19 de abril de 2018. Naquele data, às 21h30 (de Brasília), Universidad de Chile e Cruzeiro iniciavam duelo que acabou empatado por 0 a 0 pela terceira rodada da fase de grupos da Copa Libertadores. Cerca de 24 horas antes da partida, dirigentes, conselheiros e familiares aproveitaram, às custas do clube, o cardápio farto do Restaurante Donde Augusto, no tradicional Mercado de Santiago.
Documentos obtidos pelo Superesportes revelam que o ex-vice-presidente, Hermínio Lemos, pagou, com cartão corporativo do Cruzeiro, uma conta de R$ 3.652,00. Fontes ouvidas pela reportagem estiveram no Mercado de Santiago naquela data e presenciaram a mesa repleta de convidados (foto abaixo), cervejas e frutos do mar, especialidade do restaurante. Entre os presentes, conselheiros que acabaram expulsos pelo clube nessa quarta-feira por terem sido remunerados pela antiga administração.
Essa não foi a única oportunidade em que Hermínio utilizou o cartão corporativo do Cruzeiro para realizar pagamentos fora do Brasil. Na Argentina, país frequentado pela delegação celeste em mais de uma oportunidade entre janeiro de 2018 e dezembro de 2019, o ex-vice-presidente quitou três compras em restaurantes, todas acima de R$ 500. Na ‘La Cervecaria’ (R$ 521), ‘Siga La Vaca’ (R$ 515) e ‘La Brigada Restaurante’ (R$ 502).
Se somados os pagamentos em Santiago e em Buenos Aires, Hermínio Lemos utilizou o cartão corporativo do Cruzeiro para pagar um montante de R$ 5.190 em restaurantes durante períodos em que a delegação do clube celeste estava fora do país para duelos pela Libertadores.
Chopp delivery
Assim como o do ex-presidente Wagner, o cartão corporativo de Hermínio também mostra contratação de serviços de chopp delivery durante o mandato. Documentos analisados por auditorias internas e externas indicam que o ex-dirigente usou o cartão corporativo para pagar conta de R$ 1.731 em Chopp Brahma Express.
Outro lado
Procurado pelo Superesportes, Hermínio Lemos garantiu que só utilizou o cartão corporativo do Cruzeiro para comprar produtos para o clube e não de uso pessoal. “Eu sempre emprestei o meu cartão de crédito corporativo a outros diretores quando o Cruzeiro não tinha crédito. Lá estão compras de material de construção (R$ 6.003) , compras de lojas de departamento (R$ 3.347 em Casas Bahia e Americanas), já comprei uma televisão para o Cruzeiro. Tem nota fiscal de tudo, basta ligar para os chefes de compra e responsáveis pelo departamento financeiro”, explicou.
Gerente de compras do Cruzeiro, Waneimar Pereira também foi procurado pela reportagem. “Eu confirmo que, quando necessário, pegávamos os cartões para comprar coisas para o clube. O processo de compras do nosso departamento é extremamente correto. Utilizamos os cartões para conseguir prazo, parcelamentos”, disse o profissional, que admitiu, no entanto, não ter controle sobre gastos de viagens de dirigentes.
Hermínio também foi questionado, especificamente, sobre o pagamento em um restaurante no Chile. “Aquilo foi um almoço que oferecemos para os dirigentes do clube de lá. Vou pagar isso com meu dinheiro? Estava representando o Cruzeiro”. Ele confirmou que conselheiros do clube celeste participaram do encontro. Nas reuniões entre delegações, é praxe que o clube mandante da partida, no caso a Universidad de Chile, convide os visitantes e pague almoços e/ou jantares.
Sobre a compra do chopp express, Hermínio se mostrou surpreso. Ele garantiu que não utilizou o cartão para contratar esse serviço. “Eu jamais comprei chopp no meu cartão. Eu não sei de onde saiu isso. Te peço para também conferir com o chefe de compras se foi algo feito por ele”, disse.
Waneimar Pereira confirmou que o departamento já pagou esse tipo de compra com cartões corporativos. “A gente já fez isso. Compramos chopp ou demos parte do valor do contrato com cartões corporativos. Tudo para nossas festas, como Churrascão, Festa Junina, Festa Italiana, entre outros”, disse.
Investigações
Não há, no Estatuto ou no código de conduta do clube - os dois únicos documentos disponíveis no site oficial -, quaisquer artigos ou parágrafos que tratem exclusivamente da ‘regulação’ do cartão de crédito corporativo. Em geral, no entanto, ele deveria ser utilizado especialmente por supervisores de futebol e por responsáveis pelo departamento financeiro para pagamentos relativos ao dia a dia do clube.
As faturas do cartão de crédito de Hermínio já estão com a Kroll, empresa de investigação corporativa contratada pelo Cruzeiro para auditar cada passo da antiga administração do clube.
Internamente, o Cruzeiro acredita que poderá cobrar dos ex-dirigentes os valores que foram gastos por meio dos cartões corporativos. Não há, até aqui, nas investigações, qualquer sinal de que as quantias tenham sido reembolsadas.
Esta reportagem é a terceira de uma série que pretende revelar, de forma ainda mais profunda, como os ex-dirigentes do Cruzeiro utilizaram de forma desregrada as receitas do clube, que atravessa a maior crise financeira/institucional de sua história e disputará, em 2020, aos 99 anos, sua primeira Série B do Campeonato Brasileiro.
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