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Cruzeiro recebeu investimento de fundo dos EUA com Zezé e Alvimar; relembre

Clube chegou a criar empresa em 1999, porém negociou apenas 49% do capital social com a Hicks Muse Tate & Furst. Para 2022, ideia é vender até 90% da SAF

18/12/2021 06:00 / atualizado em 18/12/2021 08:35
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Zezé Perrella, presidente do Cruzeiro em 2002, ao lado de Ademar Magon, diretor financeiro da Hicks Muse no Brasil. Em entrevista, eles explicaram a venda do lateral-esquerdo Sorín à Lazio, da Itália
foto: Maria Tereza Correia/Estado de Minas - 18/03/2002

Zezé Perrella, presidente do Cruzeiro em 2002, ao lado de Ademar Magon, diretor financeiro da Hicks Muse no Brasil. Em entrevista, eles explicaram a venda do lateral-esquerdo Sorín à Lazio, da Itália


O Cruzeiro já teve uma espécie de SAF entre 1999 e 2002, quando firmou parceria com o fundo americano Hicks Muse Tate & Furst, que também investiu no Corinthians. O ex-presidente Alvimar de Oliveira Costa, à época vice de seu irmão, Zezé Perrella, relembrou a negociação. Segundo ele, foi criada uma empresa chamada Cruzeiro Licenciamento, com 51% das ações do clube e 49% da HMTF.

“Tivemos exemplo no Cruzeiro em 2000. O Cruzeiro teve parceria com a Hicks Muse. Não sei se o torcedor ainda se recorda, mas esse mesmo investidor investiu no Corinthians. Outro investidor, o ISL (International Sport and Leisure), da Suíça, investiu no Grêmio e no Flamengo. Mas o controle ainda era do clube, 51%. Foi criada a Cruzeiro Licenciamento”, disse Alvimar, ao avaliar os efeitos da mudança estatutária que permite ao Cruzeiro vender até 90% de suas ações na SAF.



O contrato do Cruzeiro com a Hicks Muse foi assinado em outubro de 1999 e entrou em vigor em 1º de janeiro de 2000. O fundo repassou R$20 milhões como adiantamento para que o clube mineiro fizesse contratações. Entre os nomes anunciados, destaque para o lateral-esquerdo Sorín, ex-River Plate, da Argentina (US$5,08 milhões), e o atacante Oséas (US$3,6 milhões), ex-Palmeiras. A Raposa ainda buscou os laterais Rodrigo e Zé Maria e os meias Jackson e Viveros. À época, o dólar era cotado a R$1,80.

Os aportes da Hicks até renderam bons resultados esportivos ao Cruzeiro, que conquistou a Copa do Brasil em 2000 sob o comando do técnico Marco Aurélio e foi semifinalista do Campeonato Brasileiro já com Luiz Felipe Scolari à frente do elenco. Contudo, não houve o retorno financeiro esperado com os atletas comprados pelo fundo. A Raposa fez dinheiro com o prata da casa Geovanni, vendido ao Barcelona em junho de 2001 por US$18 milhões (R$43 milhões na cotação da época).

José Roberto Guimarães interrompeu a carreira de técnico no vôlei e se aventurou no futebol como diretor da HMTF
foto: Paulo Filgueiras/Estado de Minas

José Roberto Guimarães interrompeu a carreira de técnico no vôlei e se aventurou no futebol como diretor da HMTF


Um dos diretores da Hicks Muse no Brasil era José Roberto Guimarães, renomado técnico de voleibol que conquistou medalhas de ouro em Olimpíadas com as seleções masculina e feminina. Além de participar de reuniões no Cruzeiro, ele teve experiência como gestor no Corinthians. A HMTF ainda tinha o americano Richard "Dick" Law, que viria a atuar como executivo do Arsenal, da Inglaterra, e Ademar Magon.

Em março de 2002, a Hicks ficou perto de reaver o dinheiro que aplicou na aquisição de Sorín com a transferência do argentino para a Lazio, da Itália, por US$9,5 milhões (R$22,2 milhões). O fundo dos Estados Unidos teria direito a 75% do valor - cerca de R$16,6 milhões. Contudo, os italianos pagaram somente US$1,5 milhão, e a venda frustrada se transformou em um empréstimo.

Se a Hicks Muse colecionou prejuízos no futebol brasileiro - cerca de R$170 milhões, de acordo com reportagem da Folha de S. Paulo de abril de 2001 -, o Cruzeiro levantou recursos necessários para buscar jogadores de qualidade e também construir a Toca da Raposa II, considerada à época o melhor centro de treinamento do país.

