A história desta reportagem serve de inspiração para os boleiros que demonstram talento na várzea e ainda sonham em se tornar profissionais. Anunciado como reforço do Cruzeiro na última quinta-feira, o atacante Edu, de 28 anos, sagrou-se campeão da Liga Atlética Ubaense, na Zona da Mata de Minas Gerais, defendendo o Portuense, da cidade de Astolfo Dutra, com pouco mais de 14 mil habitantes. Na final da edição de 2018, o time superou o Spartano, do município de Rodeiro, cuja população gira em torno de 8 mil pessoas.
Edu Silva, como era chamado à época, foi o artilheiro da competição, com 11 gols. No duelo de ida da final, acertou uma bela finalização por cobertura, de fora da área, e garantiu a vitória do Portuense por 1 a 0, no estádio Centenário, em Ubá, cidade de 118 mil habitantes situada a 250 quilômetros de Belo Horizonte. Ele comentou o lance do gol em entrevista ao repórter Lázaro Mattos, da Web TV Uai, no intervalo da partida.
“Apesar de o meu gol ter sido um pouco de sorte, porque fui cruzar a bola e ela encobriu o Neguete, se teve uma equipe que mereceu a vitória foi a nossa, pelo volume de jogo que tivemos (...). Fui cruzar para o Miguel, que estava fazendo a entrada no primeiro poste. Tive a felicidade de a bola quicar e encobrir o goleiro”.
O segundo confronto foi realizado no estádio Adolfo Nicolato, em Rodeiro, no dia 9 de dezembro de 2018. Os 3.171 ingressos colocados à venda se esgotaram em menos de dois dias. O empate por 1 a 1 com o Spartano garantiu a taça ao Portuense.
Os clubes da Liga Atlética Ubaense têm por costume contratar jogadores profissionais para elevar o nível de competitividade e impulsionar o marketing do torneio. Se Edu defendia o Portuense, o Spartano tinha nomes conhecidos no futebol mineiro e nacional, casos de Francismar, ex-Cruzeiro e América; Welton Felipe, ex-Atlético e Boa Esporte; e Leandro Euzébio, ex-América, Cruzeiro e Fluminense.
A presença de Edu na Liga Ubaense de 2018 rendeu ao Portuense o título inédito. Participaram da competição 16 clubes de municípios próximos a Ubá. Muitos atletas do Rio de Janeiro, a 300 quilômetros de distância, eram atraídos pela boa compensação financeira.
Wesley Matos, campeão da Série D de 2021 pela Aparecidense-GO, é natural de Piraúba, a 34 quilômetros de Ubá. O zagueiro de 35 anos, com passagens por Tupi, América, Goiás, Vila Nova e Paysandu, atuou no futebol amador da região. Ele explicou que os patrocinadores e a renda com bilheteria viabilizam o investimento em atletas profissionais.
“Na minha época recebia entre R$800 e R$2 mil por jogo. E quem vem de fora tem a hospedagem paga pelos empresários. O dinheiro vem de donos de empresas e renda (de bilheteria). As cidades ficavam sempre movimentadas, com os campos lotados. E só recebia a grana quem era de fora, sendo profissional, ou o cara que era destaque na cidade. Uns mais, outros menos, de acordo com o que o jogador fecha”.
Edu teve condições de disputar a Liga Ubaense após representar o Itaboraí na Copa Rio (3 gols em 8 jogos) e na Segunda Divisão Carioca (8 gols em 13 jogos). O atacante ainda passou por outros clubes do estado, como São Gonçalo, Boavista, Portuguesa e Nova Iguaçu, disputando também a Terceira Divisão do Rio.
Assista ao gol de Edu pelo Portuense aos 19'57"
E como Edu foi parar no Brusque? Quem contou essa história ao Superesportes foi o diretor executivo do clube catarinense, André Rezini. A indicação partiu de um amigo que atua como empresário de jogadores em Blumenau, no interior de Santa Catarina.
“Além da relação profissional, tenho uma amizade muito grande com o Edu. O Brusque o contratou em 2017, quando ele tinha, se não me falha a memória, 24 anos. Trouxemos para a disputa da Copa Santa Catarina com um salário de R$2,5 mil. No entanto, o primeiro pagamento foi de R$600 referente aos dias trabalhados”.
“Quem me indicou foi um amigo de Blumenau, que também trabalha com futebol, mas não era empresário dele. Disse assim: ‘André, tem um gordinho lá do Rio fazendo gols’. Só que chegam 200 informações dessas por dia para quem é executivo de futebol. Então a questão de ter um feeling, de buscar a informação, já me deu aquela atração. De qualquer maneira pensei: ‘vou olhar, tenho uns amigos no Rio de Janeiro’”.
“Fui buscar os números dele, vi a idade e a altura, de 1,80m, boa para brigar com os zagueiros. Vi que ele é um pouquinho acima do peso, mas tinha números impressionantes com aquela idade. Quando vi que ele passou pela base de Vasco, Botafogo e Flamengo, me chamou ainda mais atenção. Um jogador sub-20 passar por três grandes clubes tem qualidade. Então me despertou a atenção naquele momento”.
“Liguei para o Edu, comecei a conversar com ele juntamente com esse amigo meu, que se chama Sandro, que é empresário, mas não tinha ligação com o jogador. Assim, acabei trazendo-o para o Brusque por R$2,5 mil de salário para a Copa Santa Catarina de 2017. Já veio para cá fazendo gols aos montes e renovamos para 2018, porém ele teve um probleminha de lesão no tornozelo e uma indisposição com o treinador, daí acabou saindo para Itaboraí, Atlético Tubarão e Nova Iguaçu”.
