Klauss Câmara, agora ex-diretor de futebol do Cruzeiro, concedeu entrevista de despedida do clube nesta terça-feira, na Toca da Raposa II. Em mais de 30 minutos de coletiva, o dirigente prestou agradecimentos a integrantes da atual gestão, ressaltou o pentacampeonato da Copa do Brasil e falou sobre outros temas importantes, como a situação financeira do clube, a venda do lateral-esquerdo Diogo Barbosa ao Palmeiras, as ações de cobrança na Fifa e o legado para a administração de Wagner Pires de Sá, sucessor de Gilvan de Pinho Tavares na presidência. Leia, abaixo, as respostas de Klauss na íntegra.
Agradecimento à diretoria em 2017
“Oficialmente vim aqui anunciar algo que não é surpresa para ninguém: estou deixando o cargo de diretor do Cruzeiro. Vou continuar contribuindo com a gestão do Gilvan até o fim do mandato dele, mas efetivamente, aqui no departamento de futebol, é meu último dia. Quero agradecer imensamente as mensagens que recebi de apoio de todos os amigos, colegas da imprensa e principalmente dos torcedores. Desde que houve as demissões e que foram confirmados os novos diretores, a gente sabia da não continuidade. Mas deixei para falar no fim do processo para que causasse o mínimo possível de turbulência e intervenções no clube e nos objetivos que tínhamos para a equipe durante a temporada. Conseguimos fazer, ao longo de todo o ano, de uma forma bem-sucedida.
Quero dizer que já são quase 10 anos de serviços prestados a esse clube. Foi um orgulho muito grande receber a missão de dirigir o departamento de futebol no ano de 2017. Diante do cenário que tínhamos, a gente sabia que o início dessa temporada haveria resistência até por parte de outros profissionais, porque é um ano político, e nem todo profissional está disposto a largar a cidade de origem para um desafio que poderia ter um prazo de validade curto em virtude do ano de eleições.
O cenário no qual se apresentava o início de 2017 era bastante difícil para assumir. Mas para mim não. Tive orgulho de ser o responsável pelo departamento de futebol do Cruzeiro nesta temporada. Sinto-me ainda mais honrado e privilegiado por ter sido diretor das duas Tocas da Raposa, a Toca I e a Toca II. Muitos títulos conquistados nas duas Tocas, nos dois departamentos, um trabalho realizado com excelência e contribuição de todos os profissionais, onde pudemos interferir no processo de desenvolvimento de atletas e cidadãos. Poder, ao mesmo tempo, colher os frutos disso no departamento profissional, ver atletas realizando sonhos, alcançando a maturidade profissional e como atleta e se tornar uma realidade num clube tão grande.
Apesar de todo o desafio para o futebol que se apresentava e a torcida sem esperança em função dos anos difíceis, para mim era uma missão que poderia me proporcionar um orgulho muito grande. Poder voltar a ver a torcida feliz, o clube no seu devido lugar, de novo vencedor de uma competição a nível nacional, a torcida já tratando de Libertadores e contratações na grandeza do Cruzeiro. Foi um orgulho muito grande ter representado o clube e alcançado os objetivos que a diretoria esperava de mim. A gente tem, no fim da temporada, o resultado que lá no início nós esperávamos: ter sucesso dentro e fora de campo mesmo diante de todas as dificuldades. A nossa conquista da Copa do Brasil acabou sendo bem maior, pois foi um ano de eleições, com orçamento extremamente limitado – apesar de ser um clube com a grandeza do Cruzeiro –, o nível de investimento de nossos adversários, como Flamengo e Palmeiras, e também outros adversários que vencemos ao longo da temporada. Também tivemos adversidades, como a falta de objetivos alcançados na competição estadual (Campeonato Mineiro) e a eliminação precoce na Copa Sul-Americana. Foram momentos difíceis, mas conseguimos superá-los. A gente tem convicção de que nossa conquista da Copa do Brasil foi muito maior do que realmente foi.
Volto a dizer que saio com o sentimento de dever cumprido, de ter representado um gigante do futebol mundial que é o Cruzeiro, e de ter honrado e cumprido essa missão tão difícil e desafiadora. Montamos uma equipe competitiva diante de um orçamento limitado. A gente representa um gigante como o Cruzeiro, precisamos de relacionamento de mercado, de criatividade. Pensamos na continuidade da comissão técnica, mesmo diante de tantas adversidades. Blindamos também nossos jogadores nesse ano político para que conquistassem a Copa do Brasil. Isso nos proporciona uma satisfação tão grande. Utilizamos também muitos atletas das categorias de base, dado ao fato das dificuldades financeiras pelas quais passam os clubes. Não vejo como opção o aproveitamento dos atletas da base, vejo como algo necessário. Sinto-me privilegiado de poder ver os frutos do trabalho, pois tivemos sete atletas que vieram das divisões de base e foram apresentados à nossa torcida. Isso nos traz um orgulho muito grande.
