Por mais óbvio que pareça, regressar à Série A seria um grande passo para o Cruzeiro se recuperar financeiramente e amenizar a destruição causada por más administrações passadas. Todavia, o acesso precisa vir o mais rápido possível, de modo que o clube não complete mais uma temporada com receitas muito aquém das despesas e aumente a bola de neve de dívidas. Em entrevista ao Superesportes, o economista Cesar Grafietti, consultor do banco Itaú BBA, analisou o cenário vivido pela Raposa e considerou preocupante uma eventual permanência na segunda divisão em 2022.
“A situação do Cruzeiro é bastante complexa. A queda para a Série B acabou gerando um problema gravíssimo que é a falta de receitas. E aí o clube sofre duas vezes, pois perde a receita de TV, e no ano em que podia aumentar a bilheteria trazendo o torcedor para campo para empurrar o time de volta à Série A, vem a pandemia e não tem recurso de bilheteria. O pior, isso acontece por dois anos seguidos. A situação do clube ficou mais difícil por conta disso”.
Grafietti deu alguns caminhos para o Cruzeiro suportar as perdas financeiras proporcionadas pela continuidade na Série B. “Reestruturar as dívidas, fazer bons alongamentos, fazer parcelamento com carência grande, cortar custos a um ponto de conseguir fazer sobrar dinheiro para pagar as dívidas. Depende muito da ginástica que a diretoria vai conseguir fazer para reestruturar o clube”.
Exemplos práticos são os acordos na Justiça do Trabalho com os jogadores Dodô, Dedé e Fred, que vão começar a receber a partir de janeiro de 2022, com parcelas até o fim de 2026. Somente a esses atletas, o clube terá de pagar mais de R$900 mil por mês. Outra operação se refere à dívida com a União, que caiu de R$334 milhões para menos de R$180 milhões após a transação tributária fechada em outubro de 2020. As 12 prestações iniciais giram em trono de R$350 mil. A partir da 13ª, sobem para mais de R$1 milhão. O prazo total é de 145 meses (12 anos).
Esses compromissos se tornarão inviáveis se o clube não retornar à Série A. Grafietti considerou principalmente o peso das receitas de TV, que caíram de R$102,5 milhões, em 2019, para R$40,3 milhões, em 2020. No geral, o faturamento líquido despencou de R$280,8 milhões para R$118,8 milhões.
“Sendo prático, acho que não dá para passar mais do que essa temporada na Série B. Se o clube permanecer na Série B em 2022, já começa a ter um pouco mais de dificuldade além da que estamos vendo hoje. É fundamental que o clube consiga voltar o quanto antes para pelo menos recuperar as receitas de TV”.
Caso não consiga a promoção à elite nacional em 2021, o Cruzeiro teria que apostar na retomada dos ganhos com bilheteria em 2022, tão logo a pandemia de COVID-19 seja controlada com vacinação em massa. Ainda assim, a opção funcionaria mais como um paliativo, visto que a necessidade mesmo é de estar entre os melhores na elite nacional.
“Vamos pensar que permaneça na Série B em 2022. Se tiver volta de torcida e tudo mais, é um trabalho que pode ser feito para conseguir recuperar e ajudar nessa reestruturação. Mas o clube tem urgência em voltar à Série A para retomar boa parte das receitas”, pontuou Cesar Grafietti.
Em seu balanço de 2020, o Cruzeiro informou ter uma dívida total de R$897 milhões. Na metodologia do Itaú BBA, o valor está estimado em R$662 milhões, pois foram excluídas várias provisões e reservas - ou seja, quanto a diretoria estima que arcará com uma determinada obrigação (ex: passivos trabalhistas que podem diminuir mediante acordo).
“O balanço apresenta ativo e passivo, e muitos passivos são registros contábeis, sem pagamento em caixa. Há muitos adiamentos, registros e provisões. Quando a gente faz a análise dessas informações, estamos muito preocupados em saber o que o clube precisará pagar em dinheiro, o que sai do caixa, o que é de receita, o que sai das contas”, explicou Grafietti.
“Fazemos essa diferenciação para enxergar o tamanho real do problema. Acaba ficando uma diferença muito grande por conta desses registros. O Cruzeiro tem muitas provisões que podem virar dívida no futuro, mas não sabemos quando e nem por quanto”, complementou.