Na Copa Santa Catarina de 2017, Edu marcou oito gols em oito jogos. O Brusque chegou à final, mas perdeu o título para o Atlético Tubarão, que ficou com a vaga na Copa do Brasil do ano seguinte. Em 2018, o centroavante não continuou no clube.
No fim de 2019, o Brusque voltou a procurar Edu. “Naquele momento estávamos com uma dificuldade maior, pois ele tinha contrato longo com o Nova Iguaçu. Porém, como ele tinha muita vontade, conseguiu aos trancos e barrancos a rescisão dele e então veio para cá. Fizemos um contrato de 60% dos direitos econômicos para o Brusque e 40% para o atleta”, disse André Rezini.
Edu iniciou a temporada de maneira avassaladora. No Campeonato Catarinense, marcou oito gols em 12 jogos e obteve a artilharia. Na Copa do Brasil, balançou a rede duas vezes em três partidas, ajudando o Brusque a eliminar Remo e Sport e a embolsar R$2,935 milhões em premiação. Também se destacou na Recopa Catarinense ao fazer os dois gols da vitória de sua equipe sobre o Avaí, por 2 a 0, na Ressacada, em Florianópolis.
A boa fase de Edu deu lugar ao drama na primeira rodada da Série C do Brasileiro. Campeão da Série D, o Brusque ganhou do Ypiranga por 2 a 1, no estádio Augusto Bauer, em Brusque-SC, porém perdeu seu artilheiro aos 19 minutos do segundo tempo em razão de uma grave lesão no ligamento cruzado anterior do joelho direito - o problema também acometeu o menisco e cartilagem.
Apesar da ausência de Edu, o Brusque fez boa campanha na Série C e obteve a promoção à Segunda Divisão juntamente com Vila Nova, Remo e Londrina. No Grupo B da primeira fase, terminou em quarto, com 29 pontos. Já na segunda fase, ficou na vice-liderança no Grupo C, com 10 pontos. No geral, foram 10 vitórias, oito empates e seis derrotas em 24 partidas.
Enquanto o Brusque dava continuidade à sua trajetória de ascensão no futebol brasileiro, Edu batalhava para se recuperar da cirurgia. Em maio de 2021, o atleta enfim foi liberado do departamento médico. Havia, contudo, incerteza quanto ao seu aproveitamento no elenco. Por ser um grande admirador do atleta, André Rezini resolveu apostar e ampliou o contrato até o fim de 2022.
“Algumas pessoas ligadas ao clube ficaram receosas por causa do joelho, mas nós tivemos de fazer um esforço para renovar com o Edu, pois ele vinha de lesão grave. Seria até antiprofissional o clube não fazer essa contrapartida para mantê-lo. Só que esperamos demais para conversar, e quando estava encerrando o contrato, com ele treinando no grupo, ficou uma situação delicada, pois ele achou que o Brusque não procuraria naquele momento”.
“Almocei e tomei café com o Edu, conversei com o Eduardo Uram, empresário dele, e aí ele entendeu. Conseguimos fazer a renovação por dois anos, e, graças a Deus, no primeiro jogo ele fez dois gols. Depois, construiu essa linda história que iniciou em 2017”.
Na primeira rodada da Série B, Edu foi o herói da vitória sobre a Ponte Preta por 2 a 1, na manhã de domingo, 30 de maio, em Santa Catarina. Aos 47 minutos da etapa inicial, ele foi às lágrimas ao converter cobrança de pênalti. Aos 5 do segundo tempo, comemorou o gol de cabeça após cruzamento do lateral-esquerdo Airton de maneira extrovertida.
Com 17 gols em 33 jogos, Edu encerrou a Série B como artilheiro. Ele ainda roubou a cena por ter defendido um pênalti de Felipe Gedoz na vitória do Brusque sobre o Remo, por 3 a 1, em 15 de outubro, pela 30ª rodada da Série B. Na ocasião, o atacante foi para a meta depois de o goleiro Ruan Carneiro sair lesionado no fim da etapa complementar.
Contando todo o período no Brusque, Edu acumulou 38 gols em 62 jogos, tornando-se o segundo maior artilheiro, abaixo somente de Thiago Alagoano, com 50 gols em 125 jogos. André Rezini não tem dúvidas de que o camisa 9 trilhará um caminho de sucesso e alegria no Cruzeiro, que adquiriu seus direitos econômicos por R$600 mil.
“O Cruzeiro tem uma estrutura melhor que a do Brusque na parte de fisioterapia, clínica e médica. É prepará-lo, saber cuidá-lo e prevenir lesões. O Edu sempre tem um, dois ou três quilos acima do peso. Se jogou assim e fez um monte de gol, imagina se ficar em ponto de bala na questão física?”.
“Não tenho dúvidas de que ele fará muitos gols pela equipe. Ele vai brigar com outros atletas, mas se botar para jogar, não tenho dúvidas, vai fazer muitos gols, porque é diferente. Conversei com ele muito e pedi para ele se preparar durante as férias, cuidar do corpo, para entrar bem preparado em janeiro. Se tiver oportunidade, será um dos goleadores de 2022 vestindo a camisa do Cruzeiro”.