Ao assinar a rescisão de contrato com o Atlético, o atacante Fred aceitou uma cláusula que o obriga a pagar ao clube R$ 10 milhões em um eventual acerto com o Cruzeiro antes de 31 de dezembro de 2018. Neste sábado, um dia depois de encerrar o vínculo com o alvinegro, o jogador de 34 anos foi anunciado como reforço da Raposa pelas próximas três temporadas. A partir deste ato, surgiu a discussão: o Atlético receberá ou não a indenização?
Para o advogado especialista em direito desportivo, Bichara Abidão Neto, a condição imposta pelo Atlético não é ilegal, mas pode dividir opiniões na Justiça, caso a mesma seja acionada. Alguns magistrados entenderiam que o valor abusivo em si já seria um empecilho. Outros analisariam as condições de clube e jogador arcarem com o pagamento.
“Não tenho aqui os documentos para analisar, mas parece ser uma cláusula que dá margem a uma discussão judicial. Não vejo uma nulidade porque não limita o jogador de trabalhar, mas talvez o valor poderia ser um valor abusivo, que inviabilizaria o jogador de trabalhar onde ele queira. Mas se você disser que o Fred é muito rico e pode pagar esta multa, o juiz poderia analisar. Ou talvez possa reduzir o valor se entender que a multa é abusiva. Não vejo como totalmente ilegal essa cláusula”, explicou ao Superesportes o advogado, que é sócio de um dos escritórios mais conceituados do Brasil.
Segundo Bichara, o Cruzeiro, caso ache necessário, pode discutir a validade da cláusula redigida pelo Atlético na Justiça. “Vai depender da interpretação da Justiça. A questão é interessante. O Atlético tem direito se está no contrato, e o Cruzeiro pode tentar na Justiça dizer que a cláusula é nula, embora eu não veja uma nulidade. Mas a interpretação vai ser da Justiça. Tem que analisar de forma profunda todos os pontos do contrato de distrato feito entre as partes, saber as pendências do Atlético com o Fred. Há algumas variáveis que o juiz pode interpretar”.
E se o Cruzeiro, na tentativa de fugir da multa, registrasse Fred em outro clube e simulasse um empréstimo? Tal manobra não seria bem recebida pela Justiça e poderia ocasionar em sanções para o clube. “Um dos princípios de um acordo é o de boa-fé. Se o Cruzeiro, que já anunciou o atleta, emprestá-lo a outro clube, se fizer isso apenas para violar o contrato, isso pode interpretar como uma fraude. E, na Justiça, será cobrada a multa”, observou Bichara Neto.
O especialista citou qual seria o cenário de cerceamento ao direito de trabalho – o que não é o caso de Fred. “Existia aquelas discussões que impediam de atletas de jogar contra o próprio clube. Tenho um exemplo disso: uma cláusula no contrato de empréstimo impedia que Courtois enfrentasse o Chelsea enquanto emprestado ao time espanhol. E os clubes se enfrentariam na semifinal da Liga dos Campeões. O atleta, neste caso, seria limitado a trabalhar. O contrato, neste quesito, foi considerado nulo entre Chelsea e Atlético de Madrid e o goleiro participou do jogo”.
Menos de 24 horas depois de rescindir com o Atlético, Fred acertou contrato com o Cruzeiro - Foto: Arquivo EM D.A Press e Divulgação/Cruzeiro
Posições dos clubes
O Cruzeiro, por meio do vice-presidente de futebol Itair Machado, não descarta efetuar o pagamento dessa multa. O clube celeste entraria como "responsável solidário", pois passará a ser o empregador de Fred. Em entrevista à Rádio Itatiaia, Itair contou que se surpreendeu com o valor. "Até achei a cláusula baixa, pelo jogador que é o Fred. Estamos felizes com multa ou sem multa, pois ele está voltando para casa". De qualquer forma, o departamento jurídico do Cruzeiro analisará a situação.
O Atlético, por sua vez, rescindiu com Fred de maneira amigável, mas impôs a cláusula no momento do distrato para se resguardar em caso de ida do centroavante para o maior rival - como, de fato, ocorreu. O alvinegro não abrirá mão de receber a importância financeira de R$ 10 milhões, seja do Cruzeiro ou do próprio jogador.
Empresário de Fred
Também em entrevista à Rádio Itatiaia, Francis Melo, empresário e assessor de Fred, reforçou que o Cruzeiro já estava ciente da cláusula quando se reuniu para discutir o contrato de três temporadas. “A multa foi feita em nome do Fred, mas, se houvesse a transferência, nós teríamos que comunicar ao Cruzeiro e, a partir deste momento, o clube se tornaria solidário para pagamento desta multa. Foi um acordo da mesma forma que o Fred tinha alguns direitos e abriu mão a favor do Atlético. Eu também tinha comissão a receber e abri mão disso em favor do Atlético. E o mais importante que o que foi acordado será cumprido. O Cruzeiro está ciente e é solidário a essa multa”.
Segundo Francis, Fred recusou uma proposta de um clube do Catar, onde receberia US$ 10,5 milhões (R$ 35 milhões) por um ano e meio de contrato, e preferiu acertar com o Cruzeiro. “A gente está há alguns dias com uma proposta do mundo árabe tida como irrecusável. Foi uma decisão dele de abrir mão para defender o Cruzeiro, numa demonstração do carinho dele pelo clube. (A ida para o Catar) Seria o melhor contrato da carreira dele. O Fred tomou uma decisão rápida, a gente estava com passagem comprada, tudo estava desenhado para que essa situação se concretizasse”.
. Histórico do centroavante no Cruzeiro
Fred teve passagem rápida pelo Cruzeiro, entre 2004 e 2005. Apesar do pouco tempo na Toca da Raposa II, o jogador marcou 56 gols em 71 jogos, média de 0,78 por partida. No curto período a serviço do clube, não conquistou nenhum título: foi vice-campeão mineiro e semifinalista da Copa do Brasil. Em agosto de 2005, a Raposa vendeu o centroavante ao Lyon-FRA por cerca de 15 milhões de euros, correspondentes à época a R$ 43 milhões. Marcelo Djian, atual diretor de futebol cruzeirense, foi o responsável por intermediar o negócio. Ele era representante da agremiação francesa no Brasil.