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Rodízio, viciados em exercício, velozes, resistentes: Eduardo Silva, preparador físico do Cruzeiro, faz revelações sobre elenco bicampeão da Copa do Brasil

Dudu, como é conhecido na Toca da Raposa II, vê mescla de experiência e juventude como um dos pilares do sucesso celeste. Ele ainda opina sobre calendário e revela qual é o maior vilão do condicionamento físico

24/11/2018 08:02 / atualizado em 24/11/2018 01:47
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Eduardo Silva, de 47 anos, é o responsável pela preparação física do elenco do Cruzeiro
foto: Leandro Couri/EM/D. A Press

Eduardo Silva, de 47 anos, é o responsável pela preparação física do elenco do Cruzeiro

 Aos 47 anos, com 23 de profissão, Eduardo Silva é o responsável pela preparação física dos jogadores do Cruzeiro. Papel muito importante quando se tem um grupo com vários jogadores acima dos 30 anos, como é o caso da Raposa, atual bicampeã da Copa do Brasil. Porém, faz questão de dividir os méritos com membros da comissão técnica e, principalmente, com os atletas. “Temos um grupo que compete muito”, diz ele, que se formou em 1995 pela Escola Superior de Educação Física e Desportos de Catanduva (SP), e especializou-se em fisiologia do exercício pela Escola Paulista de Medicina (EPM), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O mestrado em Ciência do Movimento Humano foi realizado na Universidade federal do Rio Grande do Sul (UFGRS). O preparador físico trabalhou ao lado de Mano Menezes pela primeira vez em 2010, no Corinthians. Embora não tenha acompanhado o treinador na Seleção Brasileira, Dudu, como é conhecido, esteve com Mano no Flamengo, no Shandong Luneng-CHI e nas duas passagens pelo Cruzeiro.

Nesta entrevista exclusiva ao Superesportes e ao Estado de Minas, Eduardo Silva revela curiosidades do elenco e do dia a dia de treinos, explica como funciona o rodízio de jogadores e fala das estratégias para motivar o grupo nas semanas de trabalho e nas palestras pré-jogo. Ele ainda lembra da vida na China, opina sobre calendário e conta qual o maior vilão do condicionamento físico de um atleta profissional.

O Itair Machado nos disse, em entrevista recente, que a média de idade do elenco do Cruzeiro, atualmente mais alta, não preocupa por causa da tecnologia como aliada da preparação física. Disse que os jogadores mais experientes do elenco podem jogar até quase 40 anos em alto nível. Qual a sua visão?
 
É uma pergunta que vai ao encontro daquilo que o Itair disse. O que a gente acredita que é que se a gente pudesse mesclar a experiência com a juventude... Não tenha dúvidas, um atleta de 20 anos tem muito mais vigor do que um atleta de 40 anos. O importante é mesclar isso aí. Quando a gente consegue ter atletas, e não simplesmente jogadores de futebol, óbvio que a gente potencializa isso com as ferramentas que temos e com a forma de trabalho. Mas, ao mesmo tempo, temos que entender que o que caracteriza o envelhecimento é a demora na recuperação. E se temos muitos jogos domingo e quarta, um atleta mais velho tem mais dificuldade para se recuperar. Esse é o fator que a gente não consegue interagir. Por mais que a gente possa, como equipe, trabalhar bem, se eu pegar meu pai, que tem 75 anos, ele vai ter dificuldade para se recuperar em relação ao Arrascaeta, que é novinho. Então a gente tem que buscar um equilíbrio entre a experiência e a juventude.


 
Quais os cuidados da equipe de preparação física do Cruzeiro com os jogadores mais experientes, acima dos 30 anos, como Thiago Neves, Rafinha, Fred, dentre outros?
 
A gente entende assim. Um ser humano para ficar em pé, como você está me entrevistando, precisa de força. A partir do momento que você tem força, a gente melhora os componentes de resistência. Existe o atleta que é veloz e o atleta que é resistente. Isso são características. Temos atletas que conseguem manter um nível de velocidade por mais tempo em função da juventude. Mas vou deixar uma coisa bem clara para vocês: o que nós podemos fazer é, em função das informações que a gente tem, é potencializar os atletas. Então, ninguém transforma um atleta lento em rápido. Isso a gente não muda. Porque, senão, aparece num momento em que tivemos um ano maravilhoso, que a preparação física é salvadora da pátria. Não, não é. Ela é um elemento que ajuda a quem tem competência e qualidade para serem trabalhadas.

Eduardo sobre Leo: 'Eu nem gostaria de citar um atleta como exemplo geral, mas ele é um expoente'
foto: Bruno Haddad/Cruzeiro

Eduardo sobre Leo: 'Eu nem gostaria de citar um atleta como exemplo geral, mas ele é um expoente'



O Leo, que tem 30 anos, é um jogador que se machuca pouco e raramente é poupado. Qual o segredo de um jogador como ele?

Você falou de uma exceção. O Leo é um atleta na essência. O Leo, a gente brinca que eu estando aqui no Cruzeiro ou não, ele está fazendo o trabalho dele tão bem. Isso é muito importante. É um atleta que se alimenta bem, que tem bons hábitos.  A gente tem o hábito de se apresentar 45 minutos antes para fazer exercícios preparatórios para o jogo. O Leo é tão rigoroso que em 45 minutos ele está fazendo toda a sequência de trabalho dele. Ele se alimenta bem antes, durante o treino, treina com qualidade e depois ele paga esse esforço se alimentando bem para recuperar e dormindo bem. É isso que é o modelo. Você citou o Leo. Eu nem gostaria de citar um atleta como exemplo geral, mas ele é um expoente.

