abordagens críticas globais às sociedades anônimas no futebol' ajuda o torcedor a entender este processo de SAF que foi instaurado no Brasil?

Irlan Simões: "Vai perceber o que eu falei anteriormente através das palavras de quem viveu essas coisas. É um livro de 14 artigos, escrito por 21 pessoas, com experiências de inúmeros países".




 

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