O atacante Raniel teve passagem vitoriosa pelo Cruzeiro
Poucos jogadores tiveram uma vida tão difícil quanto o atacante Raniel, que resgatou suas lembranças mais profundas em depoimento publicado pelo site 'The Players Tribune'. O jogador de 25 anos contou que foi abandonado por sua mãe biológica ainda na infância, citou os casos de alcoolismo e de uso e venda de drogas e agradeceu ao Santa Cruz e ao Cruzeiro pelas oportunidades que recebeu no futebol.
"Eu tinha uns três ou quatro anos quando meu pai morreu e a minha mãe, sem condições de me criar, achou melhor me dar pra vizinha, a Dione. Ela me acolheu mesmo já tendo três filhos pra alimentar e muitas dificuldades financeiras. E aqui eu queria falar de um sentimento que ficou marcado em mim desde então: existe gente sacana e insensível em toda parte e em todas as classes sociais, mas a solidariedade do povo pobre do Brasil não tem igual. A Dione se tornou a minha mãe adotiva sem questionar, sem pensar se daria conta, sem temer. Ela agiu do único jeito que as pessoas boas agem em horas de aflição e necessidade: com o coração", disse na reportagem, em tom testemunhal, assinada pelo próprio atacante do Vasco.
"Só sei que, ainda bem pequeno, eu virei o quarto filho da Dione. E na nossa casa simples no Bairro do Arruda faltava tudo: roupa, material escolar, mantimentos. Lembro que eu não tinha toalha pra me enxugar depois do banho, me secava com roupa suja. Eu saía pra bater bola na rua e, quando dava três da tarde, no máximo, corria de volta pra casa. Os meninos não entendiam: 'Pô, Raniel, tá metendo um monte de gol e vai sair no meio do jogo?'. Mas eu tinha que voltar, me lavar, me enxugar com aquela roupa suada e depois dar um trato nela no tanque. Até hoje sinto o cheiro do sabão... Um sabão quadrado, amarelinho. Aí eu torcia e pendurava a roupa na frente de um ventilador pra estar seca na hora de ir pra escola", acrescentou Raniel.
A mão de criação morreu quando ele completou sete anos. "Dione morreu e eu fiquei por conta dos três filhos biológicos dela, que eram mais velhos. Um deles já trabalhava e dava um jeito de as coisas não desmoronarem. Eu jogava futsal no Santa Cruz desde os cinco, porque o clube, que ficava perto lá de casa, tinha visto a nossa situação e quis ajudar. Eles me davam uma cesta básica todo mês e isso garantia a nossa comida", disse.
Drogas e alcoolismo
Raniel começou a usar drogas e a beber ainda na adolescência. "Com 14 anos eu comecei a beber. Depois, a me drogar. E até vender drogas eu vendi. É doído demais lembrar disso, parece que estou jogando sal numa queimadura de água-viva. Eu era só uma criança e acabei cedendo àquele mundo perigoso que me cercava. Uma hora ficou tão ruim, mas tão ruim, que o Santa Cruz me levou pra morar na concentração. Eles queriam me afastar da beirada do precipício. Funcionou por um tempo... Só que quando eu completei 17 anos, já tinha subido pro profissional, fui pego no antidoping por uso de cocaína. Passei quase um ano sem poder jogar. De novo aquele medo, aquela vergonha, o desespero", disse.
"Eu estava com a minha avó Marinalva quando a TV deu a notícia da minha suspensão. Ela ficou tão mal, tão arrasada. Achei que eu fosse perder ela também, que o coração dela não ia aguentar tanto sofrimento. Isso me machucou mais do que a própria punição, porque a vó Marinalva me ama demais, sempre quis o meu bem e foi o colo onde eu me socorri a vida inteira. Ver ela ali chorando na frente da televisão acabou comigo. Eu me senti caindo de vez no abismo e que ele não tinha fundo, que eu desceria pra sempre até morrer. Mas o Santa Cruz, que sempre me tratou com respeito, com dignidade, outra vez estendeu a mão e me resgatou".
