Um dia depois de demitir o vice-presidente de futebol Itair Machado, o Cruzeiro apresentou Zezé Perrella como responsável pela gestão do departamento no clube. De acordo com o presidente Wagner Pires de Sá, o dirigente não será remunerado por desempenhar a função.
“Não carece de apresentação, pois todos nós conhecemos da competência e da capacidade de Zezé Perrella. Ele vai, além das funções de presidente do Conselho Deliberativo, nos ajudar no departamento de futebol. Ele vai gerir o futebol do Cruzeiro. É bom frisar que ele fará isso voluntariamente e sem remuneração”, disse Wagner, em uma das poucas vezes em que tomou a palavra na coletiva.
Quem falou bastante foi Zezé Perrella. Ele respondeu em aproximadamente oito minutos a primeira pergunta na entrevista. O dirigente comparou a situação atual da equipe no Campeonato Brasileiro - 18º lugar, com 21 pontos - à de 2011, quando o time só escapou do rebaixamento na última rodada, goleando o rival Atlético por 6 a 1, em Sete Lagoas. Perrella lembrou que a decadência começou ainda no primeiro semestre daquele ano, na eliminação para o Once Caldas, da Colômbia, nas oitavas de final da Copa Libertadores, depois de campanha quase perfeita na fase de grupos (cinco vitórias e um empate).
“A situação é complicada, me lembra muito 2011, quando tínhamos, no primeiro semestre, o melhor time do Brasil, e fomos desclassificados pelo Once Caldas na Copa Libertadores. A partir dali, as coisas saíram dos trilhos, passamos por dificuldades e quase caímos. O Cruzeiro tem essa marca de ser um dos clubes que nunca caiu no futebol brasileiro, então não vamos deixar perder esse título”, disse.
Quebra de promessa
Para ajudar o Cruzeiro, Zezé Perrella afirmou ter descumprido uma promessa feita aos próprios familiares de não retornar mais ao futebol. “Eu tinha feito compromisso de não trabalhar no futebol, pois sei que, nos momentos ruins, as cobranças são até desumanas e você não tem paz. No futebol há bons momentos, mas não é só alegria. Nos primeiros percalços, a torcida joga contra e você não pode nem sair na rua. Mas voltei para o Cruzeiro porque é minha grande paixão. Tive de trair o compromisso que fiz com meus filhos, com meus irmãos, inclusive o Alvimar, que afirmou que eu não deveria mexer com isso mais. Pelo amor e pela responsabilidade com o clube, vendo esse risco que o Cruzeiro estava correndo, não poderia deixar de ajudar o Cruzeiro a sair dessa situação”.
Salários
Uma das primeiras missões de Zezé Perrella será correr atrás de parceiros para ajudar no pagamento dos salários de agosto e setembro. Pedro Lourenço, dono da rede Supermercados BH, ajudará nas negociações.
“Fiz reunião com eles (jogadores), vou correr atrás (do pagamento de salários atrasados), o Pedro do Supermercados BH está nos ajudando a buscar patrocínio para equacionar a situação financeira e dar aos jogadores tranquilidade para tirar o Cruzeiro dessa situação", revelou.
Longe das baladas
O novo gestor revelou ainda um pedido aos atletas para evitarem excessos em noitadas, já que a situação da equipe no Campeonato Brasileiro é bastante crítica. “O momento é pensar na situação que o Cruzeiro está vivendo.
Sequência fundamental
Perrella acompanhará a delegação do Cruzeiro na viagem a Chapecó, onde o time enfrentará a Chapecoense, às 19h de domingo, na Arena Condá, pela 25ª rodada do Campeonato Brasileiro. Na opinião dele, uma vitória em Santa Catarina será fundamental para o início da arrancada. Depois, a Raposa enfrentará São Paulo, no Mineirão, e Corinthians, fora de casa.
“O Cruzeiro tem sequência de três jogos para conseguir sair. Saindo dessa situação, não creio que voltaremos. Todos os times com 28 pontos, até a situação do Cruzeiro, com 21, não vejo muita diferença. De 30 pontos para cá, todos correm o risco (de cair). Vencer o jogo em Chapecó será fundamental, depois teremos condições de ganhar do São Paulo aqui, apesar de ser um time difícil de ser batido”.