O Rafinha, com 35 anos, é, aparentemente, um dos que mais correm no time do Cruzeiro. Por que ele tem um condicionamento físico tão bom com essa idade?
 
Uma questão importante é a competência do atleta. Um atleta, quando tem condição e bons hábitos, facilita demais. A gente se engana que, com uma hora e meia de treinamento durante o dia, eu possa resolver todo o processo. E os demais horários? O Rafinha tem um lastro, ou seja, sempre foi bem treinado, teve uma sequência de trabalho que ajudou bastante e é um atleta que tem essas competências. O que a gente ressalta é que não podemos ficar com uma foto. Caso contrário, eu traria hoje o Tostão para treinar, o Nelinho, e assim vai. Esses atletas todos passam por um processo de envelhecimento que todos nós temos que tomar cuidado, não é apenas no Cruzeiro, mas de uma forma geral. Isso é uma forma de informar o próprio torcedor.

RODÍZIO DE JOGADORES


 
Como funciona internamente a decisão do rodízio? Quando as decisões são tomadas? Quais departamentos são consultados? Explique de forma didática ao torcedor como isso é feito.
 
Essa pergunta nos ajuda demais. A gente tem uma característica de trabalho que quem toma a decisão é o Mano. As demais áreas – fisiologia, preparação física, fisioterapia, departamento médico – passam informações que são elementos que, quando olhado no todo, têm-se um peso. Nenhuma área por si só é responsável por tirar o atleta. Talvez só a médica, porque aí tem uma limitação, sem a parte funcional estabelecida. Ou seja, se ele estender a perna, ele sente dor. Se ele sentir dor, limita o movimento. Aí não vai dar. A fisiologia tem vários parâmetros. É como se alguém fosse fazer o exame de sangue. Você vê se tem colesterol, se percebe se TGO e TGP do seu fígado estão alterados, enfim. Feito esse mapa, a gente começa a juntar mais informações. Aí dizemos: ‘treinador, a questão é a seguinte: o determinado atleta está numa sequência de seis, sete jogos, e ele tem piorado jogo a jogo em função dessas informações. O que a gente percebe? Que ele está declinando a forma dele’. Aí tem o jogo decisivo, de final da Copa do Brasil, ele vai jogar. Deu para entender? ‘Ah, a gente tem mais 10 jogos, e a gente percebe que, na sequência, como ele está caindo muito a forma, se a gente o tirar de um jogo, o corpo restabelece’. A diferença do atleta é que tudo nele é mais rápido (recuperação).
 
Numa eventual decisão de poupar ou não, a palavra do atleta tem peso?
 
Muito bom ser entrevistado quando se tem essa dimensão. A gente não pode olhar para o cara como uma máquina, um braço, uma perna ou alguma coisa assim. Temos que ver o todo. Muitos atletas começam a ter os filhos, e eles têm dificuldade para dormir. Eles pedem para dormir aqui. Ah, eles não gostam dos filhos? Claro que gostam! Mas é que eles têm um processo de reta final de competição e percebem que acordam às 3h da manhã, vão ao banheiro, e ficam com o sono picado, que dificulta. É preciso falar com o atleta. Às vezes ficamos olhando números. O treinador fala com o atleta sim. ‘Olha, tive dificuldade para isso, para aquilo lá’. Entre os meus atletas posso falar. No primeiro jogo contra o Flamengo, na final da Copa do Brasil do ano passado, nós tivemos o atleta Robinho que falou: ‘Eduardo, eu parecia um bife. Eu ficava assim: rodando, rodando, rodando e não conseguia dormir’. Ele foi para o jogo com uma péssima noite de sono. E aí? Tudo isso pesa. Então, o atleta participa e é perguntado sim.

CURIOSIDADES SOBRE O ELENCO



Nos testes feitos pela comissão técnica, qual é o jogador mais rápido do elenco do Cruzeiro?
 
Olha, o que a gente faz. Esse era um modelo de muito tempo, que se fazia um teste e determinava que esse era mais rápido. Hoje, a gente faz controles. E os controles, que eram a cada dois meses, passaram a ser diários. Por isso, eles têm um GPS. Em determinados treinos e propostas, há atletas que são mais rápidos. Óbvio que Arrascaeta é mais rápido que o Leo, não tenha dúvidas. Mas a gente consegue ver, nos treinamentos, quem consegue manter esse nível de velocidade. Outra coisa: ele não está sendo veloz pelas regras que colocamos, ou seja, não faça isso, não faça aquilo. São regras limitantes que podem alterar o desempenho físico do atleta. Tudo isso é pensado. Eu entendi a pergunta, mas a gente não faz um teste de velocidade: ‘esse é rápido, esse não é rápido’. Não, isso mudou bastante.

Arrascaeta é um dos jogadores mais rápidos do elenco e também se destaca pela mobilidade
foto: Leandro Couri/EM/D. A Press

Arrascaeta é um dos jogadores mais rápidos do elenco e também se destaca pela mobilidade


 
Um caso específico é o do Dedé, que tem um tempo de bola muito bom e uma impulsão forte. Como ele chega a esse nível? Isso é treinado ou é nato?
 
