A Justiça indeferiu o pedido do Cruzeiro para bloquear R$ 6,8 milhões das contas do ex-vice-presidente de futebol, Itair Machado, e do ex-presidente Wagner Pires de Sá. A decisão foi publicada às 12h08 desta segunda-feira pela juíza Marcela Maria Pereira Amaral Novais, da 35ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte. A informação antecipada pelo jornal Hoje em Dia foi confirmada pelo Superesportes, que teve acesso ao documento.
O Cruzeiro ajuizou ação contra os ex-dirigentes na última sexta-feira, alegando indenização do prejuízo em função do pagamento de R$ 6.861.243,06 à Futgestão Assessoria e Consultoria Esportiva Ltda, de propriedade de Itair Machado. Na petição, o clube argumentou que tanto o ex-vice de futebol quanto Wagner Pires de Sá são alvos de investigação policial para apurar possíveis desvios de dinheiro praticados durante a gestão dos requeridos.
O departamento jurídico celeste ainda ressaltou que Itair Machado, na condição de vice-presidente de futebol, não poderia ser remunerado, visto que outras pessoas que ocuparam o cargo trabalharam de maneira voluntária, casos de Gustavo Perrella, Bruno Vicintin, José Maria Fialho e Márcio Rodrigues Silva. A sustentação foi avaliada pela juíza.
“A fumaça do direito, tal como sustentada pelo autor, está justificada, basicamente, em dois pontos, quais sejam: a inobservância, pelos dois primeiros réus, das normas e do microssistema jurídico que regem as entidades desportivas; e a nulidade do contrato firmado entre o autor e a empresa ré, ambos sedimentados em uma interpretação sistemática de legislação, qual seja, a violação do art.1º, da Lei nº12.972/98, do Estado de Minas Gerais, e do art. 25, III da Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, cujo conteúdo veda a remuneração dos dirigentes”.
Lei 12.972/98:
Art. 1º – As associações e fundações constituídas no Estado com o fim exclusivo de servir desinteressadamente à coletividade podem ser declaradas de utilidade pública mediante a comprovação de que:
I – adquiriram personalidade jurídica;
II – estão em funcionamento há mais de um ano;
III – os cargos de sua direção não são remunerados; (…)
Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte (Lei 13.155/2015):
Art. 25. Consideram-se atos de gestão irregular ou temerária praticados pelo dirigente aqueles que revelem desvio de finalidade na direção da entidade ou que gerem risco excessivo e irresponsável para seu patrimônio, tais como: (…)
III - celebrar contrato com empresa da qual o dirigente, seu cônjuge ou companheiro, ou parentes, em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, sejam sócios ou administradores, exceto no caso de contratos de patrocínio ou doação em benefício da entidade desportiva;
A magistrada concordou que as duas legislações vedam a remuneração dos dirigentes, porém destacou que, na fase inicial do processo e com poucos documentos disponíveis, “a conclusão acerca da especificidade/natureza do cargo abrangido pela expressão “cargo de direção” não é tão simples a ponto de se concluir que o segundo réu (Itair Machado) estaria nesse âmbito de proibição”.
Marcela Amaral Novais também citou o art. 27, II, do Estatuto do Cruzeiro. “Compete ao presidente: nomear e empossar o Vice-Presidente de Futebol e o Administrativo, o Secretário-Geral, os Superintendentes, os Diretores remunerados e os Diretores voluntários”.
A juíza salientou que nas normas da instituição “não há vedação legal que impeça a celebração de negócio jurídico entre o Clube autor e empresa de propriedade do réu (também por falta de abrangência clara quanto à conotação da expressão “dirigente”)”.
Por essas razões, indeferiu a tutela cautelar que visava ao bloqueio judicial, concluindo que “o autor não apresentou prova pré-constituída a revelar a ocorrência ou possibilidade de dilapidação do patrimônio dos réus, sendo que a justificativa do pleito cautelar está simplesmente calcada no temor subjetivo da parte autora, ante o elevado valor do prejuízo indicado, não se vislumbrando sequer de indícios de perigo de dilapidação dos bens pela parte contrária, restando apenas sua narrativa, de forma isolada”.
