“Quem achou que ia demorar cinco, dez anos vai morrer de raiva, nós vamos subir muito bem este ano, porque eu confio no elenco, vamos subir e voltaremos a ser competitivos na Série A”. A frase é de Sérgio Santos Rodrigues, presidente do Cruzeiro, em conversa com jogadores e comissão técnica no dia 29 de maio, pouco antes de tomar posse para o seu primeiro mandato no clube.
Quase oito meses depois, o time é o 13º colocado na Série B, com 44 pontos, e tem a irrisória probabilidade de 0,16% de acesso, segundo o Departamento de Matemática da UFMG. Restam quatro rodadas para o encerramento do campeonato, e a Raposa, que enfrentará Juventude, Operário, Náutico e Paraná, pode chegar no máximo a 56. O CSA, quarto colocado, soma 52.
Era natural apontar o Cruzeiro como favorito ao acesso e também ao título, sobretudo pelo status de gigante do futebol brasileiro e por ter orçamento superior aos demais clubes. O técnico Lisca, líder da Série B com o América (67 pontos), afirmou ao Superesportes em julho que o time celeste seria “o carro-chefe” do torneio. Já Adilson Batista, demitido da Raposa em março, previu a promoção à primeira divisão “com o pé nas costas”, em entrevista ao jornalista Jorge Nicola.
Na prática, ficou claro para o Cruzeiro que camisa não ganha jogo. O início na Série B foi até bom (por causa dos resultados, e não pelo rendimento), com três vitórias consecutivas sobre Botafogo-SP (2 a 1), Guarani (3 a 2) e Figueirense (1 a 0). Mas os nove pontos somados foram, na verdade, três, pois o clube precisou pagar uma punição na Fifa pela dívida de 850 mil euros - R$5,3 milhões - com o Al-Wahda, dos Emirados Árabes Unidos, pela contratação do volante Denílson, em julho de 2016.
O Cruzeiro subiu da lanterna para a nona posição, mas escorregou nos cinco duelos subsequentes. A paciência da diretoria com Enderson Moreira se esgotou na oitava rodada, em 7 de setembro, quando a equipe empatou por 1 a 1 com o CRB, no Mineirão. O técnico foi demitido após acumular três vitórias, dois empates e três derrotas. Ney Franco, seu sucessor, teve desempenho ainda pior: somou sete pontos em 21, com dois triunfos, um empate e quatro reveses. Durou pouco mais de um mês no cargo.
Apesar de amargar a penúltima posição, com 13 pontos em 15 rodadas, o Cruzeiro ainda esperava o acesso. Por isso, fez convite a técnicos que estavam com elencos bem montados: Lisca, do América, e Umberto Louzer, da Chapecoense. O primeiro recusou de imediato e continuou no Lanna Drumond. O segundo balançou com a oferta, mas deu prosseguimento à sua trajetória em Santa Catarina. Ambos confirmaram o acesso à primeira divisão na 34ª rodada.
A solução foi convencer Luiz Felipe Scolari, um dos mais vitoriosos e experientes do futebol brasileiro, a abraçar o projeto. Com contrato até dezembro de 2022 e multa rescisória elevada em caso de demissão, o treinador de 72 anos tirou a equipe da vice-lanterna, na 16ª rodada (13), e permitiu que os torcedores sonhassem com a volta à Série A, apesar de sempre manter o discurso de evitar o rebaixamento.
O aproveitamento de Felipão isolado é de 57,4%. São oito vitórias, sete empates e três derrotas em 18 jogos, com 22 gols marcados e 14 sofridos. O índice aplicado em 38 rodadas corresponderia a 65 pontos - acima dos 64 que CSA e Juventude, quarto e quinto colocados, podem alcançar.
O Cruzeiro, contudo, jamais se aproximou do G4 sob o comando de Felipão, pois pagou pela campanha muito ruim no turno. Nessa quarta-feira, no Independência, a equipe teve a chance de encurtar para cinco pontos a distância do CSA, porém perdeu para o lanterna Oeste, por 1 a 0, e acabou de vez com as esperanças do mais otimista torcedor.
Na entrevista coletiva, Felipão admitiu surpresa ao afirmar que o Cruzeiro vive um problema maior do que ele imaginava. Também evitou confirmar que seguirá na Toca em 2021. Por outro lado, ninguém da diretoria apareceu para explicar os problemas administrativos do clube, que não pagou parte dos salários de outubro e a íntegra de novembro, dezembro e o 13º.
Em meio à insatisfação dos jogadores, o volante Jadsom Silva, que havia disputado 41 partidas na temporada, entrou com ação pedindo a rescisão indireta do contrato de trabalho. Ele seguiu o caminho do zagueiro Dedé, que pleiteia R$35 milhões sob a alegação de não receber a remuneração há dez meses. O filme é parecido com o início de 2020, quando vários atletas ganharam a liberação na Justiça após a queda à Série B em 2019.
O balanço financeiro dos nove primeiros meses de 2020 traz números alarmantes, com déficit de R$343,4 milhões. A dívida total da instituição já superou R$1 bilhão, embora haja a expectativa de redução para cerca de R$800 milhões no documento que abrange o ano inteiro, já que houve acordos com a Fazenda Nacional e os jogadores Fred e Dodô.
O caos financeiro impede o Cruzeiro até mesmo de liquidar uma dívida que lhe impede de registrar reforços no Boletim Informativo Diário da CBF. Enquanto não resolver a pendência de R$1,3 milhão com o PSTC, do Paraná - referente ao percentual da venda do zagueiro Bruno Viana ao Olympiacos, da Grécia -, o clube terá dificuldades para montar um grupo qualificado em 2021 e correrá o risco de novo sofrimento na Série B.