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Entenda o parcelamento alternativo ao Profut que será negociado entre Cruzeiro e União

Lei 13988/2020 permite o pagamento de débitos em até sete anos

postado em 17/08/2020 08:00 / atualizado em 19/08/2020 15:54

(Foto: Leandro Couri/EM D.A Press)
O Cruzeiro teve a situação financeira agravada em razão da exclusão do Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro, o Profut, voltado para entidades desportivas profissionais de futebol. A gestão do ex-presidente Wagner Pires de Sá deixou de quitar quatro parcelas do financiamento - junho, julho, agosto e setembro de 2019 -, e a rescisão ocorreu em fevereiro de 2020 com base no art. 16, II, da Lei Nº 13155/2015.

Em abril, sob administração do conselho gestor, o Cruzeiro obteve liminar para retornar ao Profut. Entretanto, a medida foi derrubada pela Justiça de Minas Gerais em julho e, desde então, a União intensifica os pedidos para bloquear ativos e bens do clube, com o propósito de receber um crédito total de quase R$ 330 milhões.

Embora ainda estude recuperar o Profut - recorrendo ao Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1) e, posteriormente, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) -, o departamento jurídico celeste costura uma negociação das dívidas pela Lei Nº 13988, sancionada em 14 de abril de 2020 pelo presidente Jair Bolsonaro. O dispositivo “estabelece os requisitos e as condições para que a União, as suas autarquias e fundações, e os devedores ou as partes adversas realizem transação resolutiva de litígio relativo à cobrança de créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária”.

Diferentemente do Profut, que atende as necessidades das instituições de futebol, o regimento em questão tem um sentido mais amplo, podendo abranger quaisquer empresas e até mesmo pessoas físicas. Ainda que não ofereça as mesmas vantagens de prazo alongado e descontos generosos, a lei pode ajudar o Cruzeiro a ter um respiro e interromper as constantes execuções fiscais.

Consultora em Direito Tributário e professora do Centro Universitário UNA e do Centro Universitário Newton Paiva, a advogada Fernanda Prata Moreira Ribeiro explica, em entrevista ao Superesportes, a importância de a União conceder programas de parcelamento de débitos aos contribuintes que estão com suas obrigações em atraso. Segundo ela, dificilmente o Estado conseguirá levantar os valores de maneira integral e regular.

“Em primeiro lugar, é importante destacar que a União, em um sentido amplo, concede os programas especiais justamente para permitir a arrecadação e o pagamento de dívidas de pessoas físicas ou jurídicas. Isso tem de ser feito, porque as pessoas físicas e jurídicas têm as mais variadas ordens de obrigações tributárias e trabalhistas assumidas. Como nem sempre elas conseguem assumir as obrigações, o Estado vai promover formas de cobrança - inscrição em dívida ativa, cobrança administrativa ou execuções fiscais -, mas nem sempre vai conseguir levantar os valores que precisa com essas formas regulares de cobrança, e que são formas muito invasivas e elevadas”, diz.

“Para que o Estado consiga arrecadar, é necessário conceder programas assim. Isso existe em âmbito municipal, estadual e federal. A União já concedeu vários programas em que eles trazem condições especiais para permitir que essas empresas fiquem adimplentes. Isso é interessante para o Estado, que consegue arrecadação que não conseguiria nas formas regulares, e, ao mesmo tempo, bom para o contribuinte, que pode regularizar a sua atividade”, complementa.

PROFUT X LEI 13988


(Foto: Reprodução)

Aprovada em 2015 pela ex-presidente Dilma Rousseff, a Lei do Profut permite, por meio de seu art. 7, o parcelamento da dívida do clube em até 20 anos (240 meses), com redução de 70% das multas, 40% dos juros e 100% dos encargos legais. O valor da prestação mensal não pode ser inferior a 3 (três) mil reais. Para ter acesso ao benefício, a instituição deve cumprir uma série de requisitos, como a manutenção de salários e verbas trabalhistas em dia, a autonomia do conselho fiscal, a proibição de antecipação de receitas de períodos posteriores ao mandato de dirigente e o limite de déficit de 5% da receita bruta apurada no ano anterior.