Bahia: 7 jogos, 2 vitórias, 3 empates e 2 derrotas - 42,9% de aproveitamento dos pontos disputados. O time marcou 9 gols e sofreu 8 no Campeonato Baiano e na Copa do Nordeste - foto: Felipe Oliveira/EC BahiaBrusque: 6 jogos, 3 vitórias, 2 empates e 1 derrota - 61,1% de aproveitamento dos pontos disputados. O time marcou 9 gols e sofreu 6 no Campeonato Catarinense - foto: Brusque/DivulgaçãoChapecoense: 6 jogos, 3 vitórias e 3 derrotas - 50% de aproveitamento dos pontos disputados. O time marcou 6 gols e sofreu 7 no Campeonato Catarinense - foto: Julia Galvão/ACFCRB: 5 jogos, 2 vitórias, 2 empates e 1 derrota - 53,3% de aproveitamento dos pontos disputados. O time marcou 4 gols e sofreu 3 no Campeonato Alagoano e na Copa do Nordeste - foto: Francisco Cedrim/CRBCriciúma: disputando a segunda divisão do Campeonato Catarinense após rebaixamento em 2021, o Tigre estreará oficialmente na temporada somente no dia 24 de fevereiro, contra o Nova Iguaçu-RJ, pela primeira rodada da Copa do Brasil - foto: Criciúma/DivulgaçãoCruzeiro: 5 jogos, 4 vitórias e 1 derrota - 80% de aproveitamento dos pontos disputados. O time marcou 7 gols e sofreu 3 no Campeonato Mineiro - foto: Alexandre Guzanshe-EM-D.A. PressCSA: 6 jogos, 5 vitórias e 1 derrota - 83,3% de aproveitamento dos pontos disputados. O time marcou 14 gols e sofreu 2 no Campeonato Alagoano e na Copa do Nordeste - foto: Morgana Oliveira/CSAGuarani: 5 jogos, 1 vitória, 1 empate e 3 derrotas - 26,7% de aproveitamento dos pontos disputados. O time marcou 3 gols e sofreu 7 no Campeonato Paulista - foto: Thomaz Marostegan/Guarani FCGrêmio: 5 jogos, 4 vitórias e 1 empate - 86,7% de aproveitamento dos pontos disputados. O time marcou 9 gols e sofreu 4 no Campeonato Gaúcho - foto: LUCAS UEBEL/GRÊMIO FBPAItuano: 5 jogos, 2 vitórias, 2 empates e 1 derrota - 53,3% de aproveitamento dos pontos disputados. O time marcou 8 gols e sofreu 6 no Campeonato Paulista - foto: Flávio Torres/ItuanoLondrina: 6 jogos, 3 vitórias, 1 empate e 2 derrotas - 55,6% de aproveitamento dos pontos disputados. O time marcou 6 gols e sofreu 7 no Campeonato Paranaense - foto: Ricardo Chicarelli/Londrina EC.Náutico: 6 jogos, 3 vitórias, 1 empate e 2 derrotas - 55,6% de aproveitamento dos pontos disputados. O time marcou 10 gols e sofreu 5 no Campeonato Pernambucano e na Copa do Nordeste - foto: Tiago Caldas/CNCNovorizontino: 5 jogos, 1 empate e 4 derrotas - 6,7% de aproveitamento dos pontos disputados. O time não marcou gols e sofreu 7 no Campeonato Paulista - foto: Ozair Júnior/NovorizontinoOperário: 5 jogos, 4 vitórias e 1 derrota - 80% de aproveitamento dos pontos disputados. O time marcou 11 gols e sofreu 3 no Campeonato Paranaense - foto: André Oito/OFECPonte Preta: 5 jogos, 2 vitórias, 1 empate e 2 derrotas - 46,7% de aproveitamento dos pontos disputados. O time marcou 6 gols e sofreu 8 no Campeonato Paulista - foto: Álvaro Jr./PontePressSampaio Corrêa: 5 jogos, 4 vitórias e 1 derrota - 80% de aproveitamento dos pontos disputados. O time marcou 9 gols e sofreu 3 no Campeonato Maranhense e na Copa do Nordeste - foto: Ronald Felipe/Sampaio CorrêaSport: 6 jogos, 4 vitórias, 0 empate e 2 derrotas - 66,7% de aproveitamento dos pontos disputados. O time marcou 15 gols e sofreu 6 no Campeonato Pernambucano e na Copa do Nordeste - foto: Sport/DivulgaçãoTombense: 5 jogos, 2 vitórias, 1 empate e 2 derrotas - 46,7% de aproveitamento dos pontos disputados. O time marcou 5 gols e sofreu 6 no Campeonato Mineiro - foto: Tombense/Victor SouzaVasco: 5 jogos, 4 vitórias e 1 empate - 86,7% de aproveitamento dos pontos disputados. O time marcou 12 gols e sofreu 6 no Campeonato Carioca - foto: Rafael Ribeiro/VascoVila Nova: 4 jogos, 2 vitórias, 1 empate e 1 derrota - 58,3% de aproveitamento dos pontos disputados. O time marcou 6 gols e sofreu 5 no Campeonato Goiano - foto: Vila Nova/Divulgação
O atacante chegou ao Cruzeiro em maio de 2016, começando pela base. Em pouco tempo, subiu ao profissional. No clube celeste, Raniel disputou 90 jogos e marcou 16 gols. Ele conquistou dois títulos do Campeonato Mineiro, em 2018 e 2019, e dois da Copa do Brasil, em 2017 e 2018.
