O “Grupo Independente” do Conselho Deliberativo do Cruzeiro prometeu votar contra a aprovação do balanço com déficit de R$ 394 milhões. Nesta terça-feira (25), às 18h30, haverá reunião extraordinária no Salão Nobre do clube do Barro Preto, em Belo Horizonte, para apreciação das contas do exercício de 2019, último ano da gestão do ex-presidente Wagner Pires de Sá. Com participação de conselheiros beneméritos, natos e associados (eleitos), o encontro será transmitido no canal oficial da Raposa no YouTube.
Em carta enviada a membros do Conselho, o grupo explicou as razões para reprovar o balanço financeiro e criticou a condução por parte do presidente do órgão, Paulo César Pedrosa, e de seu vice, Nagib Geraldo Simões. Os dois integravam o Conselho Fiscal do Cruzeiro em 2019 e, na ocasião, confiavam na “inocência” de Wagner Pires - hoje indiciado pela Polícia Civil e pelo Ministério Público por crimes de apropriação indébita, falsidade ideológica, falsificação de documentos e lavagem de dinheiro. Trecho de entrevista concedida por Pedrosa em 1º de julho de 2019 foi citada no documento.
“Já na posse, o Sr. Pedrosa, já se colocava contrário ao afastamento da diretoria e da realização de sindicância nas contas: ‘Eu tenho certeza da inocência dele (Wagner), até que me prove o contrário. Sou totalmente contra o afastamento. Se eles (diretoria) quiserem pedir licença, é problema deles. Agora, tem que haver amplo direito de defesa e do contraditório’, bradava Paulo Pedrosa”.
A ala ainda relembrou os questionamentos feitos por Paulo Pedrosa ao trabalho da comissão de sindicância que apurou gastos irregulares no Cruzeiro.
“Em sindicância de julho de 2019, que acusava discrepâncias nas contas, Pedrosa contrariando relatório, afirmava que não havia irregularidades na gestão do Presidente Wagner, inocentando a Diretoria, quanto às contas do Cruzeiro, como o aumento das despesas e contratações de pessoal fora da necessidade. Importante ressaltar, que o Conselho Fiscal tomou posse em julho de 2019, e que fomos excluídos do Profut, exatamente por não terem sido pagas as parcelas de julho, agosto, setembro e outubro de 2019. Aí se evidencia o corporativismo. Legítimos representantes da famigerada “Família União”, Pedrosa e Nagib se postam como fiéis escudeiros dos conchavos e negociatas”.
“Em sindicância de julho de 2019, que acusava discrepâncias nas contas, Pedrosa contrariando relatório, afirmava que não havia irregularidades na gestão do Presidente Wagner, inocentando a Diretoria, quanto às contas do Cruzeiro, como o aumento das despesas e contratações de pessoal fora da necessidade. Importante ressaltar, que o Conselho Fiscal tomou posse em julho de 2019, e que fomos excluídos do Profut, exatamente por não terem sido pagas as parcelas de julho, agosto, setembro e outubro de 2019. Aí se evidencia o corporativismo. Legítimos representantes da famigerada “Família União”, Pedrosa e Nagib se postam como fiéis escudeiros dos conchavos e negociatas”.
O Grupo Independente também listou 19 pontos em que o Conselho Fiscal do Cruzeiro “se calou”, em vez de questionar o ex-presidente Wagner (veja abaixo):
- Diante do atraso às parcelas do Profut;
- Diante dos altos salários;
- Da ilegal remuneração de Conselheiros;
- Da inexplicável “farra” dos ingressos;
- Da onerosa participação financeira dos salários de atletas emprestados;
- Da pedalada fiscal na venda do Arrascaeta;
- Da contratação e/ou renegociação de vínculo empregatício de atletas profissionais;
- Dos pagamentos para empresas, sócios, familiares e empresa de familiares;
- Da análise de pagamentos a fornecedores;
- Dos contratos de intermediação de atletas, sem cadastros na CBF;
- Do oferecimento de direitos econômicos de jogadores em garantia de dívidas;
- Da remuneração de atletas menores amadores;
- De intermediações ilegais com atletas menores;
- Das comissões a intermediadores de atletas do Cruzeiro;
- Do aumento de 50% das despesas e dos salários;
- Do pagamento de débitos de dirigentes;
- Do pagamento de empresas vinculadas a dirigentes e/ou seus familiares;
- Da remuneração a 52 Conselheiros;
- Do pagamento a empresas de consultoria jurídica, tributária e de engenharia, com descritivo genérico de atividades e sem comprovação de serviços prestados.
