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Caso Willian: Cruzeiro questiona postura do Zorya, vê injustiça em punição na Fifa e prepara recurso na Corte Arbitral do Esporte

Clube foi impedido de registrar jogadores em razão de dívida de 1 milhão de euros

Rafael Arruda
Willian defendeu o Cruzeiro de julho de 2013 a dezembro de 2016 - Foto: Washington Alves/VIPCOMM
Quem é o credor do Cruzeiro no caso envolvendo o atacante Willian: o Zorya FC, da Ucrânia, ou o grupo Alik Football Management, sediado na Estônia? Até mesmo a diretoria celeste não sabe a quem pagar a dívida de 1.159.786,31 euros (cerca de R$ 7 milhões) da contratação fechada em julho de 2014. Nesta quinta-feira, o superintendente jurídico do clube, Flávio Boson Gambogi, concedeu entrevista para explicar o imbróglio que levou a Fifa a aplicar mais uma punição, desta vez a de proibir o registro de contratações.



De acordo com Boson, o Zorya inicialmente concordou em repassar o crédito ao grupo Alik, representado pelo advogado brasileiro Marcelo Amoretty Souza - filho do ex-presidente do Internacional, Paulo Rogério Amoretty, que morreu em 2007 vítima do acidente do voo 3054 da TAM, no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
“O Cruzeiro foi procurado antes do prazo de vencimento da segunda e da terceira dívida do Zorya - a primeira foi acertada antes da posse do presidente Sérgio. O clube foi procurado por um representante brasileiro da Alik Management, que seria cessionária do crédito do Zorya. Essa pessoa é o Dr. Marcelo Amoretty, advogado do Rio Grande do Sul, filho do ex-presidente do Internacional. Ele disse que havia a cessão de crédito do Zorya para esse Alik”.

Na negociação com o Alik, o Cruzeiro parcelaria 1 milhão de euros (R$ 6,27 milhões) em dez vezes. A primeira prestação, de 100 mil euros (R$ 627 mil), seria paga dez dias após a oficialização. As nove subsequentes, também no valor de 100 mil euros cada, venceriam no dia 30 de cada mês entre setembro de 2020 e maio de 2021.


Para avançar nesses moldes, o Cruzeiro exigiu uma comprovação do Zorya, que veio em 19 de agosto, em e-mail do clube cadastrado no TMS, sistema de transferências da Fifa. No documento havia a assinatura de um representante da agremiação da Ucrânia, Stanislav Oganov, e da Alik, Oleksi Liundovskyi. Flávio Boson detalhou os trâmites.

“Eu disse que precisaria de um comunicado oficial do Zorya dizendo que esse crédito foi cedido ao Alik (...). Isso foi feito no dia 19 de agosto deste ano. Aquele e-mail do Zorya é cadastrado no sistema Fifa TMS. Não é qualquer e-mail que alguém pode enviar, não é um e-mail particular do diretor do Zorya ou de alguém da Ucrânia. É um e-mail da equipe do Zorya cadastrado no sistema Fifa TMS. Eu, por exemplo, demorei quase um mês depois da minha posse como superintendente para cadastrar o meu e-mail nesse sistema da Fifa para que eu recebesse as intimações. Isso é para os senhores terem a ideia do grau de confiança e segurança desse sistema Fifa”.

Contudo, em uma suposta mudança de ideia, o Zorya não reconheceu a operação com o Cruzeiro, alegou que se tratava de uma falsa assinatura atribuída a Oganov e enviou notificação à Fifa. Em um primeiro momento, a entidade máxima do futebol acatou o argumento dos ucranianos e aplicou ao time mineiro o “transfer ban”, que é a proibição de registrar jogadores.


“Foi algo muito estranho, para não falar coisa pior, porque o Zorya disse depois que esse documento que os senhores viram aí é falso. Eu até me pergunto: por mais absurdo que seja, eu não concordo, mas o carimbo pode ser falsificado? Pode. A assinatura pode ser falsificada? Acho que pode. Agora, o e-mail do Zorya pode ser hackeado? Duvido. Isso ele não fala no comunicado à Fifa. Apenas diz que a assinatura é falsa. Agora, ele diz que o e-mail que remeteu para o Cruzeiro é falso? Não diz que o e-mail foi hackeado”, comentou Flávio Boson.

“Agora, é engraçado: o mesmo e-mail que o Zorya envia ao Cruzeiro dizendo que o crédito foi cedido ao Alik é o endereço que depois envia à Fifa dizendo que os documentos teriam sido falsificados. Não é um e-mail particular, e sim cadastrado no sistema Fifa TMS, que eu presumo ser de segurança e qualidade”. acrescentou.

