Deivid teve passagens curtas como jogador e técnico do Cruzeiro. Dentro de campo, brilhou no primeiro semestre de 2003, com 28 gols em 37 partidas, até se transferir para o Bordeaux, da França. Naquela temporada, o então camisa 9 se sagrou campeão mineiro, da Copa do Brasil e do Brasileiro. Em 2016, já aposentado dos gramados e com experiência de auxiliar, recebeu a missão de ser treinador da equipe, após a saída de Mano Menezes para o Shandong Luneng, da China. Apesar do aproveitamento superior a 70% - 11 vitórias, 5 empates e 2 derrotas -, acabou demitido em 25 de abril, após a eliminação na semifinal do Campeonato Mineiro para o América.
Depois de breve experiência como intermediário, Deivid retornou ao Cruzeiro em maio de 2020, a convite do presidente Sérgio Santos Rodrigues, para ser diretor técnico. Em entrevista ao Superesportes/Estado de Minas, o dirigente de 40 anos explicou as razões de não ter dado certo como treinador, a forma como se preparou para se tornar gestor e a credibilidade adquirida em mais de duas décadas no mundo da bola. Segundo ele, os objetivos da Raposa em curto prazo são pagar salários em dia, amortizar dívidas, faturar com vendas de direitos econômicos e retornar à Série A do Campeonato Brasileiro.
Insucesso como técnico do Cruzeiro
“Não tinha a grife de um Vanderlei Luxemburgo ou um Mano Menezes. Se eu tivesse essa grife, talvez me manteria no cargo. Ser mandado embora por causa de um jogo, com aproveitamento de 73%, com apenas uma derrota na temporada (...). Mas é a cultura brasileira, que pede renovação, e, depois que tem a renovação, manda embora. Por isso estamos sempre com um passo atrás em relação ao futebol europeu. O que aconteceu com o Corinthians e o Inter, de serem campeões mundiais, vai ser a cada 20 a 25 anos. A gente, em termos de mentalidade, de ver o futebol crescer, está muito atrás”.
Deivid como técnico do Cruzeiro, em 2016 - Foto: Alexandre Guzanshe/EM D.A Press
Preparação para se tornar dirigente
“Em 2014, quando parei de jogar futebol, fiz um curso de gestão e marketing por seis meses no Business Futebol Clube, em São Paulo. É mais fácil você fazer uma gestão de futebol do que de uma empresa. Eu passei em todas as áreas: jogador, auxiliar e treinador. Quando você é auxiliar e é treinador, começa a participar de negociações. Todas as negociações que o clube faz, o treinador precisa avaliar e bater o martelo. Você sabe quanto vai pagar, como está a negociação e tudo mais. Isso vai dando uma experiência muito grande. Uma coisa é ser presidente de uma empresa, outra é ser presidente de um clube. Não adianta falar: ‘tive êxito na minha empresa e vou ter êxito no clube’. Pode ver aí que a maioria que teve êxito em uma multinacional não teve o mesmo sucesso no futebol”.
Função de cada integrante da diretoria de futebol
“Nós três trabalhamos em conjunto. O Ricardo (Drubscky, diretor de futebol) fica mais no campo com o Enderson, e o André (Argolo, diretor executivo de esportes) e eu ficamos nas partes interna e externa, conversando com investidores e parceiros, e trazendo coisas novas ao clube. O fato de eu ter jogado muito tempo fora facilita o meu contato com o pessoal. E assim vamos construindo um novo Cruzeiro”.
Contatos no futebol em benefício do Cruzeiro
“É o que eu falo para o presidente Sérgio: não tenho o dinheiro, mas tenho amigos. A vida é feita de credibilidade, e isso é uma coisa que eu não perco. Joguei futebol durante 20 anos, depois virei auxiliar e treinador, e o que eu mais tenho é credibilidade no mercado. O Saul Klein, donos das Casas Bahia, é amigo meu há muito tempo. Quando ele comprou a Ferroviária, eu marquei um almoço com ele, o Sérgio e o Júlio Taran, braço direito do Giuliano Bertolucci, e a gente conseguiu fazer uma parceria. O Cruzeiro, pelo momento que está vivendo, precisa de parceiros que não necessitem do clube, com condição financeira muito boa e que tenham seus próprios negócios. Que seja uma coisa boa para eles e para o Cruzeiro”.
