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Cruzeiro: economista alerta para dívidas em curto prazo e diz que clube precisaria de R$ 500 milhões para retomar situação de estabilidade

De acordo com o gestor em finanças do esporte Cesar Grafietti, dívida de curto prazo pode inviabilizar a operação do clube

postado em 24/06/2020 06:00 / atualizado em 24/06/2020 13:11

(Foto: Ramon Lisboa/EM D.A Press)
O Cruzeiro tem endividamento líquido de cerca de R$ 800 milhões, dos quais aproximadamente R$ 600 milhões são débitos em curto prazo, que precisam ser quitados nos próximos 12 meses. Especialistas da área financeira se assustam com a profundidade do fosso em que o clube foi jogado por ex-dirigentes - alguns inclusive investigados pela Polícia Civil e pelo Ministério Público, casos do ex-presidente Wagner Pires de Sá, do ex-vice de futebol Itair Machado e do ex-diretor geral Sérgio Nonato. Para o economista Cesar Grafietti, esse panorama atual pode chegar a até inviabilizar o clube.

“O tamanho das dívidas assusta e a urgência em resolvê-las também. Para piorar o nível de receitas é baixo em 2020. Caso não volte à Série A, continuará baixo em 2021. E, mesmo que volte, já tem muita coisa comprometida. Os ativos perdem valor, os atletas precisam ser vendidos por preços menores, muitos deixarão o clube por falta de pagamento. A gestão é complicada. Vai demandar muito suor e estratégia em recuperação judicial para solucionar os problemas. E muita paciência. E pode sim inviabilizar o clube, exceto se a nova gestão consiga dinheiro rápido e grande para apagar o incêndio mais grosso”, disse, em entrevista ao Superesportes.

Se já vinha em uma ascendente de dívidas na gestão do ex-presidente Gilvan de Pinho Tavares, a situação do Cruzeiro se agravou muito com Wagner Pires de Sá e Itair Machado. No primeiro ano de Wagner (2018), a Raposa registrou déficit de R$ 73,3 milhões, mesmo acumulando quase R$ 62 milhões em premiação por ter vencido a Copa do Brasil. No balanço referente ao ano passado, o Cruzeiro contabilizou o maior resultado negativo de um clube em toda história do futebol brasileiro: R$ 394,1 milhões. Segundo os auditores da Moore Stephens Consulting News Auditores Independentes, há 'incerteza significativa' quanto à 'capacidade de continuidade operacional do clube' celeste.

Ironicamente, Wagner Pires de Sá é economista graduado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e empresário de relativo sucesso, sócio de empresa especializada em fabricar produtos químicos. Por outro lado, Itair Machado já tinha em seu currículo a falência do Ipatinga, que praticamente sumiu do mapa do futebol após meteórica ascensão à Série A do Campeonato Brasileiro em 2008. 

Segundo Grafietti, o Cruzeiro deve apostar em venda de ativos - em especial dos jogadores mais valorizados -, profissionais competentes em cargos-chave na administração, transparência e apoio da torcida.

O Cruzeiro precisa entender a gravidade da crise. Não apenas dirigentes, mas torcedores. Saber que vai demorar para solucionar os problemas e que será preciso uma estratégia arrojada e dinheiro. Tem que entender que a capacidade competitiva demorará para retornar. Vender ativos, atletas, enxugar as estruturas, trazer gente competente – e isto está sendo feito, pois as pessoas que têm chegado ao clube são profissionais de qualidade – e dinheiro. A torcida precisa fazer sua parte e apoiar, não só defendendo cegamente o clube, mas cobrando transparência, informações recorrentes, explicações da gestão. Não dá para apenas pedir dinheiro aos torcedores, é preciso mostrar o que está sendo feito. Precisa de um plano e força para executá-lo”.

O Cruzeiro acabou?

O cenário de 2020 que já era tenebroso conseguiu ficar ainda pior com a crise de COVID-19, impactando diretamente os cofres de todos os clubes. Os que mais sofrem são os em penúria financeira, caso do Cruzeiro. O clube perdeu receita com venda de jogadores, pois o mercado paralisou por completo, patrocínios, direitos de TV e renda de jogos. Nesta temporada, a Raposa espera arrecadar R$ 80 milhões - em 2019, a receita total foi de R$ 289 milhões . O valor é muito pequeno perto do total da dívida de curto prazo. Cesar Grafietti chegou a dizer em uma entrevista recente ao blog do jornalista Rodrigo Capelo, do site Globoesporte, que "o Cruzeiro acabou". Ele explica o sentido da frase.

“A ideia por trás do 'acabou' é que este Cruzeiro que foi construído à base de atrasos, dívidas, má gestão, acabou. Não é possível mais viver desta forma. E a solução passa por uma transformação tão profunda que precisaria ser conceitualmente refundado. O clube deve ter receitas de cerca de R$ 80 milhões em 2020, sendo que parte já havia sido adiantada. No ano que joga a Série B, vai perder as receitas de bilheteria, que impulsionam os clubes grandes que caíram. Terá dificuldades em gerir uma equipe competitiva e ainda ter dinheiro para colocar as contas em dia. Por isso, a ideia de que precisaria de uma reforma tão profunda que é como se fosse um novo Cruzeiro. Nem que para isso precise andar alguns passos para trás, passar por reestruturações duras de passivos, processo semelhante à recuperação judicial, que traz riscos ao desempenho do clube”, frisou.  