Em 2019, o Cruzeiro descumpriu todos essas exigências, já que atrasou remunerações de jogadores e funcionários, adiantou receitas de direitos de transmissão até 2022 e apresentou o pior balanço da história de um clube de futebol, com déficit de R$ 394 milhões (165% da arrecadação bruta) - R$ 280 milhões em ganhos e R$ 674 milhões em despesas. Com as finanças arrasadas e na segunda divisão do Campeonato Brasileiro, a Raposa perdeu o direito de pagar "apenas" R$ 500 mil ao mês e agora partirá para o “plano B”, caso a solicitação de reconsideração do banimento do Profut seja rejeitada.

Fernanda Prata esclarece que a União permitiu, na lei de abril, a aplicação de créditos tributários não judicializados - ou seja, ainda em discussão na esfera administrativa - e créditos que já estejam inscritos em dívida ativa, “cuja cobrança e representação estejam a cargo da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional”. A especialista em Direito Tributário salienta a existência de duas modalidades de transação: proposta individual e adesão.

Na proposta individual, o próprio contribuinte vai apresentar, dentro dos termos da lei, uma proposta que é viável para ele adimplir as pendências que têm. O próprio contribuinte olha as condições, e a União avalia se pode ou não concordar. Por adesão, partiria do poder público, seja da Receita Federal ou da Procuradoria da Fazenda Nacional, demonstrar as condições para adimplir. E aí, o contribuinte vai ter acesso a essas condições e ver se realmente é viável para ele aderir a esse programa especial de transação”.

Para aderir à Lei 13988/2020, o Cruzeiro teria, segundo a advogada, de assumir alguns compromissos, como a alienação de bens apenas mediante comunicação e autorização da União, e a renúncia a todos os recursos às execuções fiscais. Assim, o clube reconheceria o débito junto ao Estado e, em troca, receberia a oportunidade de parcelá-lo em condições favoráveis.

“É muito comum que esses programas de parcelamento tragam essa disposição. Para concederem benefícios e prazos diferentes, vão impor algumas condições. E as condições que eles trazem são: tudo que estiver pendente, você vai abrir mão; tudo que estiver discutindo, vai, de certa forma, abrir mão da discussão para aderir ao programa e pagar”.

No caso do veto à venda de patrimônios, Fernanda menciona o risco da insolvência por parte do devedor. “Nessa parte, por que é vedado ao devedor negociar bens? Se ele vender, ele pode, em algum momento, dissolver seu patrimônio e se tornar insolvente. Se em algum momento for necessário fazer uma ação judicial, o devedor não terá saldo para pagar as dívidas dele. Por isso o programa veda a alienação e a oneração de bens sem comunicação, pois pode ser uma medida do próprio devedor para se tornar insolvente. E a União não quer esse tipo de situação, de forma que não consiga cobrar em momento posterior”.

PARCELAMENTO E RESCISÃO


(Foto: Divulgação/PGFN)

O art. 11, I, da Lei 13988/2020 trata sobre “a concessão de descontos nas multas, nos juros de mora e nos encargos legais relativos a créditos a serem transacionados que sejam classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação”. O limite do parcelamento é de sete anos (84 meses), com dedução máxima de 50%. Importante ressaltar que a repactuação da dívida é uma possibilidade, e não necessariamente uma obrigação.

Já o art. 4 apresenta os motivos para a rescisão, entre os quais “o descumprimento das condições, das cláusulas ou dos compromissos assumidos”; o “esvaziamento patrimonial do devedor como forma de fraudar a transação” e “a decretação de falência.