Apoio da torcida
O dirigente espera que a torcida cruzeirense siga empurrando o time e não deixe de acreditar na recuperação. “Conto com a torcida do Cruzeiro e peço que compareçam ao estádio para torcer do princípio ao fim. O torcedor pode nos tirar da situação em que nos encontramos”.
Zezé Perrella, de 63 anos, foi presidente do Cruzeiro em quatro mandatos: 1995/96, 1997/99, 2000/02 e 2009/11. De 2003 a 2008, participou ativamente da administração, sendo vice-presidente de seu irmão, Alvimar de Oliveira Costa. A parceria rendeu títulos importantes, como as Copas do Brasil de 1996, 2000 e 2003, o Campeonato Brasileiro de 2003 e a Copa Libertadores de 1997. O clube ainda construiu o prédio da sede administrativa, no Barro Preto, e a Toca da Raposa II.
ÍNTEGRA DA ENTREVISTA DE ZEZÉ PERRELLA
Situação semelhante à de 2011
“A situação é complicada, me lembra muito 2011, quando tínhamos, no primeiro semestre, o melhor time do Brasil, e fomos desclassificados pelo Once Caldas na Copa Libertadores. A partir dali, as coisas saíram dos trilhos, passamos por dificuldades e quase caímos. O Cruzeiro tem essa marca de ser um dos clubes que nunca caiu no futebol brasileiro, então não vamos deixar perder esse título”.
Retorno ao futebol
“Eu tinha feito compromisso de não trabalhar no futebol, pois sei que, nos momentos ruins, as cobranças são até desumanas e você não tem paz. No futebol há bons momentos, mas não é só alegria. Nos primeiros percalços, a torcida joga contra e você não pode nem sair na rua. Mas voltei para o Cruzeiro porque é minha grande paixão. Tive de trair o compromisso que fiz com meus filhos, com meus irmãos, inclusive o Alvimar, que afirmou que eu não deveria mexer com isso mais. Pelo amor e pela responsabilidade com o clube, vendo esse risco que o Cruzeiro estava correndo, não poderia deixar de ajudar o Cruzeiro a sair dessa situação”.
Convite de Wagner Pires de Sá
“O Wagner teve um gesto de humildade. Ele disputou eleição contra meu candidato (Sérgio Santos Rodrigues), fomos derrotados, e foi muito ruim para o clube, pois o Cruzeiro se transformou em duas correntes. O Wagner, como cruzeirense que é, me fez esse apelo para ajudar o Cruzeiro a sair dessa. Eu, como ex-presidente do Cruzeiro, me senti na obrigação de ajudar. Nesse momento, é deixar as divergências políticas para trás e pensar no Cruzeiro”.
Diretoria anterior
“Desde o primeiro momento procurei o Wagner e disse que estava disposto a ajudar, mas a diretoria de futebol nunca me consultou. Cometeram alguns equívocos que vez o Cruzeiro chegar à condição de brigar para não cair. Agora, vou fazer tudo que estiver ao meu alcance para que o Cruzeiro não caia”.
Eleição em dezembro de 2019
“O Wagner demonstrou humildade ao concordar com essa eleição em meados de dezembro. Isso mostra a preocupação que ele tem com o Cruzeiro. Qualquer pessoa que entrar para administração do Cruzeiro vai ter dificuldade. Eram R$ 450 milhões de dívida, e na época da eleição disse a ele que havia arrumado um inferno. O que me fez desistir (de ser candidato a presidente) foi a situação financeira do Cruzeiro. Não tive coragem de ser candidato por isso. Meu jeito de trabalhar era diferente da diretoria que me sucedeu. Vendia jogadores, era acusado de mercantilista, mas fazia isso porque sabia se não pagasse em dia, você não receberia nada”.
Salários atrasados
“Fiz reunião com eles (jogadores), vou correr atrás (do pagamento de salários atrasados), o Pedro do Supermercados BH está nos ajudando a buscar patrocínio para equacionar a situação financeira e dar aos jogadores tranquilidade para tirar o Cruzeiro dessa situação. Fiz também apelo a eles, não quero ninguém na noite, pois o momento é pensar na situação que o Cruzeiro está vivendo”.
Sequência do Cruzeiro
“O Cruzeiro tem sequência de três jogos para conseguir sair. Saindo dessa situação, não creio que voltaremos. Todos os times com 28 pontos, até a situação do Cruzeiro, com 21, não vejo muita diferença. De 30 pontos para cá, todos correm o risco (de cair). Vencer o jogo em Chapecó será fundamental, depois teremos condições de ganhar do São Paulo aqui, apesar de ser um time difícil de ser batido”.