Dívida
Na mensagem enviada aos conselheiros, o Grupo Independente ressaltou a “perplexidade” da “pretensa recomendação do Conselho Fiscal, para a aprovação, com ressalvas, das contas de 2019”. A ala acusou o órgão de não cumprir com suas obrigações estatutárias e assistir, passivamente, ao Cruzeiro ser “ser solapado por uma gangue, comandada pela Diretoria, que os apoiaram e que apoiavam”.
O comunicado trouxe números do balanço de 2019: déficit de R$ 394.100.974,00 e dívida total de R$ 803.486.208. O cálculo final do débito foi feito com abatimento de valores a serem recebidos pelo clube:
R$ 682.034.508,00 - passivo circulante, que são dívidas que o Cruzeiro precisa pagar no prazo de um ano;
R$ 207.269.643,00 - passivo não circulante, que são dívidas que podem ser pagas em um prazo maior que um ano;
Menos
R$ 72.560.830,00 - receita a apropriar circulante
R$ 12.608.455,00 - receitas futuras
R$ 648.658,00 - caixa e equivalentes;
Consequências
Caso as contas de 2019 sejam reprovadas, o Grupo Independente pede a instauração de processo por parte do Conselho de Ética, Disciplina e Corregedoria, “com encaminhamento ao Conselho Deliberativo, para constatação de fática omissão do Conselho Fiscal, impondo as penalidades impostas pelo Estatuto, nos Art. 18 (IV) e Art. 20 (IX), também pelo Regimento Interno, nos Art. 6 (VII) e Art. 24 (IV)”.
Art. 18 (IV) do Estatuto do Cruzeiro:
Perderá o mandato o associado Conselheiro Nato, Conselheiro ou Suplente de Conselheiro que cometer falta de natureza grave, assim considerada pela Comissão de Ética e Disciplina ou pela Comissão Eleitoral do Conselho Deliberativo;
Art. 20 (IX) do Estatuto do Cruzeiro
Compete ao Conselho Deliberativo processar e julgar membros do Conselho Deliberativo, do Conselho Diretor e do Conselho Fiscal, na forma prevista neste Estatuto e no Regimento Interno do Conselho Deliberativo;
E se o balanço for reprovado?
O Estatuto do Cruzeiro não especifica o que pode ocorrer caso o balanço do clube seja reprovado. O art. 30, III, cita apenas que “será afastado imediatamente e se tornará inelegível, pelo período de no mínimo 5 (cinco) anos, o dirigente ou administrador que praticar ato de gestão irregular ou temerária”.
Há exemplos recentes de balanços reprovados no futebol brasileiro, como o do Vasco, em 2018 (superávit de R$ 64 milhões), e o do Santos, referente a 2019 (superávit de R$ 23,5 milhões). O saldo positivo foi motivo de dúvidas por parte dos conselhos dos clubes. Apesar disso, os respectivos presidentes, Alexandre Campello e José Carlos Peres, continuam à frente das instituições.
Relatório
Encarregada de analisar as transações financeiras no Cruzeiro, a Kroll citou, no relatório de quase 300 páginas, que a gestão de Wagner Pires de Sá gastou R$ 1.180.676.437,00 no biênio 2018/2019, um crescimento de 53% em relação à administração anterior, de Gilvan de Pinho Tavares - R$ 770.097.107,00 em 2016/2017.
Entre os valores mais significativos, destaca-se um aumento de 50% com salários, de R$ 156.581.352,00, em 2016/2017, para R$ 234.380.814, em 2018/2019. A diretoria também “inflou” despesas em outras 19 categorias, com destaques para juros e multas (144%), liberação de atletas (307%), premiações (103%), serviço de terceiros (68%) e direito de imagem (161%).
Despesa - 2016/2017 - 2018/2019
Juros de mora e multas - R$ 54,3 milhões - R$ 132,8 milhões
Liberação de atletas - R$ 27,5 milhões - R$ 112,1 milhões
Premiações - R$ 26,1 milhões - R$ 52,9 milhões
Serviço de terceiros como pessoa jurídica - R$ 23,8 milhões - R$ 35,4 milhões
Direito de imagem - R$ 12,7 milhões - R$ 33,3 milhões