Contrato de Itair Machado com o Cruzeiro
Nomeado vice-presidente de futebol do Cruzeiro na gestão de Wagner Pires de Sá, Itair Machado assinou o primeiro contrato de prestação de serviço em janeiro de 2018, com validade até dezembro de 2020. O acordo previa pagamento de R$ 180 mil nos 11 primeiros meses de cada ano, além de R$ 360 mil em dezembro. Ficou acertado ainda que Machado faturaria R$ 540 mil retroativos pelos meses de outubro, novembro e dezembro de 2017.
Em junho de 2018, por meio de um aditivo contratual, Itair teve o vencimento ajustado para R$ 202.588,00 brutos, de modo que as cifras ficassem em R$ 180 mil líquidos. Na cláusula quarta do documento, parágrafo 4.3, havia ainda a previsão de indenização de R$ 2 milhões caso o Cruzeiro promovesse a rescisão unilateral e imotivada do vínculo antes de 31 de dezembro de 2019.
Além das remunerações, Itair Machado recebeu prêmios por conquistas de títulos - que poderiam chegar a R$ 7,4 milhões, caso a Raposa obtivesse sucesso em todos os torneios. Na prática, o ex-dirigente emitiu notas fiscais na soma de R$ 1.932.295,44, tendo embolsado uma quantia líquida de R$ 1.756.754,50 com os títulos da Copa do Brasil de 2018 e do Campeonato Mineiro de 2019, além das duas classificações à fase de grupos da Copa Libertadores, em 2018 e 2019.
Em nota enviada à imprensa na sexta-feira, Machado se defendeu e alegou que não apenas ele, ele, mas todos os ex-vice-presidentes da gestão de Wagner Pires de Sá, tinham remuneração. Logo, estranhou o fato de o clube não ter ajuizado ação contra outros profissionais - Marco Antônio Lage (vice comercial e de marketing), Fabiano de Oliveira Costa (vice jurídico) e Divino Lima (vice executivo financeiro).
“Causa estranheza o fato de não terem ingressado com os mesmos pedidos em desfavor dos demais vice-presidentes executivos, que foram remunerados no mesmo período pelo qual e escrito nessa ação temerária e pessoal. No mais, continuo à disposição para quaisquer esclarecimentos”, explicou Itair.
Denúncias
Itair Machado, Wagner Pires de Sá e outros ex-dirigentes do Cruzeiro ainda são investigados por suposta participação em cinco crimes: falsificação de documentos, falsidade ideológica, apropriação indébita, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
De acordo com o Ministério Público e a Polícia Civil, “o marco das apurações é a gestão iniciada em outubro de 2017”. Logo, a administração do ex-presidente Wagner Pires está sendo objeto de análise.
Em maio de 2020, o Cruzeiro entregou um relatório com mais de 600 páginas ao Ministério Público. Trata-se de todo o trabalho desenvolvido pela Kroll, especializada em gestão de risco, investigações corporativas, compliance e cibersegurança. A empresa citou uma série de irregularidades, entre as quais os pagamentos de comissões milionárias a intermediários não cadastrados na CBF.
No último ano da gestão de Wagner Pires de Sá, o Cruzeiro apresentou um déficit recorde de R$ 394 milhões em 12 meses, conforme levantamento realizado pela Moore Stephens Consulting News Auditores Independentes. Segundo os auditores, há 'incerteza significativa' quanto à 'capacidade de continuidade operacional do clube’.
A dívida total no balanço de 2019, ano em que Wagner Pires renunciou à presidência, está na casa de R$ 800 milhões. No fim da administração de Gilvan de Pinho Tavares, em dezembro de 2017, o passivo do Cruzeiro era de aproximadamente R$ 386 milhões.