Parceria com a Ferroviária
“Futebol paulista é muito forte. Em qualquer divisão há jogadores muito bons. A gente está de olho em algumas promessas da Ferroviária. Como falei, estamos hoje aqui no Cruzeiro, cientes do tamanho do buraco e da dívida. E só vamos sair desse buraco se conseguirmos trazer jogadores baratos, que venham por meio de parceria, com o Cruzeiro ficando com um percentual de uma futura venda e pagando os nossos credores”.
Busca por contratações jovens, como Claudinho, em vez de mais oportunidades a jovens formados no clube
“O Claudinho foi revelação do Campeonato Paulista. Uma coisa é jogar Campeonato Mineiro, outra é jogar Campeonato Paulista. O maior campeonato estadual do Brasil é o Paulista. O cara jogar de titular pela Ferroviária, da maneira como vinha jogando, sendo que o Atlético e outros clubes queriam, e a gente consegue trazer em uma parceria (...). Agora, é o seguinte: é um menino de 19 anos. Uma coisa é jogar na Ferroviária, outra é jogar no Cruzeiro. Por isso há tempo (de evolução). Ele não vai chegar aqui, vestir a 10 e jogar. O Arrascaeta chegou aqui, como ídolo, e demorou dois anos”.
Cruzeiro contou com ajuda de parceiros para adquirir 70% dos direitos econômicos de Claudinho, ex-Ferroviária - Foto: Bruno Haddad/Cruzeiro
Esse tipo de contratação pode tirar espaço das pratas da casa do Cruzeiro?
“Eu não me meto na parte tática. A gente vai no mercado trazer jogadores com potencial que possamos vender depois. Sabemos do momento que vive o Cruzeiro e estamos nos reinventando. Não temos dinheiro e nem podemos fazer besteira. Precisamos contratar jogadores dentro da nossa realidade. Estamos subindo os meninos com qualidade da base, pois são jogadores que vão nos tirar dessa situação. É ter paciência. Pelo fato de ter essa idade de 19 anos, vão oscilar muito”.
Santos como exemplo
Santos como exemplo
“A gente olha o Santos. ‘Ah, o Rodrygo estourou no Santos’. Mas subiram 10, e só vingou um. O Santos sempre faz isso: sobem 10 e vão treinando com o profissional. Conversei com o Cuca (técnico do Santos), vai lá ver quantos meninos eles têm. Lá, a torcida e a imprensa abraçam. Você toma de cinco com os meninos, mas não pode tomar com os jogadores experientes”.
Grande venda no Cruzeiro (a exemplo do Athletico-PR, que negociou o Robson Bambu ao Nice, da França, por 8 milhões de euros - R$ 53 milhões)
“Você entrou em um ponto legal. Quem conhecia o Robson Bambu? O Santos pegou na base, colocou para jogar sete ou oito jogos, e o Athletico-PR levou porque acabou o contrato. Ele jogou uma temporada, foi campeão da Copa do Brasil e depois vendido. Esse processo é lento. Nem todos os jogadores que vão subir e jogar, conseguirão se destacar. Uns vão maturar mais cedo, outros mais tarde. Precisamos ter calma”.
Athletico-PR vendeu Robson Bambu por 8 milhões de euros - Foto: Divulgação/Nice
Responsabilidade financeira
“Uma coisa é trabalhar com dinheiro, outra é sem dinheiro. O que é uma gestão: pegar um passivo de 90 e deixar 350, 400 milhões ou pegar um passivo de 90 e deixar um positivo de 300 milhões? Se eu falar assim: ‘Enderson, você quer um jogador de 450 mil?’ Para mim é fácil trabalhar, como o Flamengo fez. Foi lá, pegou Filipe Luís, Gabigol, Rafinha, Bruno Henrique, aí é mole trabalhar”.