Dick Law, presidente da Panamerican Sports Teams, braço da HMTF, durante visita à Toca em 23 de janeiro de 2001. Executivo foi diretor de futebol do Arsenal entre 2005 e 2018
foto: Arquivo/Estado de Minas

Dick Law, presidente da Panamerican Sports Teams, braço da HMTF, durante visita à Toca em 23 de janeiro de 2001. Executivo foi diretor de futebol do Arsenal entre 2005 e 2018



Por muitos anos, o clube foi referência em vender atletas para o exterior e por manter os salários em dia. Porém, nos últimos três anos - especialmente na administração de Wagner Pires de Sá -, o passivo da Raposa subiu a ponto de atingir a casa de R$1 bilhão. E o caminho mais rápido para sair do buraco é encontrar um investidor que tope devolver uma instituição à beira da falência a uma trajetória de títulos.

“É tudo novo. A SAF é nova para o torcedor, para o conselheiro, para o investidor e para os clubes do Brasil. Então, como tudo que está se iniciando, requer um tempo para ver o que realmente acontecerá no mercado. O Cruzeiro - uma marca extremamente forte, com 9 milhões de torcedores - tem que analisar bem o investidor. Não pode simplesmente chegar com muito dinheiro agora e depois não investir mais no futebol. Tem que estudar as propostas que vierem com critério e responsabilidade”, opinou Alvimar.


“A comissão formada para esse objetivo na SAF conta com pessoas de muita capacidade, são empresários de sucesso. A gente tem que enaltecer a importância do Sérgio Santos Rodrigues nesse processo. É um caminho que não tem volta. Acho que os clubes do futebol brasileiro, de uma forma geral - pode ser que uns demoram mais, outros menos -, tendem a se transformar em SAF”, complementou.

Por fim, o presidente do Cruzeiro de 2003 a 2008 descartou qualquer chance de assumir a função de CEO em 2022. “A minha participação agora é como cruzeirense apaixonado, até para ajudar na pré-operação da SAF. Depois, minha missão termina. Não sei quem será o investidor, mas espero que tenha muito dinheiro (risos) e um projeto de muitas conquistas”.



Entenda o contexto do Cruzeiro SAF


O que mudou no Estatuto?

Na Assembleia Geral dessa sexta-feira (17/12), conselheiros e associados concordaram, por maioria de votos, a alteração na redação do artigo 1º, parágrafo 5º, do Estatuto Social do Cruzeiro Esporte Clube, que trata da possibilidade de a instituição se tornar empresa. O texto original permitia a negociação de no máximo 49% do capital social. Agora, o investidor terá a opção de adquirir até 90%.

“O Cruzeiro Esporte Clube será acionista obrigatoriamente e de modo permanente na sociedade empresária ou sua sucessora que vier a constituir para explorar a atividade do desporto profissional, titular de pelo menos 10% (dez por cento) do capital social, sendo vedado o registro da sociedade sem a aprovação, pelo Conselho Deliberativo, do contrato social”.

Por que o clube criou a SAF?

No fim de novembro, o Cruzeiro constituiu a Sociedade Anônima do Futebol com base na Lei nº 14.193, de 6 de agosto de 2021. A expectativa é captar recursos que ajudem no pagamento de dívida calculada em R$962,5 milhões e facilitar a formação de um time competitivo que retorne à Série A do Campeonato Brasileiro.

Como será aplicado o dinheiro do investidor?

O aporte inicial do investidor será alocado tanto no pagamento de dívidas da associação civil quanto na qualificação da equipe de futebol. Exemplo: se um grupo comprasse 80% das ações da SAF por R$400 milhões, R$200 milhões abateriam débitos e R$200 milhões seriam utilizados na atividade desportiva com o objetivo de gerar novas receitas.

Qual a obrigação da SAF em relação à associação civil?

Concluída a transação, a SAF terá de destinar 20% das receitas para quitar débitos da associação civil, além de 50% do lucro proporcionado pela operação do futebol. Se em seis anos 60% do passivo original for liquidado, o prazo para a extinção dos 40% restantes é prolongado por mais quatro anos. Ou seja, em um eventual acordo fechado em 2022, o Cruzeiro SAF teria até 2032 para “zerar” as pendências do CNPJ antigo.

O que ficará com a associação civil?

O investidor do Cruzeiro comprará somente a operação do futebol. Patrimônios como a sede administrativa do Barro Preto, os clubes sociais e as Tocas da Raposa I e II permanecem em propriedade da associação civil.

Quando o dinheiro chega?

O Cruzeiro espera ter o capital em mãos em abril ou maio de 2022 - desde que feche com o investidor em janeiro ou fevereiro. Todavia, há o risco de as conversas demorarem meses ou anos para serem concretizadas.

De onde é o investidor?

Pedro Mesquita, head do banco de investimentos da XP, afirmou que os interessados em comprar as ações do Cruzeiro são grupos da Europa, dos Estados Unidos e do Oriente Médio. Os nomes não foram revelados em virtude de cláusulas de confidencialidade.

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