Domingo, após o jogo, eu estava sereno até ver Salomé cruzar sozinha a esplanada do Mineirão em guerra e luto. Ao fundo, grafitada no muro a frase “a vida é um sopro”. Ali meu coração partiu e chorei.
A camisa amarela de goleiro, número 1 às costas. A calça azul do Cruzeiro. Manquitolando de uma perna. Os longos cabelos loiros pintados esvoaçados pelo vento, fumaça e gás de pimenta. Como de costume, carregava nos braços seus amuletos.
Passava em ritmo acelerado para suas mais de oito décadas de vida, sem qualquer expressão no rosto. Parecia querer não olhar para trás. Alguns sentados, chorando, a olhavam como quem faz uma súplica em busca de conforto.
Quando ela chegou próxima à escadaria de acesso à rua, foi abraçada por um dos nossos. Ele tentava se consolar nela. Foi o último suspiro de vida que tive a honra de ver em Salomé, pois me virei, sentei no chão e fui remoer o meu momento de dor.
Mal sabíamos... A tragédia futebolística daquele domingo estaria longe de ser a maior. Hoje, 10 de dezembro de 2019, aconteceu a pior delas: a morte da mais doce torcedora de futebol do planeta, que para nossa glória, escolheu o Cruzeiro para ser seu amor.
Não foi seu coração quem parou de lhe dar vida na manhã de hoje. Ela foi assassinada por todos os canalhas que permitiram o acontecido com a razão de viver dessa mulher gigante. Salomé começou a morrer de desgosto às 18 horas do dia 8 de dezembro, bem ali quando a vi passar.
Agora, escrevendo e limpando as lágrimas, vou remoendo as lembranças. Foram várias vezes em que eu e meus companheiros do Coletivo 1921 sussurramos: “temos de fazer o filme da Salomé”. Estava tudo planejado para 2020. Negligenciamos o tempo da vida.
Volto ainda à tarde do último domingo, quando a vi passar. Quis correr e abraçá-la. Não o fiz. Vou me arrepender amargamente disso para o resto da minha vida.
Como bem disse uma amiga nessa manhã de uma das dores mais agudas da minha vida e da de milhões de cruzeirenses da arquibancada, carinho não se adia.
Peço perdão a você, maior ídola da história do Cruzeiro.
Vai ser estrela no seu azul do céu, minha Salomé.