Resgate de DNA formador e vendedor do Cruzeiro
“O Cruzeiro tem de voltar às suas origens e à sua cultura. E qual é? Paga pouco, mas em dia, e coloca meninos para jogar. Se pegar a história do clube, é propor o jogo, jogar na frente, revelar jogadores. O Cruzeiro, dos anos de 1990 até 2002 ou 2003, era o clube que mais vendia jogador. E vendia bem. Na minha geração, do time campeão em 2003, tinha Gomes, Maicon, Luisão, Recife, Wendel, Irineu, Gladstone, Marcinho, Jardel… todos vieram da base. Aí trouxe Edu Dracena, do Guarani; Maurinho, do Santos; eu vim do Corinthians; Maldonado do São Paulo; Aristizábal, do Vitória; Cris voltou do Bayer Leverkusen. Daí fez uma mescla”.
Recusas recentes de propostas
“Tivemos propostas pelo Cacá e pelo Jadsom, com valores baixos, além de consultas no Stênio e no Maurício. O Cruzeiro tem problema financeiro, mas não está morto. Os clubes não precisam achar que vão vir aqui oferecer qualquer dinheiro e levar. Vai pagar o preço. Vemos os meninos com potencial enorme e entendemos que, com 17 e 18 anos, vão oscilar”.
Cacá e Jadsom são frequentemente observados por outros clubes - Foto: Gustavo Aleixo/Cruzeiro
Elenco com 41 jogadores
“Temos 41, mas com 15 de base, com idade sub-20. Ainda haverá Brasileiro Sub-20, alguns vão descer. Então o mais importante é esses meninos subirem e pegarem experiência profissional, vendo como se joga e se treina. Isso acontecia há 20 anos, com o sub-20 treinando com o profissional toda segunda-feira. O treinador do principal queria um jogador, ia na base e buscava. Temos que voltar a fazer esse processo”.
Avaliação do elenco e solicitações do Enderson Moreira
“O Enderson é tranquilo para trabalhar. É diferente de vários treinadores com quem trabalhei. Não pede jogador, não reclama. Sempre trabalhamos em conjunto com o Ricardo Drubscky, o Enderson e o André. Monitoramos bem e passamos o que ele quer, qual a necessidade dele. Temos trabalhado assim, porque com três ou quatro cabeças conseguimos minimizar o erro, ainda mais na situação em que estamos. Temos jogadores que estão jogando o Brasileiro pela primeira vez. Uns vão sentir, outros não. E temos o Arthur Caike chegando agora, o Guedes… são jogadores experientes que darão suporte para quem está subindo”.
Briga pelo acesso e título na Série B
“Sempre falo que temos três objetivos: pagar salário em dia, subir e pagar todos os credores. Essa é a missão da nova gestão. Sabemos da obrigação que temos e que o Cruzeiro é o único clube da Série B que é muito grande. Nossa obrigação é subir. E quando você entra no G4, já pensa em ser campeão brasileiro. Mas só subindo já é o ideal. Sendo campeão, nunca é demais, pois sempre é bom ser campeão. Não nasci para perder, fiquei chateado (com a derrota para a Chapecoense), pois não estava na nossa programação perder esse jogo. Vem essa derrota e você fica um pouco chateado. Sempre venci pelos clubes que passei, então perder assim deixa a gente um pouco chateado. Agora é levantar a cabeça e ir em frente”.
DEIVID NO CRUZEIRO
Como jogador (2003):
37 jogos
28 gols
Campeão do Mineiro
Campeão da Copa do Brasil
Campeão do Brasileiro
Desempenho por competição
Mineiro: 7 jogos e 6 gols
Copa do Brasil: 11 jogos e 7 gols
Brasileiro: 19 jogos e 15 gols
Foi vendido em 19 de julho de 2003 ao Bordeaux, da França, por US$ 5,1 milhões (R$ 14,4 milhões). O Cruzeiro recebeu 25% do valor - aproximadamente R$ 3,7 milhões -, pois o jogador pertencia ao Nova Iguaçu-RJ.
Como técnico (2015/2016)
19 jogos
12 vitórias
5 empates
2 derrotas
28 gols pró
15 gols contra
Aprov: 71,93%
Deivid foi técnico interino do Cruzeiro na vitória por 2 a 1 sobre a Ponte Preta, pelo Campeonato Brasileiro de 2015, após a saída de Vanderlei Luxemburgo.