"A minha vida, porém, mudaria dois anos depois, com a proposta do Cruzeiro. Joguei quatro anos lá e ganhei duas Copas do Brasil e dois Campeonatos Mineiros. Foi o período mais feliz que eu tive no futebol, por enquanto. Apareci pra todo o país e mostrei meu potencial. Por isso, além do Santa, sou muito grato ao Cruzeiro. Quantos clubes acreditariam num jogador com histórico de alcoolismo, drogas, pego no antidoping e tudo?", questionou o jogador.
"Àquela altura, mudar para Belo Horizonte e deixar o Recife, de onde eu nunca tinha saído, me fez bem. Eu pude respirar outros ares e pôr a cabeça no lugar", acrescentou.
Raniel cita jogadores do elenco que o ajudaram na adaptação no Cruzeiro. "Foi triste quando deixei o Cruzeiro. Uns caras ali foram sensacionais pra mim. Léo, Thiago Neves, Dedé, Edilson... Eles viam que eu estava a fim de superar o meu passado, que eu me dedicava nos treinos e contribuía fazendo gols, e me tratavam com carinho. No dia em que fui à Toca me despedir da rapaziada, porque estava de partida pro São Paulo, o Léo não quis nem conversar comigo. Só falou: 'Vai, moleque, vai logo! Senão eu não me aguento de tanto chorar.' Foi de partir o coração, principalmente porque fiquei devendo um abraço ao Léo."
O atacante foi vendido ao São Paulo em 2019 por cerca de 3 milhões de euros (R$ 12,9 milhões).
Raniel ainda narrou o episódio em que o filho mais novo quase morreu ao cair na piscina e se afogar. Ele ficou 23 dias na UTI, mas conseguiu se recuperar.
"Era de tarde. Eu e minha mulher tínhamos ido tirar um cochilo no quarto. O nosso bebê Felipe, de nove meses, ficou com a babá. Quando ele adormeceu, ela o deixou num colchão no chão da sala e foi pra área de serviço, cuidar da roupa, essas coisas. Mas esqueceu a porta de acesso pra piscina entreaberta. Provavelmente o Felipe acordou e engatinhou até lá. Eu dei um pulo da cama com os gritos da babá. Desci as escadas correndo e vi meu filho nos braços dela, desacordado, todo molinho, e com a boca espumando. Ai, meu Deus, não desejo algo parecido nem ao meu pior inimigo", disse.
"Peguei o Felipe e saí correndo do jeito que eu estava, sem camisa e sem chinelo, na direção do hospital que, por sorte, ficava na esquina da nossa rua. Entreguei meu bebê pros médicos e, depois de um tempo, um deles veio falar comigo e minha esposa: 'A gente não tá conseguindo reanimar ele'. Foram quase 40 minutos dele em parada cardíaca, sem responder, sem vida. Eu conheço bem a dor, de vários tipos e intensidades, por isso posso falar: nenhuma dor que eu tenha sentido até então ou ainda venha a sentir será igual à daquele dia. Nenhuma. Mas aí o Felipe voltou. E a única explicação que eu tenho é que Deus nos deu uma prova de que Ele existe".
Recaída
Após o episódio com o filho, Raniel teve nova recaída. "Bebia, bebia, bebia até cair e bebia mais um pouco deitado. Só parava depois de desmaiar. Eu queria me destruir. Eu via que a qualquer momento algo grave ia acontecer comigo. E eu desejava que acontecesse, porque aquele abismo em que eu caí depois do antidoping no Santa Cruz ficou rasinho perto desse".
Trombose e cirurgia
Raniel enfrentou complicações da COVID-19 em 2020 e quase perdeu a perna. "Nós fomos jogar uma partida da Libertadores fora de casa. Joguei, não senti nada e voltamos. Tudo bem no avião. Na chegada em Goiânia, onde a gente enfrenaria o Goiás, tudo normal. Quando acordei no dia seguinte, eu não aguentava pôr o pé no chão. Minha perna estava inchada, e eu sentia uma dor horrível. O médico do Santos veio ver, arregalou uns olhos que me lembraram os da babá com meu filho desfalecido nos braços e mandou me levarem rápido pro hospital. Trombose aguda em estágio avançado. Eu só entendi a gravidade quando me transferiram às pressas para São Paulo e o doutor entrou no quarto pra falar comigo: 'Raniel, vamos operar. Não sei se você foi salvo por um segundo, um minuto ou uma hora, mas, se a gente não fizer a cirurgia agora, tem risco de você perder a perna'".
