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Cruzeiro cedeu 'direitos' de criança de 11 anos em contrato com empresário, mas diretoria afirma que se tratava de 'garantia'

Clube repactuou contrato com empresário nesta segunda-feira, um dia após divulgação de denúncias, e tratou acordo feito em 2018 como 'garantia de empréstimo'

Bruno Furtado Matheus Muratori
Wagner Pires de Sá e Itair Machado alegaram que o documento não passou de uma 'garantia' - Foto: Tulio Santos/EM/D.A Press
A diretoria do Cruzeiro usou percentuais de direitos econômicos de dez atletas, entre eles uma criança de 11 anos, que sequer pode ter um contrato profissional, para quitar empréstimo (mútuo) de R$ 2 milhões contraído em 1º de março de 2018 com o empresário Cristiano Richard. O detalhe é que o pequeno Estevão William, hoje com 12 anos, só passará a ter legalmente direitos econômicos em 2023. Até lá, seguirá apenas com seu vínculo de formação.

A Lei Pelé e o Estatuto da Criança e do Adolescente proíbem negociações envolvendo crianças. O primeiro contrato profissional só pode ser assinado por atletas aos 16 anos.

Em longa entrevista coletiva na Toca da Raposa II, o presidente Wagner Pires de Sá e o vice de futebol Itair Machado alegaram que fizeram uma “cesta” de percentuais de atletas para quitar o empréstimo com Cristiano Richard um mês depois (3 de abril de 2018). Segundo eles, a intenção era evitar que o débito de R$ 2 milhões aparecesse no balanço financeiro fechado naquele mesmo mês.

A denúncia foi divulgada pelo programa Fantástico, da TV Globo, no domingo à noite. Além de Estevão William, o Cruzeiro repassou percentuais de outros nove atletas a Cristiano Richard como forma de pagamento da dívida. Essa prática também foi proibida pelo artigo 18 do Regulamento de Transferência de Atletas da Fifa, em vigor desde 1º de maio de 2015.

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Nesta segunda-feira, o Superesportes teve acesso ao contrato de mútuo firmado entre Cruzeiro e o empresário Cristiano Richard. O documento foi lavrado no 6º Tabelionato de Notas de Belo Horizonte e trata os dez atletas envolvidos no negócio (ver lista abaixo), inclusive Estevão William, como profissionais.
A Cláusula Quarta define o contrato como “irretratável”.

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CRUZEIRO ALEGA QUE CONTRATO ERA 'GARANTIA'

Apesar disso, Wagner Pires de Sá e Itair Machado alegaram que o documento não passou de uma “garantia” de pagamento da dívida
, até hoje parcialmente pendente. Ainda em 2018, o Cruzeiro alegou ter quitado R$ 600 mil com Cristiano Richard. Já nesta segunda-feira, dia seguinte à divulgação da reportagem pelo Fantástico, o restante da dívida, no total de R$ 1,4 milhão, foi repactuado. O valor pendente será pago em oito parcelas.

Itair chegou a alterar o tom de voz em alguns momentos da entrevista quando foi indagado sobre as razões de usar uma criança e percentuais de direitos de atletas de base e profissionais como 'garantia'.

“O Cruzeiro jamais venderia e nem empresário é burro de comprar menino de 12 anos. Ele entrou em cesta de garantia para empréstimo. Fez empréstimo por necessidade. O Cruzeiro não diminuiu o patrimônio, não vendeu, e não houve desonestidade (...) Juridicamente, o que vale o contrato de hoje. O Cruzeiro vai pagar em 8 parcelas de R$ 195 mil”, disse Itair Machado.



A escolha de uma negociação ilegal para quitar o contrato de mútuo, segundo o vice-presidente, foi a falta de outras garantias. “Porque infelizmente, como a gente deve muito, a pessoa tem que ter garantia. O Cruzeiro para dar garantia de imóvel tem que ter aprovação do Conselho. Naquele momento, o Cruzeiro tinha dívida de impostos e tinha que completar a folha. O clube mantém 100% em dia os salários com o apoio de emergência que foi feito. E pedir ao Conselho para dar garantia de imóvel levaria no mínimo 40 dias.
Não é só o Cruzeiro que faz essa operação. O Cruzeiro deu garantia em atletas porque o nosso maior patrimônio são os atletas”.

O Cruzeiro fez isso daí por questão de lançar no balanço (de abril), e para lançar tem que comprovar o pagamento, senão seria lançado no balanço como dívida. Não maquiou (o balanço). A matéria (da TV Globo) deu dupla interpretação. Isso gerou essa dupla interpretação, se foi venda (dos direitos dos atletas) ou se foi garantia. Mesmo estando no papel, o importante é a atitude, a ação. O importante é que, pelos documentos que o Cruzeiro tem, o Cruzeiro pagou duas parcelas (R$ 200 mil e R$ 400 mil, totalizando R$ 600 mil) antes de vender dois jogadores que estavam na lista (Vitinho e Gabriel Brazão)”, acrescentou Itair Machado, acompanhado também do diretor financeiro Flávio Pena e do advogado do departamento de futebol, Edson Travassos.

Cruzeiro afirmou ter usado os R$ 2 milhões emprestados por Cristiano Richard para completar o pagamento de impostos e salários. “Foi complementação, pois R$ 2 milhões não dá para nada”, concluiu Itair Machado.



PRESIDENTE DO CRUZEIRO DESCARTA PUNIÇÃO

O presidente Wagner Pires de Sá garante que o Cruzeiro não sofrerá sanções da Fifa ou da Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD) da CBF por ter repassado direitos econômicos de atletas a um empresário. “Não terá penalidade. Não houve delito, nada diferenciado que possa prejudicar nossos contratos com CBF e Fifa”.

O QUE DISSE CRISTIANO RICHARD

Em nota, o empresário informou que "em nenhuma circunstância se pretendeu criar relação de parceria em direitos econômicos de atleta, mas apenas inserir cláusulas contratuais e condições que garantiriam o recebimento do empréstimo".

Leia mais: Veja tudo o que sabemos (e noticiamos) sobre as denúncias contra a diretoria do Cruzeiro

Os percentuais de atletas cedidos em contrato a Cristiano Richard:

David Correa da Fonseca (David) – 20%
Alejandro Santana Viniegra – 20%
Marco Antonio de Oliveira Coelho – 20%
Carlos de Menezes Júnior (Cacá) – 20%
Julio Cesar Pereira – 20%
Victor Alexandre da Silva (Vitinho) – 20%
Gabriel Nascimento Resende Brazão – 20%
Estevão William A.
de Oliveira Gonçalves – 20%
Raniel Santana de Vasconcelos – 5%
Murilo Cerqueira Paim – 7%


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