Existem características. Não há meia gravidez. O atleta é rápido. O Dedé tem uma predominância de fibras brancas, que são fibras de velocidade. Se o Dedé ficar parado por três anos, ele vai ser mais rápido que meu pai. Ele não vai ser mais resistente, porque vai se cansar, mas será mais rápido. Outra coisa é a tomada de decisão, que pertence ao atleta. Quando a gente junta um atleta com fibras de predominância de velocidade, um atleta que é esguio, é alto, olhe a diferença. Se o Dedé saltar um metro e eu saltar um metro, ele tem quase dois metros, eu tenho 1.70. Forcei 1.70, é 1.68 (risos). Mas deu para entender? Essa é a junção. Óbvio que temos trabalhos que estimulam isso, pois, através da força, a gente contrai mais fibras. Uma questão muito rápida: como o músculo vai entender a força para escovar os dentes e chutar uma bola rápida? Então é o fato de recrutar mais ou menos fibras desse músculo. Assim, a gente treina para, no campo, ele falar: agora vou usar mais força, agora vou usar menos força. A gente estimula para que ele tome a decisão. O músculo dele tem que estar preparado.

Dedé foi apontado por Eduardo Silva como um dos jogadores com características de velocidade no elenco
foto: Leandro Couri/EM/D. A Press

Dedé foi apontado por Eduardo Silva como um dos jogadores com características de velocidade no elenco

  
 
Quais os jogadores são os destaques no condicionamento físico no Cruzeiro?
 
Nós temos sim, nosso grupo é muito bom. Se eu for falar do Fred, é chover no molhado. Nosso grupo é fantástico, desde o Sassá, são atletas com características diferentes. O que seria um dia muito bacana era se vocês tivessem acesso à parte interna do nosso vestiário por uns 15 minutos. É como perceber o seguinte: como acontecem as coisas dentro de casa. A gente tem uma rede de futevôlei que tem uma competição muito grande; eles têm o peteleco (na orelha), o clima é muito importante. Através isso, a gente cria unidade. É importante a gente se gostar. E não é: ‘ah, eu sou profissional’. Ser profissional é muito relativo. Eu preciso competir com você, mas, ao mesmo tempo, cooperar com você. Respondendo à pergunta: temos vários atletas com características diferentes. Uns mais falantes, uns que colocam a música, outros que têm o hábito, como falei do Leo, que acabam incentivando os demais.

foto: Bruno Haddad/Cruzeiro

 
Qual a importância dos jogos de futevôlei, futmesa e outras modalidades para o bem-estar do time?
 
Você falou uma palavra ótima: bem-estar. A gente joga futebol pelo lúdico. Quem está me ouvindo vai pensar: ‘então quer dizer que eles não querem ser remunerados?’. Não é isso. Quem começou a jogar futebol, começou pelo lúdico do jogar, do competir, de um lance bonito e por aí vai. O futevôlei traz isso. É um tipo de competição na qual você tem que ter uma técnica, caso contrário você não consegue interagir com seu companheiro e vencer o adversário. Isso gera uma competição. Internamente, começa a esquentar lá dentro, além de ser uma atividade física que a gente gosta bastante. Mais ou menos saltos dependerá da proximidade do jogo. Mas então o futcaixa e o futmesa têm esse controle. Eu tenho alguns vídeos e entendo que vocês precisam receber essas informações para perceber o quanto animicamente faz bem, melhora o bem-estar e o convívio oficial.

foto: Bruno Haddad/Cruzeiro

 
Quais são os viciados em exercício do elenco do Cruzeiro?
 
Nós temos o Leo e o Manoel. Eles têm uma rotina de que, se não fizerem o abdominal, não está legal. Até brinquei com o Manoel, que estava tirando a camisa: ‘poxa, Manoel, isso é covardia, todo trincado’. Faz bem para a autoestima deles. Eles têm uma rotina de que se não fizer, é como se tivesse ido a uma festa e não tomado o refrigerante que queria. Falta alguma coisa.

Eduardo Silva citou os zagueiros Leo e Manoel (foto) como atletas viciados pelo exercício físico
foto: Bruno Haddad/Cruzeiro

Eduardo Silva citou os zagueiros Leo e Manoel (foto) como atletas viciados pelo exercício físico


 
Quem tem um condicionamento físico natural mais privilegiado?
 
Nós temos um grupo de excelência, com características diferentes. Você citou o Dedé, que tem uma característica de impulsão e velocidade que é um privilégio. O Arrascaeta que tem a sua agilidade. O Thiago Neves que tem sua resistência. Então, veja só: são vários atletas que hoje, nesse topo do Cruzeiro, são privilegiados. É um processo de seleção natural. Não chega um mais ou menos. Não consegue ficar (no elenco).

Thiago Neves (e) foi apontado como um dos jogadores com maior resistência do grupo celeste
foto: Leandro Couri/EM/D. A Press

Thiago Neves (e) foi apontado como um dos jogadores com maior resistência do grupo celeste


 
SOBRE O VELHO MIGUÉZINHO 
 
Em tempos de tecnologia e alta competitividade, ainda existe o famoso ‘migué’ no futebol?
 
Tem no futebol. O que acontece, para nossa surpresa, é que temos um grupo que compete muito. E eles sabem que, se fizerem isso, estará dando espaço para outro. Exemplo: estou competindo com Dedé e falo: ‘hoje não estou a fim de treinar’. O Dedé está lá no campo. ‘Ah, amanhã não vou, tem um jogo lá na Bahia e não quero ir’. Ele está jogando. Aí ele tem o quê? Continuidade. E quando um atleta de alto nível do Cruzeiro tem continuidade, é muito fácil se esquecerem de mim. Quando a minha falta não faz falta...