Apoio da torcida
“Conto com a torcida do Cruzeiro e peço que compareçam ao estádio para torcer do princípio ao fim. O torcedor pode nos tirar da situação em que nos encontramos. Não deixei as funções de presidente do conselho. Vou coordenar o departamento de futebol até dezembro. Depois, cumprirei o mandato de presidente do Conselho. É uma situação emergencial, nunca pensei que voltaria como dirigente, mas as circunstâncias me levaram a isso. Se Deus quiser, vamos sair dessa situação”.
Saída de Itair Machado
“O presidente me disse que ele foi demitido. Existe uma multa sim, mas tenho certeza que o Itair tem condição de abrir mão. É o que a gente vai tentar. Vou procurá-lo para buscar um acordo e acabar de vez com essa conversa. Todo mundo sabe da relação que tive no passado com o Itair, ajudamos o Ipatinga, não sou inimigo dele, mas não concordo com a maneira centralizadora com a qual ele dirigia o Cruzeiro. Ele teve experiência vitoriosa no Ipatinga, mas o Cruzeiro é outra situação, a cobrança é outra. Mas enfim, já passou, ele entendeu que era melhor sair e fez a melhor coisa possível para o Cruzeiro. A cobrança em cima dele era grande demais. Certamente causou instabilidade na equipe. O que queremos agora é paz. Faço apelo aos conselheiros que pensam diferente de mim, muitos acham que fizemos acordo e eles não foram ouvidos. Não tenho condições de tomar decisão dessa altura ouvindo 100 pessoas. Peço agora que tenhamos paz. Vamos deixar política para lá”.
Relação com Pedro Lourenço, dono do Supermercados BH
“O Pedro, se quiser, será o candidato meu, do Wagner, do Gilvan e do Alvimar. Estou conversando com ele para ser o patrocinador master. Vamos ver a possibilidade. Mais importante que o patrocínio é que ele vai tentar nos arrumar junto aos fornecedores do supermercado dele. O apoio dele é importante até por isso, pois sua capacidade de trazer recurso é maior do que a de qualquer candidato, pelo seu poderio empresarial. O Pedro fundou sua primeira loja com 40 anos de idade. Hoje ele tem 60 (63, na verdade) e mais de 200 lojas. Quer dizer, ele montou um supermercado por mês. Então, será um presente para nós se ele aceitar o desafio. Ele é desprendido, sem ser presidente está ajudando muito. O Pedro Júnior, filho dele, será meu assessor direto no futebol. Ficará com a gente nesse período até sair da situação. Quero agradecê-lo publicamente. É por causa de cruzeirenses como ele que o Cruzeiro seguirá forte. Não vamos cair não”.
Dificuldade no futebol
“Dificuldade no futebol sempre houve. Para se ter uma ideia, houve um ano em que fomos campeões da Copa do Brasil (1996) e, três dias depois, teve um jogo em Nova Lima em que tomei um copo de urina na cabeça. Para você ver a passionalidade do torcedor. A gente entende, isso é paixão pelo clube, e eu faço um apelo às torcidas organizadas do Cruzeiro para nos dar tranquilidade para sairmos dessa situação. É uma torcida muito apaixonada, e todos nós estamos muito preocupados”.
Risco de rebaixamento
“Se o Cruzeiro estivesse bem, vocês não estariam me vendo aqui. Vim realmente para tentar ajudar e falei com o presidente Wagner: já passei por essa experiência em 2011 e sei do sofrimento que é, da angústia de escapar somente na última rodada. Nós não podemos deixar isso acontecer. Não podemos chegar no último jogo com a possibilidade de rebaixamento”.
Pagamento de salários
“Vou procurar equacionar sem marcar a data certinha. Mas vou buscar recursos e correr atrás de algumas situações para deixar essa parte financeira equilibrada e que eles tenham mais tranquilidade para jogar. A gente sabe que quando falta dinheiro e tudo mais, a situação é complicada. Não estou criticando, todo trabalhador tem que receber sua remuneração em dia. É isso que tentaremos fazer. Não posso chegar perto de um jogador, chamar a atenção e ele: ‘e o meu, como fica?’. Então, é o que falo: às vezes eu vendia jogador para não ter de ouvir isso”.