Gostaria de agradecer imensamente o presidente do Cruzeiro pela oportunidade que me deu. São quase 10 anos de serviços prestados ao Cruzeiro, 12 anos na carreira profissional do futebol, 25 anos vivendo o futebol. São mais de 50 títulos na minha carreira, sinto-me um vencedor, e no profissional do Cruzeiro não poderia ser diferente. Quero agradecer ao Bruno (Vicintin, ex-vice-presidente de futebol), que me deu a condição de estar na diretoria das duas Tocas da Raposa. Pude honrar a missão que ele me deu e atendi às expectativas de todos. Agradeço também ao parceiro Tinga, que foi um parceiro do dia a dia, das tarefas, um ser humano incrível, um profissional com o qual pude aprender. Ao Guilherme (Mendes, diretor de comunicação), ao Pedro (Moreira, supervisor de futebol), nossos parceiros em incessantes dias de trabalho. Quando os atletas e a comissão estavam de folga, nós estávamos aqui trabalhando.
Quero desejar o maior sucesso possível para a nova diretoria que assume. Que eles consigam alcançar todos os objetivos propostos e colocar o Cruzeiro em patamares ainda maiores. O caminho para eles está fácil, pois a casa está arrumada. O Cruzeiro é um Boeing na pista prontinho para decolar. Que eles consigam fazer essa aeronave decolar na grandeza de seu tamanho, que tenham seriedade, responsabilidade e compromisso com a camisa e com a torcida. É uma torcida que merece estar comemorando sempre nas arquibancadas”.
Fica algum sentimento de mágoa por ter saído do Cruzeiro?
“Não, de forma alguma. Eu escolhi estar nesse segmento, e o futebol é isso. O contexto político está inerente. Acho que a alternância de poder é algo democrático no nosso país, em todos os segmentos é necessário ter alternância de poder. Se é certo ou se é errado, se será melhor ou pior, só o tempo pode dizer. Eu não poderia ter outro sentimento que não fosse gratidão por tudo que aconteceu na minha carreira até aqui. Não apenas a contratação do Thiago Neves, mas outros jogadores que foram importantes no processo. Claro que o Thiago Neves é uma contratação que, se eu voltasse no tempo, faria novamente com muito orgulho. A gente viu no fim do processo que ele é um jogador que se tornou ídolo da torcida em poucos meses atuando. Teve recordes de partidas realizadas ao longo de sua carreira, fez o gol do título e colocou o Cruzeiro na Libertadores de 2018, claro que é uma satisfação e um orgulho muito grande ter uma contratação desse nível para o clube. Na verdade quem contrata o jogador é a instituição. O que temos é relacionamento na nossa forma de trabalhar e atenção ao mercado para conquistar isso. Outro fato relevante foi que fizemos mais renovações que contratações. E a renovação de contrato é uma grande contratação. Se um atleta está num contexto principal, mas seu contrato não está renovado, a gente tem ali um jogador que está com dúvidas e incertezas em relação ao futuro e ao que a instituição pensa a respeito dele. E a gente pôde proporcionar isso para jogadores extremamente importantes para o processo. Renovamos com Henrique, capitão da equipe, Manoel, Robinho, Rafael, Alisson, jogadores da base, Rafinha – que foi extremamente importante, talvez o 12º jogador –, enfim. As renovações nós também consideramos de grande relevância no trabalho, pois traz segurança e valorização para os atletas. Eles entendem que estão sendo valorizados. Devo agradecimentos aos jogadores, que são jogadores fantásticos, um grupo muito sério, extremamente profissional. Diante das dificuldades que tivemos, eles seguraram firme em todas as circunstâncias à volta. Estar no olho do furacão no meio da temporada e ver ao fim do ano um grupo vencedor de atletas, com todos valorizados, é importante sim para a nova gestão. É uma satisfação muito grande. Então, é gratidão eterna ao clube. Agora sigo meus caminhos, esperando uma oportunidade dentro daquilo que eu acredito para ter um trabalho de sucesso”.
Saída do Cruzeiro ocorre por opção ou foi mal avaliado pela nova diretoria?
“Não posso dizer que foi uma interpretação por parte deles porque não fui avaliado por eles. A tomada de decisão foi feita sem uma análise do que eu poderia oferecer para eles ou para o clube. Então, não posso dizer que estou sendo demitido do clube por eles por ser considerado um mau profissional, uma vez que não tive condição para ser avaliado. Ou talvez eles têm esse conceito a meu respeito sem uma avaliação. Mas, na verdade, creio que, desde o primeiro momento em que falei com vocês, isso faz parte do jogo e do futebol. Todos nós que trabalhamos com futebol sabemos que, um dia, seremos demitidos, uma hora nosso ciclo se encerra. E encerrou o meu ciclo no Cruzeiro, um ciclo vitorioso, uma gestão extremamente vitoriosa em todos os aspectos. Quando a gente fala de vitórias, não falamos somente de taças. Somos vitoriosos na lealdade, na verdade, na transparência, nas relações humanas. Isso é fundamental para o segmento no qual estamos inseridos.