Cruzeiro divulgou e-mail enviado pelo Zorya - Foto: Reprodução

Corte Arbitral do Esporte


Por considerar a decisão injusta, o Cruzeiro prepara o recurso à Corte Arbitral do Esporte (CAS), última instância da esfera esportiva. O documento foi redigido pelo advogado Breno Tannuri, que representa a instituição em processos na Fifa.



“Pedimos à Fifa para repensar a decisão de punir o Cruzeiro. Ela não tem um prazo para tanto, mas, evidentemente, se alongar além do razoável, o Dr. Tannuri está com o recurso à Corte Arbitral do Esporte, que é o órgão recursal da Fifa, para apresentar. Se a Fifa mantiver a decisão ou demorar a tomar a decisão, nós vamos recorrer”, frisou Flávio Boson.

“Não vamos descansar, estamos usando os nossos canais e nossos representantes na entidade do futebol para que trabalhem e apresentem a pauta do Cruzeiro. Fiz um acordo para pagar com aquele que se diz dono do crédito. Agora vem essa história de que o acordo não foi homologado porque um deles voltou atrás”, complementou o superintendente jurídico.

Boson destacou ainda que a insinuação de assinatura adulterada teria de ser judicialmente provada. “O Zorya diz que a assinatura é falsa. Até onde me entendo por gente, quem diz uma coisa, precisa provar. O e-mail do Zorya foi hackeado? Alguém entrou e enviou para o e-mail do Cruzeiro?”.



Quando o recurso será aceito?


Flávio Boson evitou estimar quando o recurso do Cruzeiro será apreciado. Todavia, ele lembrou que a Fifa demorou duas semanas para aplicar a sanção, visto que a petição de acordo com o Zorya/Alik foi enviada no dia 20 de agosto. E o argumento para convencer o CAS a conceder efeito suspensivo é justamente mostrar a troca de minutas contratuais em e-mails oficiais dos clubes.

“Não é uma decisão só minha, é uma decisão mais do Sérgio. Se fosse depender do futebol, seria ontem. Se fosse depender de mim, que espera resolver, quem sabe, da forma menos conflituosa possível, poderia ser até um mês. Se depender do Tannuri, menos. Aí, a decisão final é do presidente Sérgio, depois de ouvir todos os atores”, ressaltou.

“A gente não pode esperar muito, porque até para a imagem do Cruzeiro é muito ruim que isso perdure por um prazo que não seja tolerável. Espero que venha uma decisão logo. A gente apresentou a petição de acordo no dia 20, e tivemos, duas semanas depois, uma decisão da Fifa. Eu acredito que num aspecto menor, a gente pode esperar que a Fifa tome uma decisão em um prazo igual”, observou.



Flávio Boson concedeu entrevista nesta quinta-feira - Foto: Reprodução/Cruzeiro

Negociação anterior com o Zorya


Em 28 de maio, o Cruzeiro anunciou acordo com o Zorya para pagar 600 mil euros - R$ 3,7 milhões na cotação atual - de uma primeira parte da dívida por Willian.

O descumprimento da determinação da Fifa tinha como previsão de pena a retirada de mais seis pontos do time na Série B - além do caso Denilson, do Al Wahda, dos Emirados Árabes Unidos.

Flávio Boson explicou que os dirigentes do Zorya chegaram a citar, à época, o grupo Alik como dono do crédito. Entretanto, por orientação de Breno Tannuri, a transferência do dinheiro foi feita diretamente para o clube ucraniano.

“No dia em que vencia a dívida que poderia nos levar à perda de mais seis pontos, veio um e-mail do Zorya dizendo que o crédito pertencia ao Alik. Porém, o Dr. Tannuri disse para não arriscar, porque o Cruzeiro correria o risco de perder os seis pontos”.



A contratação de Willian


Willian chegou ao Cruzeiro por empréstimo em julho de 2013. À época, o clube que detinha seus direitos econômicos era o Metalist, da cidade de Carcóvia. Os ucranianos emprestaram o atacante como parte do pagamento pela contratação do meia Diego Souza.

Campeão brasileiro em 2013 e do Campeonato Mineiro de 2014, o Bigode teve a permanência na Toca da Raposa II acertada pelo ex-presidente Gilvan de Pinho Tavares e o então diretor de futebol, Alexandre Mattos.

O Cruzeiro se comprometeu a pagar ao Metalist (posteriormente ao Zorya) 3,5 milhões de euros parcelados em sete vezes de 500 mil. No entanto, o acordo não foi cumprido de maneira integral, e a discussão caminhou para a Fifa.



Campeão também da Série A de 2014, Willian disputou 185 jogos e marcou 40 gols pelo Cruzeiro, no qual permaneceu até dezembro de 2016.

Em 2017, transferiu-se para o Palmeiras, onde atua desde então. Em 173 jogos, o atacante de 33 anos balançou a rede 45 vezes e ganhou dois títulos: Brasileiro 2018 e Paulistão 2020.