No caso de ruptura do acordo com a União, a empresa é impossibilitada de formalizar nova transação pelo período de dois anos, mesmo se for para encerrar pendências distintas “É como se ficassem marcados na União como pessoas físicas ou jurídicas que aderiram a uma transação, mas não cumpriram a transação. Por isso ela foi cancelada, rescindida, e ele fica com um impedimento de, num prazo de dois anos, não estabelecer nova transação”, comenta a advogada Fernanda Prata.

Desta forma, ela chama a atenção para a necessidade de cumprimento do acordo pelo devedor, no caso o Cruzeiro. “Essa transação tem de ser realizada com cautela, principalmente por parte do Cruzeiro, para avaliar, ao aderir a esse programa, se vai ter condições de cumprir. Se não cumprir, assim como o Profut, poderá ser excluído, e isso pode aumentar a dívida, afastando os descontos e alguns benefícios que o clube receberia com o programa.”

BENEFÍCIO DA LEI PARA O CRUZEIRO


(Foto: André Batista/Cruzeiro)

Na opinião de Fernanda Prata, a Lei Nº 13988 é uma boa alternativa de o Cruzeiro amenizar a perda do Profut e liquidar suas pendências com o Governo. “É claro que o Profut para o Cruzeiro era um programa diferente, pois é um programa focado e voltado para entidades desportivas de futebol profissional. Ele considerava a natureza da atividade desempenhada por elas e por isso trazia algumas especificidades. Esse programa, que foi instituído pela lei 13988 em abril de 2020, não é voltado para clube de futebol. É um programa para qualquer outra empresa, qualquer outra pessoa física ou jurídica”.

“Sem dúvidas, o Cruzeiro conseguindo negociar essa dívida que ele tem com a União - uma vez que essa lei permite transação resolutiva de litígios referentes a créditos da Fazenda Pública Federal - , é vantajoso, porque pode encontrar condições melhores do que aquelas que se fosse promover o pagamento regular, de forma normal, o que provavelmente não será possível. Esses programas, cabendo nas condições das partes, são benéficos à União, que vai receber, quanto para a parte que vai ter condição de se tornar adimplente e regularizar a sua situação”.
 
A jurista lembra ainda que o acerto entre o Cruzeiro e a União pode ser fechado com base na capacidade de pagamento do contribuinte. “As regras podem levar em consideração a capacidade contributiva do devedor, ou seja, o quanto ele dispõe de poder econômico, os custos de uma cobrança judicial. Então eles podem levar em consideração esse critério para definir como essa transação vai se efetivar”.

DÍVIDA 


No dia 29 de julho, o Cruzeiro informou que sua dívida ativa com a União gira em torno de R$ 329 milhões - R$ 326 milhões à Fazenda Nacional e R$ 3 milhões à Receita Federal. No site Lista de Devedores da PGFN o passivo é calculado em R$ 295.971.875,94, sendo R$ 10.247.101,69 com a Previdência e R$ 285.724.774,25 em “demais débitos”. Já na decisão proferida pela Justiça na sexta-feira, que proibia o clube de negociar o imóvel Campestre II - avaliado em mais de R$ 13 milhões -, foi citada a quantia de R$ 308.631.234,26.

As cobranças da União são principalmente por IRRF (Imposto de Renda Retido na Fonte), PIS (Programa Integração Social) e COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). Por causa dos “boletos em aberto”, a instituição sofre bloqueios de bens. Antes de determinar a indisponibilidade do Campestre II, a Justiça ordenou arresto de R$ 9,8 milhões depositados em juízo na ação movida pela Minas Arena. Em 2019, a Fazenda também conseguiu penhora de mais de R$ 17 milhões dos R$ 55 milhões da venda de Arrascaeta ao Flamengo.