 
Existe algum jogador no grupo do Cruzeiro que inspira mais cuidados fisicamente?
 
Olha, a síntese da entrevista eu quero deixar bem claro: graças a Deus e é por isso que nesses três anos temos três títulos e um vice. A gente não tem um grupo de ‘migué’. Se tivesse, a gente não ganharia. E outra: há um processo de seleção a cada ano, vai renovando, e esse ‘migué’ estaria saindo. Não que quem saia é, é um processo de renovação que envolve. Mas não tem isso aqui. O que nós temos é esse trabalho preventivo. Há uma máquina aqui na qual o atleta vai lá e tem um índice a ser atingido, que vai melhorando ao longo do tempo. Seria muito bacana vocês terem acesso para visualizar o que eu estou falando. Vários maquinários e procedimentos onde cada atleta faz algum tipo de trabalho. Lembra do Arrascaeta, quando teve problema no osso? Ali todos fazem esses trabalhos.
 
Tem algum tipo de exercício funcional para colaborar com o futebol?
 
A gente tem a necessidade de aumentar o vocabulário motor. Nas férias, colocamos atividades para aumentarmos esse vocabulário motor e eles terem um prazer. O futevôlei é uma das atividades. Aqui, por exemplo, não há nenhum atleta que fale: ‘ah, eu gosto de jogar golfe’. Eles gostam de atividades em que possam competir, apostar e por aí vai. A gente incentiva pelo entendimento muito maior que no vocabulário motor fica mais fácil de eu falar com você e estar fazendo muitos movimentos que não me atrapalham em nada. O corpo, quando ele entende isso que não atrapalha em nada gerar um movimento e falar com você, eu tenho mais facilidade na coordenação.

EDUARDO SILVA COMO MOTIVADOR


 
Os vídeos de bastidores do clube revelaram o seu papel antes dos jogos como palestrante, motivador. Como surgiu isso?
 
Eu até entendo, é muito bacana isso, não sabia dessa dimensão. Mas um lembrete que a gente pensa é simplesmente avisar aos atletas o que pode acontecer. Eles sabem disso. Gosto muito de falar sobre armadilhas do sucesso. É muito comum que, depois do topo, só haja descida. Quando a gente se acha ‘o cara’, sabe o que acontece? Talvez eu não chegue para trabalhar no mesmo horário; talvez eu não leia mais porque entendo que, se ficar apenas no WhatsApp trocando umas figurinhas, é o suficiente; talvez eu entenda que, pelo fato de a gente ter ganhado duas vezes a Copa do Brasil, tanto faz se ganhar ou perder do Flamengo. Não é assim. Uma coisa é clara: quando a gente deixar de produzir, vai chegar um outro você, um outro eu, seis ou sete anos mais novo, com aquele vigor que tínhamos lá atrás. E sabe o que vai acontecer? Vão se esquecer da gente. Isso é inevitável. Então, precisamos lembrar aos atletas que não é apenas mais uma partida. O Fred entrou e fez dois gols. E se o Fred pensasse: ‘não, já fui a uma Copa do Mundo, estou muito bem financeiramente, vou passear, tanto faz’. Quando perder esse entusiasmo, essa vibração, vai chegar um outro Fred, com certeza. Um outro nós, com certeza.
 
Por ter conquistado a Copa do Brasil, o Cruzeiro apenas cumpre tabela nesta reta final de Brasileiro, já que não tem chances de ser campeão e nem será rebaixado à Série B. Como motivar o time em partidas que, teoricamente, não têm o mesmo peso em relação aos adversários?
 
Isso é o que muitas pessoas passam para a gente, mas nós vamos mostrar outro lado. Quem fica em terceiro e quem fica em 10º recebe o mesmo prêmio da CBF? Ou seja, quem ficar acima na tabela receberá mais? Para o clube é bom? Opa, então a gente não pode entender que estamos perdendo tempo e apenas cumprindo tabela. Claro que temos ciência de que não podemos mais ser campeões. Mas a gente tem obrigação de ser melhor do que já fomos. Falamos para os atletas melhorarem os índices. Quem é o melhor armador? Quem finaliza mais? O nosso saldo de gols, como estava? Com esses gols, como ficou? Então, a gente pode melhorar. A partir do momento que a gente entender que não pode melhorar é que fica ruim. Mas eu entendo que podemos melhorar. Olhem a partida que o Ezequiel fez. E assim vai. Então, todos nós temos a obrigação de, enquanto funcionários do clube, senão vão esquecer da gente com facilidade.
 
Houve alguma palestra pré-jogo que não surtiu o efeito esperado?
 