Confiança na recuperação
“Estou muito confiante. Dá tempo ainda. São 14 rodadas, tenho certeza de que se ganharmos esse jogo lá fora, um jogo difícil, teremos tranquilidade para jogar contra o São Paulo. Se tivermos uma sequência de dois ou três jogos vencendo, teremos tranquilidade. Acredito que se sairmos da zona de rebaixamento, o Cruzeiro não volta. Cruzeiro tem um plantel qualificado, não era para estar nessa situação”.
Sem excessos
“Com relação aos jogadores não saírem (para a noite), eu sei, eu fiquei no Cruzeiro todos esses anos e o jogador tem direito de ter sua vida particular. Mas pelo momento de dificuldade que estamos vivendo, não é hora de sair, não é momento para isso. O próprio torcedor encontra um jogador desses na noite, ainda que seja folga dele e não haja jogo no dia seguinte, a leitura que se faz é de esculhambação. A pressão vem de fora para dentro. Então pedi a eles cuidado com essas coisas. Até porque também saio à noite, e se eu pegar um deles, terão problemas comigo”.
Conversa com Abel Braga
“Eu não acompanhei o dia a dia aqui, mas senti que o grupo está fechado. O próprio Abel me passou isso, que os jogadores estão comprometidos e estão tentando. A gente não pode negar que o time correu nos dois jogos. O time se esforçou. É porque não deu mesmo, demos azar, fomos roubados por esse VAR no jogo do Fluminense, era o jogo que poderíamos ter ganhado. Seria o jogo chave para a gente. Mas tem tempo”.
Elenco mais barato e categorias de base
“Acho que dá para você, com inteligência e tudo, montar um elenco mais barato e qualificado. Prova disso é o Athletico Paranaense. Não sei qual é a folha, mas deve ser metade da nossa. O próprio Bahia, em posição inferior, tem elenco mais barato. Sabemos que não montaremos grande time com salários baixos, mas tenho comigo que dá pra reduzir. Temos de fazer trabalho nas categorias de base, pois não vislumbro ninguém com capacidade em curto prazo de fazer dinheiro com esses atletas. Estou sugerindo para o ano que vem que trabalhemos com três categorias só. Podemos terceirizar as categorias menores, fazendo convênios com clubes do interior. Nós gastamos hoje 18 milhões com categoria de base, e acho que isso hoje é inviável. Em cinco anos você gasta… e o que acontece? Você tem que comprar o jogador pra própria base. Acho que temos de rever isso aí, trabalhar com infantil, juvenil e júnior - ou só juvenil e júnior - e deixar as demais categorias terceirizadas. Poderíamos economizar 9 milhões por ano”.
Pedido aos torcedores para se tornarem sócios
“Vamos fazer um apelo para que torcedores sejam sócios novamente. Precisamos de caixa, não podemos fazer ingresso de 4 reais, não temos condições. temos de rever isso, e o torcedor precisa entender. Não temos condições de cobrar ingresso de 4 reais. O torcedor precisa nos ajudar sabendo da nossa crise financeira. Ele pode contribuir pagando um valor a mais. Se entrar dinheiro, vai facilitar tudo. O problema maior do Cruzeiro é o financeiro. Tenho de reconhecer que o Wagner pegou o Cruzeiro em situação de calamidade financeira. E deu no que deu”.
Renúncia dos vice-presidentes Hermínio Lemos e Ronaldo Granata
“Combinei com o presidente Wagner, a partir do momento em que ele me disse que estava disposto a encurtar o mandato, a não ter essa reunião. Não vejo porque ter essa reunião do dia 21. Há risco de judicialização, e não seria decidido até dezembro. Brigar por brigar não temos de pensar nisso agora. Falta a palavra final dos outros dois vices. O Granata me garantiu que, por ele, não há problema. Ele abre mão. Então tudo caminha para isso. Se isso acontecer, se tivermos os compromissos do Hermínio e do Granata, não há porque ter essa reunião para o dia 21. É preciso que eles entendam a gravidade do momento. São duas pessoas com capacidade para serem presidentes, mas, neste momento, precisamos de pessoa com capacidade de gerar recursos ao Cruzeiro”.
Fotos da entrevista de Zezé Perrella, novo gestor de futebol do Cruzeiro