Se chegar a um entendimento com a União para parcelar a dívida nos termos da Lei 13988, o Cruzeiro não poderá “migrar” para o Profut. A readmissão fora do âmbito judicial só seria possível caso o programa de responsabilidade fiscal do futebol brasileiro passe por alguma alteração. Outros clubes têm grandes dívidas ativas com a Fazenda, casos de Guarani, R$ 151,5 milhões; Náutico, R$ 79,6 milhões; Sport, R$ 63,3 milhões; Figueirense, R$ 47 milhões; e Vasco, R$ 44,6 milhões.

Leia, abaixo, trechos da lei sobre exigências para manter o Profut e razões da rescisão do parcelamento:


Art. 4º Para que as entidades desportivas profissionais de futebol mantenham-se no Profut, serão exigidas as seguintes condições:

I - regularidade das obrigações trabalhistas e tributárias federais correntes, vencidas a partir da data de publicação desta Lei, inclusive as retenções legais, na condição de responsável tributário, na forma da lei;

II - fixação do período do mandato de seu presidente ou dirigente máximo e demais cargos eletivos em até quatro anos, permitida uma única recondução;

III - comprovação da existência e autonomia do seu conselho fiscal;

IV - proibição de antecipação ou comprometimento de receitas referentes a períodos posteriores ao término da gestão ou do mandato, salvo:

a) o percentual de até 30% (trinta por cento) das receitas referentes ao 1º (primeiro) ano do mandato subsequente; e

b) em substituição a passivos onerosos, desde que implique redução do nível de endividamento;

V - redução do défice , nos seguintes prazos:

a) a partir de 1º de janeiro de 2017, para até 10% (dez por cento) de sua receita bruta apurada no ano anterior; e

b) a partir de 1º de janeiro de 2019, para até 5% (cinco por cento) de sua receita bruta apurada no ano anterior;

VI - publicação das demonstrações contábeis padronizadas, separadamente, por atividade econômica e por modalidade esportiva, de modo distinto das atividades recreativas e sociais, após terem sido submetidas a auditoria independente;

VII - cumprimento dos contratos e regular pagamento dos encargos relativos a todos os profissionais contratados, referentes a verbas atinentes a salários, de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, de contribuições previdenciárias, de pagamento das obrigações contratuais e outras havidas com os atletas e demais funcionários, inclusive direito de imagem, ainda que não guardem relação direta com o salário;

VIII - previsão, em seu estatuto ou contrato social, do afastamento imediato e inelegibilidade, pelo período de, no mínimo, cinco anos, de dirigente ou administrador que praticar ato de gestão irregular ou temerária;

IX - demonstração de que os custos com folha de pagamento e direitos de imagem de atletas profissionais de futebol não superam 80% (oitenta por cento) da receita bruta anual das atividades do futebol profissional; e

X - manutenção de investimento mínimo na formação de atletas e no futebol feminino e oferta de ingressos a preços populares

Da Rescisão do Parcelamento

Art. 16. Implicará imediata rescisão do parcelamento, com cancelamento dos benefícios concedidos:

I - o descumprimento do disposto no art. 4º desta Lei, observado o disposto nos arts. 21 a 24 desta Lei;

II - a falta de pagamento de três parcelas; ou

III - a falta de pagamento de até duas prestações, se extintas todas as demais ou vencida a última prestação do parcelamento.

Parágrafo único. É considerada inadimplida a parcela parcialmente paga.

Art. 17. Rescindido o parcelamento:

I - será efetuada a apuração do valor original do débito, restabelecendo-se os acréscimos legais na forma da legislação aplicável à época da ocorrência dos fatos geradores; e

II - será deduzido do valor referido no inciso I deste artigo o valor correspondente às prestações extintas.

Art. 18. Na hipótese de rescisão do parcelamento, a entidade desportiva de que trata o parágrafo único do art. 2º desta Lei não poderá beneficiar-se de incentivo ou benefício fiscal previsto na legislação federal nem poderá receber repasses de recursos públicos federais da administração direta ou indireta pelo prazo de dois anos, contado da data da rescisão.

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