Eu não vejo assim, uma questão direta com a resposta do campo. É muito ruim a gente ir para o jogo e pensar: ‘deveria ter feito isso e não fiz’. Isso é muito ruim. E de onde surgiu isso aqui? Eu já fui sequestrado, eu já tive uma arma na cabeça quando saí do Corinthians, e o cara usou essa expressão depois de ter levado tudo: ‘fecha o zóio’, que o cara ia me matar, eu pensei assim: sabe quando você trabalha no fim do ano para guardar o 13º? Tudo aquilo ia por água abaixo com um tiro. Então, tem coisas que quero mostrar aos atletas que vale a pena. Hoje, eles têm 30 anos, amanhã 35. Já fui preparador físico do Dunga, do Lúcio, que era da Seleção, de tantos atletas que pararam, e sabe o que eles gostariam? De voltar à concentração que muitos reclamam. De voltar a dar uma entrevista a vocês porque foram esquecidos. O meu filho, hoje, não sabe quem é o Dunga. Com 18 anos, ele não viu o Dunga no glamour. Ele não viu o meu amigo Paulo Roberto Falcão. Então, é mostrar a eles: ‘gente, vale a pena, façam com intensidade, abraçam, façam o seu melhor!’. Coisas que a gente já viu. Talvez eu esteja passando por outra geração, mas gostaria que eles não passassem por certas dificuldades. São simplesmente lembretes (que passo).
 
MITOS E VERDADES
 
Álcool ou falta de sono: qual o maior inimigo do condicionamento físico?


 
A falta de sono, pois ela atrapalha toda a sua percepção. Vou dar um exemplo claro: como trabalhei um tempo com o Dunga, peguei vários relatos. Segundo ele, na Itália, eles serviam um cálice de vinho. E aí a gente vê que a bebida não é a grande vilã, mas a quantidade de bebida e às vezes a proximidade... Olha, quero deixar bem claro, porque senão uma colocação fora de contexto poderia ser: ‘preparador físico do Cruzeiro faz apologia ao álcool (risos)’. Mas trabalhando com Dunga, ele me dizia: ‘olha, Eduardo, a gente ia jogar à noite, e na hora do almoço davam um cálice de vinho. Depois, fazia a sesta (sono)’. Era um hábito. Não foi depois da final da Copa do Brasil que um cara tomou um cálice de vinho pela primeira vez. Tinha o hábito e assim vai. A maioria de vocês toma cerveja? Eu tomo uma long neck. Se eu passar disso, tenho dificuldade. Mas tenho amigos que, se forem para tomar apenas uma cerveja, eles nem saem. Agora, a questão do sono atrapalha a nossa percepção. Ficamos mais cansados, mais irritados, nossas reações ficam mais atrasadas e o atleta precisa tomar, no menor tempo possível, as decisões com qualidade. O sono ruim é prejudicial. Agora, se você me perguntar: ‘ah, o cara ficou uma noite sem dormir e tomou três caixas de cerveja’, vou responder que é a cerveja (risos). Mas, para responder, é (a falta de) sono (o maior inimigo do corpo).

Eduardo Silva revela o vilão do atleta: 'falta de sono, pois ela atrapalha toda a sua percepção'
foto: Leandro Couri/EM/D. A Press

Eduardo Silva revela o vilão do atleta: 'falta de sono, pois ela atrapalha toda a sua percepção'

 
Um jogador que não é tão qualificado tecnicamente pode compensar isso com melhor preparo?
 
Ele compensa isso com melhor preparo físico e com entendimento da estratégia. Se o gol está atrás de mim, se eu me posicionar aqui, eu dificulto para você. Se o gol está atrás de mim, eu estou defendendo e vou lá do meu outro lado, eu facilito para você. Às vezes nem preciso correr tanto, mas me posicionando bem, eu compenso um melhor domínio e por aí vai. ‘Ah, Eduardo, você está dizendo que então não tem que ter boa técnica?’. Não é isso. Digo que um atleta bem condicionado e que se posiciona bem compensa algumas coisas. Compensa 100%? Não posso afirmar. Mas que compensa, compensa.
 
BOLT NO FUTEBOL 

Usain Bolt em partida pelo Central Coast Mariners, clube que disputa a A-League, da Austrália
foto: AFP / PETER PARKS

Usain Bolt em partida pelo Central Coast Mariners, clube que disputa a A-League, da Austrália



Recentemente vimos o velocista Usain Bolt, homem mais rápido do mundo, trocas as pistas pelos gramados, tentando jogar futebol profissionalmente na Austrália. Qual sua opinião sobre isso? É possível um atleta trocar de modalidade e ser bem-sucedido? Vimos que o craque Falcão, por exemplo, teve dificuldade quando foi do futsal para o campo.

É possível? É. Mas as velocidades são diferentes. E velocidade está no fato de dominar bem a bola e no primeiro gesto eu jogar (a bola) para a direita porque você está na esquerda. Esse é um tipo de velocidade. E a que me foi perguntada é a de se chegar a 30m no menor tempo possível. É outro tipo de velocidade. A gente tem de entender que em um jogo de futebol, quando pego a bola e domino para a direita, existe uma movimentação, correto? E tenho de tomar decisões que envolvem velocidade e percepção. Se eu dominar a bola e ela bater na canela e subir, é outra tomada de decisão, pode ter um Dedé na minha frente. Então, muda muito. Não acredito que só a velocidade linear, atingir a maior distância no menor tempo possível, seja o grande diferencial. Então, acho que ele pode competir, mas não é garantia de sucesso.
 
CALENDÁRIO DO FUTEBOL



Qual o calendário dos sonhos do preparador físico brasileiro?