A queda na receita de direitos de transmissão será uma das mais sentidas em 2020. Na Segundona, a Raposa teve que escolher entre a taxa de R$ 8 milhões da Globo - R$ 6 milhões líquidos e R$ 2 milhões em logística - e o dinheiro do pay-per-view. A gestão celeste optou pelo segundo item, que é uma verba variável de acordo com a adesão dos cruzeirenses na compra do pacote do Premiere. No ano passado, o Cruzeiro arrecadou cerca de R$ 45 milhões em pay-per-view. 

Para pagar dívidas e salários, a gestão de Wagner Pires de Sá antecipou R$ 70 milhões em cotas de TV de julho de 2019 a outubro de 2022. Por receber o dinheiro adiantado, teve acesso a R$ 58 milhões, já que o Polo Clubes Fundo de Investimento em Direitos Creditórios, responsável pelo repasse do dinheiro, fica com o restante em forma de juros.

A direção ainda terá que administrar um passivo de salários em 2021. Isso porque os jogadores do Cruzeiro que aceitaram a proposta de redução dos vencimentos neste ano não abriram mão dos valores que tinham a receber do clube pelos contratos vigentes. Os montantes que extrapolam o teto definido pelo clube (cerca de R$ 150 mil) serão pagos de forma parcelada a partir de abril do ano que vem.

“Imagino que o Cruzeiro precise de algo em torno de R$ 500 milhões para retornar a uma situação de estabilidade, pois precisa recompor as receitas que já foram adiantadas, pagar dívidas urgentes, colocar atrasos em dia e ainda ter capacidade de renegociar passivos. Se fosse fácil, outros clubes em situação semelhante já teriam feito. O que choca no Cruzeiro é a velocidade de deterioração. Outros clubes já deixaram de ser competitivos há anos, enquanto o Cruzeiro vencia competições importantes até pouco tempo. Vai precisa sim se reinventar, mudar a mentalidade da gestão, mudar as expectativas da torcida, focar na base e na eficiência da formação do elenco. Tem um longo caminho pela frente", destacou Cesar Grafietti.  

Palavra do presidente

Em entrevista ao Estado de Minas / Superesportes, o presidente do Cruzeiro, Sérgio Santos Rodrigues, disse que o clube é viável financeiramente e avaliou que o endividamento atual está no patamar de outros grandes do futebol brasileiro, como Atlético, Botafogo e Fluminense. 

"Da mesma forma que você vê que Inter, Botafogo, Atlético, Vasco, Fluminense são viáveis, o Cruzeiro também é. A dívida deles não é tão diferente da nossa. A diferença é que não pergunta isso para os presidentes deles. O fato de o Cruzeiro estar na Série B provoca diferença de recursos, então gera dificuldades este ano, mas, com credibilidade e criatividade, podemos superar", disse.

Sérgio Rodrigues afirmou que os passivos que geram mais preocupação no momento são os débitos envolvendo negociações com clubes do exterior que estão na Fifa. Os outros, como processos trabalhistas e dívidas com fornecedores, o dirigente entende que são negociáveis.

"Sem dúvida nenhuma é a Fifa (que gera mais preocupação). Essas (dívidas) não têm como recorrer. Mas é o que eu falo: há clubes cuja dívida não está vencida, e a Fifa tem o procedimento de intimar a pagar em um prazo entre 30 e 90 dias. Há clubes que essa dívida não venceu que negociamos direitos de atletas. Outros estão aceitando parcelamento. A de curto prazo, necessária para se pagar para evitar punição esportiva, é a Fifa. Tirou-se a Fifa, todas as outras dívidas são negociáveis, dentro do sistema jurídico brasileiro", frisou o dirigente.

Exemplos vindos da Europa


Para voltar a ser competitivo, o Cruzeiro pode se inspirar em 'cases' de sucesso na Europa. Clubes que têm gestões eficientes baseadas em administrações inteligentes, investimentos em atletas promissores e apoio do torcedor. Os exemplos usados pelo economista Cesar Grafietti são Borussia Dortmund, Leicester, Lille e Atalanta.

“São clubes que têm menor receita, mas são cada vez mais competitivos, casos do Leicester e da Atalanta, ou mesmo do Lille e do Dortmund. O primeiro passo para se tornar eficiente é entender até onde se pode ir. A partir daí as empresas – e, no nosso caso, os clubes de futebol – precisam lançar mão de técnicas eficientes de gestão e aplicação dos recursos, que são limitados. Isso gera competitividade e não a falsa sensação de que o dinheiro é ilimitado e a conquista esconde tudo”.

O fato de o Cruzeiro ser um celeiro formador pode contribuir para tirar o clube do fundo do poço. “As dívidas são parte do problema e elas criaram um Cruzeiro que foi artificialmente mais forte. Quando o clube tiver que seguir as regras do Fair Play Financeiro, gastando apenas dentro do que arrecada, usando parte das receitas para pagar dívidas, a capacidade competitiva se dará muito pela capacidade de gestão esportiva. Claro que pode voltar a ser competitivo, afinal tem história de formação de atletas e gestão eficiente no passado não tão distante”, concluiu Grafietti.

* Colaboraram Bruno Furtado, Rafael Arruda e Tiago Mattar

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