Um aditivo contratual assinado por Wagner Pires de Sá em 30 de junho de 2018 previa a possibilidade de R$ 7,4 milhões em prêmios para o ex-vice-presidente de futebol, Itair Machado. Os valores seriam atingidos caso o Cruzeiro ganhasse todas as competições que viesse a disputar até 31 de dezembro de 2019 - Campeonato Mineiro, Copa do Brasil, Copa Libertadores e Mundial de Clubes. Também havia bonificações pela classificação ao torneio continental.
I) R$ 200 mil em caso de conquista do Mineiro 2019;
II) R$ 600 mil pelo título da Copa do Brasil de 2018 ou 2019;
III) R$ 1 milhão pelo título do Brasileiro de 2018 ou 2019;
IV) R$ 500 mil em caso de classificação à fase de grupos da Libertadores 2019;
V) R$ 750 mil pelo título da Libertadores 2018 ou 2019;
VI) R$ 1 milhão se o time ganhasse o Mundial 2018 ou 2019
Dos R$ 7,4 milhões previstos, Itair faturou com os títulos da Copa do Brasil de 2018 e do Campeonato Mineiro de 2019, além das duas classificações à fase de grupos da Copa Libertadores, em 2018 e 2019. Por essas metas, o ex-dirigente emitiu notas fiscais de R$ 1.932.295,44, tendo embolsado uma quantia líquida de R$ 1.756.754,50.
Com relação à remuneração, Itair Machado recebeu R$ 4.928.947,62 por meio da empresa Futgestão Assessoria e Consultoria Esportiva Ltda, anteriormente denominada IMM Assessoria e Consultoria Esportiva Ltda.
O primeiro contrato de prestação de serviço, assinado em janeiro de 2018 e com validade até o fim de 2020, previa pagamento de R$ 180 mil de janeiro a novembro de cada ano, além de R$ 360 mil em dezembro. Ficou acertado ainda que o responsável pelo departamento de futebol faturaria R$ 540 mil retroativos pelos meses de outubro, novembro e dezembro de 2017.
No aditivo de junho, Itair Machado teve o vencimento ajustado para R$ 202.588,00 brutos para que as cifras ficassem em R$ 180 mil líquidos. Na cláusula quarta do documento, parágrafo 4.3, havia ainda a previsão de indenização de R$ 2 milhões caso o Cruzeiro promovesse a rescisão unilateral e imotivada do acordo antes de 31 de dezembro de 2019. O dirigente saiu do clube em outubro em meio à crise interna que resultou no rebaixamento à Série B.
Um dos argumentos do Cruzeiro para solicitar o ressarcimento de R$ 6.861.243,06 de Itair Machado foi uma polêmica entrevista concedida ao jornal O Tempo, em 27 de novembro de 2017, pouco mais de um mês depois da eleição para presidente de Wagner Pires de Sá. Na ocasião, ele havia sido indagado sobre a veracidade da informação de que receberia R$ 200 mil por mês e luvas de R$ 1 milhão.
Além de responder negativamente, Itair Machado insinuou que a pergunta havia sido feita a pedido do ex-vice-presidente de futebol, Bruno Vicintin, e do empresário Alberto Medioli. Também ressaltou que seria diretor remunerado graças à própria competência.
“Quando você fala em chegar a essa combinação, a pedido do Vicintin e do Alberto, você está afirmando. Então eu vou mostrar para o torcedor como foi direcionada essa entrevista. Não existe isso de salário dessa altura. Eu vou ser diretor remunerado, pois sou competente. Eu vou limpar o Cruzeiro, não vou quebrar o Cruzeiro como amiguinhos seus fizeram. Não existe luva, não tem esses valores aí. Vocês vão quebrar a cara, vocês vão divulgar as minhas coisas, e eu vou divulgar as suas coisas”.
Representado pelo superintendente jurídico Flávio Boson, o Cruzeiro ainda acusa Wagner Pires de Sá a transferir, de forma ilegal, a gestão do clube a Itair Machado. Também foi questionada a remuneração ao vice-presidente de futebol, o que, no entendimento do advogado, contraria o Estatuto da instituição.
Em nota enviada à imprensa nessa sexta-feira, Machado se defendeu e alegou que não apenas ele, ele, mas todos os ex-vice-presidentes da gestão de Wagner Pires de Sá, tinham remuneração. Logo, estranha o fato de o clube não ter ajuizado ação contra outros profissionais - Marco Antônio Lage (vice comercial e de marketing), Fabiano de Oliveira Costa (vice jurídico) e Divino Lima (vice executivo financeiro).
“Causa estranheza o fato de não terem ingressado com os mesmos pedidos em desfavor dos demais vice-presidentes executivos, que foram remunerados no mesmo período pelo qual e escrito nessa ação temerária e pessoal. No mais, continuo à disposição para quaisquer esclarecimentos”, respondeu Itair.
Pagamentos
Na ação de ressarcimento ajuizada na 35ª Vara Cível de Belo Horizonte, o Cruzeiro listou todos os meses de pagamentos a Itair Machado. Entre junho e novembro, ele teve 30% do ordenado retido para depósito em uma ação trabalhista movida por um ex-fisioterapeuta do Ipatinga Futebol Clube. Somadas, as cifras descontadas corresponderam a R$ 256.588,63.
O documento ainda ressalta que o salário de Itair foi mantido em dia até maio de 2019. Depois, o dirigente passou a receber com atrasos, assim como jogadores e funcionários, em razão da crise financeira provocada pelos gastos descontrolados na administração de Wagner Pires de Sá.
Em 10 de outubro, quando foi demitido do Cruzeiro, Itair auferiu R$ 238.446,82 líquidos (R$ 405.177,26 brutos), já que as folhas de agosto e setembro estavam pendentes. Em 29 de novembro, o clube depositou 59.999,99 na conta do ex-dirigente como proporcional aos dez dias trabalhados no mês anterior. O documento não informa se Machado foi indenizado em R$ 2 milhões de cláusula rescisória.
Denúncias
Ex-dirigentes do Cruzeiro - entre eles o próprio Itair Machado, Wagner Pires de Sá e Sérgio Nonato - ainda são investigados por suposta participação em cinco crimes: falsificação de documentos, falsidade ideológica, apropriação indébita, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
De acordo com o Ministério Público e a Polícia Civil, “o marco das investigações é a gestão iniciada em outubro de 2017”. Logo, a administração do ex-presidente Wagner Pires está sendo objeto de análise.
Em maio de 2020, o Cruzeiro entregou um relatório com mais de 600 páginas ao Ministério Público. Trata-se de todo o trabalho desenvolvido pela Kroll, especializada em gestão de risco, investigações corporativas, compliance e cibersegurança. A empresa citou uma série de irregularidades, entre as quais os pagamentos de comissões polpudas a intermediários não cadastrados na CBF.
No último ano da gestão de Wagner Pires de Sá, o Cruzeiro apresentou um déficit recorde de R$ 394.100.974 em 12 meses, conforme levantamento realizado pela Moore Stephens Consulting News Auditores Independentes. Segundo os auditores, há 'incerteza significativa' quanto à 'capacidade de continuidade operacional do clube' celeste.
A dívida total no balanço de 2019 gira em torno de R$ 800 milhões. No fim da administração de Gilvan de Pinho Tavares, em dezembro de 2017, o passivo do Cruzeiro era de aproximadamente R$ 386 milhões.
A dívida total no balanço de 2019 gira em torno de R$ 800 milhões. No fim da administração de Gilvan de Pinho Tavares, em dezembro de 2017, o passivo do Cruzeiro era de aproximadamente R$ 386 milhões.