O ideal é ter um mês de preparação. É o período em que a gente consegue evoluir a carga e fazer com que ela seja assimilada pelos atletas. O ideal é, em uma semana, ter jogo domingo e domingo. E. na semana seguinte, domingo-quarta-domingo. Porque só domingo fica pouco motivante de uma forma geral. Assim, a gente atende os interesses da performance, os interesses econômicos, para os quais a gente não pode fechar os olhos, e os interesses do público. E ainda podemos rodar jogos sábado, domingo. Porque aí a gente consegue atender todos os públicos. Hoje, são tantos jogos que as pessoas nem percebem alguns.

Qual o número de jogos ideal por temporada?

O número precisa ser melhor explicado. Existe uma coisa chamada densidade, ou seja, quanto mais apertado (em termos de tempo) são os jogos, tem uma densidade grande. O De Arrascaeta falou que fazia 39 jogos no Uruguai e mesmo assim era poupado. Aqui, muitas vezes a gente tem a parada da Copa, como foi este ano e será no ano que vem em função da Copa América, e se aperta no início, dá densidade, uma sequência de jogos um atrás do outro, e depois abre. Isso é ruim, é a sequência de jogos que faz com que o atleta tenha dificuldade para se recuperar. Porque os atletas têm percorrido de 10km a 11km por jogo, nos quais ele caminha, acelera, salta, trava, gira, muda de direção. Outra coisa: um atleta demora de três a quatro horas para dormir. Em um jogo que termina quase meia-noite, muda a rotina dele. Então, uma boa situação é o espaçamento dos jogos, 74 jogos em um ano até seria bom, porque a gente disputa Campeonato Mineiro, que é uma competição importante, Libertadores, Copa do Brasil e Campeonato Brasileiro. Mas é preciso abrir mais isso daí, não deixar denso.

E o que fazer: conciliar Estaduais com o Brasileiro, acabar com os Estaduais?

Já ouvi muito essa conversa de eliminar os Estaduais. O Estadual não é rentável para o clube, mas não pode deixar de levar em consideração que quando vamos jogar contra o Tupi, a gente dá acesso àquele torcedor o acesso que ele não tem aos atletas. Dá para pensar, para se organizar e perceber o quanto isso é motivante. E também não podemos esquecer que vários atletas que estão em time grande que vieram de equipes pequenas. Tem solução, sim. É só ter bom senso.

É possível brigar tanto nas competições mata-matas quanto nos pontos corridos?

O que a gente pensa é que é preciso sempre ganhar o próximo jogo. O Cruzeiro não entra pensando: “hoje a gente perde e na quarta a gente ganha”. Uma porque não há certeza que ganhará na quarta. Outra porque entregar o jogo não faz parte. O que a gente entende é que, tendo grupo qualificado, temos condições de ganhar o próximo jogo. Se vai ganhar com o Bruno Faleiro (assessor de imprensa, que acompanhou a entrevista) ou com o Dudu (como Eduardo Silva é chamado), é outra coisa. Mas, para o Bruno Faleiro estar aqui, para o Dudu estar aqui para jogar, eles têm de ter condições. Se não, falo que o bom é o Fred e o Bruno e o Dudu não servem. Então, temos de ter qualidade no grupo acima de tudo e procurar ganhar o próximo jogo. Contra o Vitória foi nossa equipe principal? Não, foi mesclado, mas entramos para ganhar, a gente tinha de ganhar. “Ah, não vamos ganhar porque o Dedé não está.” Mas e o Manoel? Ele não tem condições? Isso é muito importante. Às vezes as pessoas confundem, a gente sempre entra pensando em fazer o melhor, muitas vezes o atleta não está em suas melhores condições, mas a gente acredita muito em cada atleta que está aqui.

VIDA NA CHINA



Como foi trabalhar na China, como era sua vida lá?

Quer que eu fale sinceramente ou não? (risos) Por incrível que pareça, vocês podem até ficar surpresos com a resposta, mas foi uma das melhores experiências que eu tive na vida. A China foi uma questão absurda. Uma que a gente morava em um lugar melhor que a minha casa. E tínhamos tratamento vip. Colocaram à nossa disposição cozinheiros que faziam costela, arroz, feijão, omelete, macarrão, tudo aquilo que a gente queria. Enquanto estou dando entrevista aqui, se a minha esposa pedisse com 20 minutos de antecedência, para qualquer lugar ela tinha motorista com tradutor à disposição. Não vou nem falar das questões financeiras, pois agride a sociedade ouvir que um atleta pode ganhar US$ 36 mil (cerca de R$ 130 mil) ou mais em uma partida. Ter as melhores condições de locomoção. Você viaja, leva a sua roupa, cada atleta leva só a roupa dele. Entra em um trem maravilhoso e anda três horas a 308km/h, 310km/h. Hotéis fabulosos. E se perdesse o jogo, eles tinham o hábito de não voltar para o mesmo hotel. E perguntava: “Cara, vai ter hotel melhor?” E tinha hotel melhor. São questões que dispensam comentários. No supermercado tem os melhores produtos. E outra, naquela época com custo 50% menor do que tínhamos aqui. Quanto ao futebol, a China se fechou geograficamente para a gente. Então, não temos ideia. Mas eles têm evoluído tanto. Lá estão jogando o (Ricardo) Goulart. Vocês conhecem o Goulart, que jogou aqui? Tem qualidade ou não tem? Então, eles têm o Goulart, o Paulinho, que é titular da Seleção Brasileira, o Gil, o Tardelli, Lavezzi, tanto e tantos atletas. Caramba. Eles precisam evoluir? Claro que precisam evoluir. Mas não está muito longe do que temos nos Campeonatos Estaduais, aliás, é melhor que muitos Estaduais. E é um sonho de consumo, porque qualquer profissional que trabalha lá equivale a cinco ou seis anos trabalhando aqui. E com um detalhe: sem imposto. Estou mostrando um geral para mostrar que é um lugar fantástico. Ainda bem que estamos trabalhando no Cruzeiro, que é um clube maravilhoso.

Mas e no dia a dia, eles foram receptivos aos métodos que você usa?

A grande dificuldade é o idioma. Então, você tem de mexer o braço, o que dificulta. Quando vou dar entrevista, tenho de resumir. “Vamos vontade”. Você fica limitado quanto a isso. Mas você começa a interagir e tem uma linguagem do futebol que é importante, que é através dos treinamentos. Os treinamentos expressam aquilo que a gente quer. Claro que sempre vai ter alguém tendo de falar por você, que é o tradutor, e muitas vezes ele fala de uma forma muito mais direta. “Pediu correr”. “Pede para eles se esforçarem porque é muito importante.” Tive um cuidado para falar isso, né? “Mandou correr treinador.” Eles devem pensar: “Que cara chato!” Mas este é o único inconveniente. O único, não. Um dos. Também é difícil se expressar em mandarim (idioma local).

Em termos de equipamentos, como os chineses estão? E os profissionais?

Ah, eles têm tudo. E em termos de profissionais também, porque buscaram no mundo todo, tem italiano, como Canavarro no Guangzhou (Evergrande). Eles têm várias escolas. Quando se contrata uma equipe, é em função de uma expertise. Não estamos aqui para convencer todas as equipes a trabalharem como o Cruzeiro. A gente faz o nosso trabalho, eles fazem o deles. No final, a gente vê quem ganha.

Você acredita que em quanto tempo eles serão potência no futebol?

Não consigo te precisar em anos, mas eles perceberam a importância da formação. Porque hoje eles estão captando, captando, captando, que serve de incentivo, modelo para quem inicia. Se você vê o Goulart fazendo gol como está fazendo, o menino que sai da escola facilita para se sentir inspirado. Mas percebem que precisam formação. Como aconteceu no Japão. O Japão hoje é muito forte nisso. Antes, ele trouxe o Ramos, o Bismarck, o Zico, o Alcindo. Só que depois eles investiram na escola. A China está neste caminho.

Você chegou a provar alguma iguaria estranha na China? Comeu insetos?

Com todo respeito, mas quando a gente ia pegar o banquete deles, tinha dificuldade. Uma vez serviram um frango pálido, com o bico virado para nós. Não era apetitoso. A comida tem o visual, podia ser saboroso, mas a gente não chegava naquilo, não. Passávamos com outras coisas. Eles queriam agradar, mas quando tinha banquete, a gente sabia que ia ter dificuldade. Ia fazer um lanche e sorrir. Quanto aos insetos, é em Pequim, em um determinado bairro que tem isso, que faz parte do folclore. Hoje, eles não comem mais, de rotina, os insetos. Eles passaram período de dificuldade, no qual tudo que caminhava eles comiam. Foi determinado período. Hoje, tem uma nova geração que só quer coisa top. Se preserva isso da cultura. Meu filho pegou escorpião, mas não se encontra em todos os lugares.
 
TREINADORES E EXPERIÊNCIAS DIVERSAS 

Qual treinador que você mais gostou de trabalhar na carreira? E em quais preparadores você se inspirou?

Rapaz, é uma boa pergunta. Posso até esquecer nomes. Pelo carinho que tenho pelo Mano não vou ficar colocando ordem. Mas trabalhei com Paulo Autuori, (Carlos Alberto) Parreira, Muricy (Ramalho), Cláudio Duarte, Abel (Braga), muitos treinadores, Guto Ferreira. São características diferentes. Um tem relação do comando forte. Outro, relação da paixão pelo treino. Outro é um ser humano maravilhoso. O Parreira, por exemplo, a gente ia para uma decisão e falava que não tinha determinado atleta. Ele perguntava: “Quem tem?” Fulano. “Então vai ele.” Ele tem uma tranquilidade! Ou seja, ele era maior, passou por N dificuldades, mostrava uma tranquilidade que um líder precisa mostrar. Se o líder não acreditar ninguém mais acredita. Já sobre os preparadores, Paulo Paixão é uma linha, Moraci Santana, Flávio Trevisan, Antônio Mello, que trabalhou aqui, muitos e muitos profissionais. Bebeto de Oliveira, aquele “negão”, foi uma fonte de inspiração. Eu considerava que ele conseguia motivar um defunto, o que é uma questão muito importante. Ele pegava um ser humano cheio de problemas e o fazia entender que aquilo tudo era passageiro. E a atitude dele era responsável por mudar aquilo lá. Ele conseguia juntar uma equipe.

O que mudou em 23 anos como profissional?

É uma pergunta que interage com a mudança de geração. Tínhamos uma geração que a gente mandava correr e eles tinham de cumprir. Era uma geração que não tinha tanto acesso a informações rápidas, antes o acesso à comunicação para casa a gente tinha de ir a um telefone público, que, os mais novos não sabem, a gente chamava de orelhão, para ligar para casa. E quem tinha telefone em casa era um privilégio. Eles não pegaram aquela televisão (preta e branca) em que você tinha de colocar aquela capinha para ficar colorida. Hoje mudou. Hoje você tem todas as informações, hoje você elege um presidente através das mídias sociais, através de informações do WhatsApp e assim vai. O que quero dizer é que hoje os atletas recebem as informações de formas mais rápidas. E eles não têm muita paciência. Quantas pessoas vocês deparam lendo um livro? E quantas pessoas vocês deparam olhando para o WhatsApp, olhando uma mensagem, outra? Por quê? Ela precisa durante o dia de informações rápidas. E o livro parece que ficou uma informação lenta. E isso interfere na hora de treinar. Quando você vai explicar ao atleta o objetivo do treino, ele fala: “Como é que tem de fazer?”. Ele quer informação rápida, está impaciente e isso mudou a forma de preparação. Hoje, se o atleta ficar 20 minutos correndo, acha enfadonho. Ele quer uma atividade em que possa competir, ter várias informações, ganhar, perder, errar, chutar voltar, marcar, mas que tenha o lúdico junto. Porque correr 20 minutos contínuos fica enfadonho. Muitas pessoas não vão à academia correr porque acham muito chato. Deu para entender? Mudou a geração, mudou a comunicação e isso interferiu diretamente no processo de preparação.

Eduardo Silva acha que união do grupo cruzeirense facilita o trabalho da comissão técnica no dia a dia
foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

Eduardo Silva acha que união do grupo cruzeirense facilita o trabalho da comissão técnica no dia a dia


 
CAIXA DE AREIA 

Uma coisa que sempre foi polêmica no futebol é o trabalho físico em caixa de areia. Você é a favor ou contra?

Sou a favor. Isso é muito bacana. Vou dar exemplo: é muito fácil hoje buscar estereótipo, perguntar por que gosta da caixa de areia se no campo não tem areia? Isso é apaixonante. Entendo que quanto maior a tua visão do processo de treinamento, melhor é. E preciso de uma pergunta para responder. O Dedé, este ano, ficou quanto tempo parado? O que foi feito com ele? Será que não é, para quem está me ouvindo querendo questionar, entender como nós chegamos naquele determinado fim para entender os meios que foram utilizados? Quando trabalhei com o Tite em 2011, no Corinthians, o Liédson, nosso atacante, tinha problemas seríssimos no joelho. Falei assim: “Tite, entendo que se a gente diminuir o impacto do Liédson e deixar ele forte, o joelho dele não vai inchar e vamos tê-lo para o jogo.” Fizemos trabalho alternativos e não sequenciais todos os dias. Entendo que o extremismo é que gera conflito. Você gosta de água? Eu gosto de água. Então, por isso, vamos tomar 200 litros por dia? Seria buscar o extremismo. Quando pego um Dedé, um atleta que precisa de atividade com diminuição de impacto, utilizo outros meios de preparação. Pergunto: todos os gramados têm a mesma profundidade? Jogar no campo do Atlético-PR é a mesma coisa de jogar no Morumbi? De jogar no Mineirão? De jogar no Pacaembu, na Arena Corinthians, Beira-Rio? Posso citar N clubes. De jogar na Ilha do Retiro, Castelão? Se todos os campos não têm o mesmo padrão, porque quero padronizar que só existe um tipo de preparação? Um dos caras que mais entende de trabalhos na areia é o (Antônio) Mello, vitorioso, o admiro muito, mas tem pessoas que criticam um profissional desses. O que eu gostaria era que todas as equipes do Brasil treinassem como o Cruzeiro. Sabe por quê? Porque a hora que chegasse no campo, quem tivesse mais qualidade ia ganhar. Eu já trabalhei em equipe pequena. E equipe pequena tem de voar baixo. Se não voar baixo, não vai equiparar. Olha só o que estou falando: se todas as equipes treinarem igual ao Barcelona, eu quero ver a hora que juntar todas se elas terão seus Messis. Isso é muito importante. Só que não estou aqui para filosofar. Em vinte e poucos anos de Campeonato Brasileiro da Série A, a gente sempre falou o seguinte: façam o que vocês quiserem, usem os métodos que vocês quiserem, desde que, ao final, os atletas se sintam bem e tenham resultado. Porque se não tiver resultado, o Itair e o presidente Wagner vão falar assim: “Poxa, Eduardo, estou pagando para você e os atletas não estão tendo resultado.” Então é o seguinte: deixe a gente através dos resultados, através dos 20 anos definir se vamos treinar um pouquinho na areia, se vamos fazer musculação, se vamos fazer outro tipo de coisa. O que me parece é que estou querendo padronizar para as pessoas que o futebol tem de ser treinado desta forma. Eu já conversei com (José) Mourinho e perguntei isso para ele. Eu já conversei com (Carlo) Ancelotti e perguntei isso para ele. Para quem não sabe, o Ancelotti utiliza areia como trabalho de força, não utiliza musculação. Ele utiliza um contra um, dois contra dois e o treinamento na areia como treinamento de força. Mas ele já foi um baita jogador, já ganhou a Liga dos Campeões. Só que eu, Eduardo, tento falar o seguinte: que é um absurdo que Carlo Ancelotti trabalhe na areia. O que eu entendo é o seguinte: o Guardiola não trabalha, é uma forma; o Ancelotti trabalha, também já ganhou; o Mourinho não trabalha, também já ganhou; nós trabalhamos, já ganhamos; o Melo trabalha, também já ganhou. Questão é a seguinte: defina os alimentos que você quiserem e deixe o resultado mostrar se vocês optaram pelo melhor ou não.

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