Ações na Fifa que geram débito de quase R$ 50 milhões (Klauss citou o caso específico do atacante Ramón Ábila)
“Com relação às dívidas e às ocorrências que existem do clube com a Fifa, nós já sabíamos disso, não é uma exclusividade do Cruzeiro. Eu, na verdade, não pensei em momento algum que estive presente, que fui responsável, que fiz ou não a negociação. Toda a diretoria presente nessa temporada assumiu aquilo que competia ao Cruzeiro. A operação pelo Ábila é uma prova concreta disso. A contratação dele não foi o Klauss que fez, foi o Cruzeiro. A resolução é do responsável pelo clube no momento. Fizemos uma contratação do ponto de vista técnico muito importante, pois o Ábila é um jogador de muito apelo para a torcida, é um artilheiro. Ele não vinha sendo aproveitado no time principal. Talvez Tinga, Bruno e eu poderíamos pensar apenas em nós: ‘não, se ele joga ou não joga, não é competência nossa. E escalar jogador é competência da comissão técnica’. Mas, como falei, o treinador tem total condições de escolher quem ele bem entende e nós sempre estivemos ao lado dele. O fato é que a negociação que fizemos com o Ábila foi exatamente olhar o lado que competia ser mais seguro para nós, mesmo sendo um atleta com apelo da torcida e artilheiro da temporada. Tínhamos que olhar o que era melhor para o Cruzeiro. A operação pelo Ábila rendeu uma economia de R$ 25 milhões ao Cruzeiro, contabilizando toda a operação dele. Isso foi de grande valia também e tem de ser considerado. Aí, consequentemente, trouxemos um atleta da mesma função, que é o Sassá, e trouxemos de forma paralela para que não fosse prejudicado em performance. O que tem pela frente não é tão diferente do que encontramos em 2017. Dificuldades financeiras vão existir sempre, tivemos uma dificuldade ao longo do ano, tentando equacionar tudo, mas em momento algum jogamos para essa dificuldade uma desculpa para não montar time competitivo. Sempre disse que o Cruzeiro entraria em 2017 para brigar e vencer, independentemente das condições que teríamos em mãos. Não pode ser essa a condição futura de não colocar o time brigando em cima. Não é exclusividade do Cruzeiro, há outros clubes com dificuldades em pagar salários, vai chegando o 13º. O que é preciso é um plano de gestão para equacionar tudo isso e buscar as melhores ações com responsabilidade financeira para a instituição. Tivemos, ao longo de 2017, muitas dificuldades. E aí compete aqui também, é até uma forma de honrar todos os parceiros que foram relevantes nesse processo, se a gente olhar todas as contratações, em nenhuma delas o Cruzeiro teve a condição e a necessidade de aporte financeiro inicial. Tivemos sim um grande parceiro – o Pedrinho, dos supermercados BH, que é nosso parceiro de longa data, há muitos anos e um dos patrocinadores do clube. É uma pessoa de extrema relevância no processo do clube, e cabe a ele os agradecimentos formais de ter contribuído conosco nessa temporada. Se não fosse ele, não seria a mesma coisa”.
Huracán foi à Fifa cobrar dívida do Cruzeiro pela compra dos direitos econômicos de Ramón Ábila - Foto: Ramon Lisboa/EM D.A Press
Salários atrasados?
“Os salários do Cruzeiro hoje estão todos em dia. As dificuldades do pagamento de imagem existiu sim ao longo do ano. E eu acredito que exista, talvez, algumas imagens em aberto. Não sei precisar agora. É o financeiro quem tem atuado diretamente com o Gilvan na quitação dos débitos. Mas, como falei, essa questão financeira é algo que está inerente e precisa de um plano de gestão. Tem que ser assim em 2018. A contratação do Thiago Neves, por exemplo, é uma contratação que hoje a gente vê que é um ídolo do clube, bateu o pênalti que levou o Cruzeiro para a Libertadores e colocou o clube num bom patamar financeiro, já que a Libertadores rende desde o começo cerca de R$ 12 milhões. Tem que equacionar atletas da base, jogadores já do grupo e atletas de excelência, que é o caso do Thiago Neves. Financeiramente, o Cruzeiro está com os salários em dia, talvez tenha algumas questões de imagem. Não posso precisar”.
Transição de diretorias e contato com Marcelo Djian (sucessor no cargo)
“É importante ressaltar que foi promovido no Cruzeiro algo inédito no futebol brasileiro, que é a transição entre diretorias. Deveria ser padrão em todas as instituições. Foi algo sugerido por mim, porque eu entendia que seria importante para a instituição e para o trabalho do Marcelo (Djian, novo diretor de futebol). Gostaria de ter isso quando cheguei, de estar ao lado do diretor antigo para saber como começar o trabalho. Pude passar para ele tudo que foi construído por mim. Se é importante, se é relevante, se ele vai ou não gostar, compete a ele. Mas sei que foi de uma importância muito grande para o clube e para ele também chegar, conhecer o ambiente, as pessoas, estar no dia a dia e seguir a vida com bastante sucesso e competência. Se pudesse voltar atrás, faria de novo. Por mais que, dos três elementos – clube, Marcelo e Klauss –, o mais difícil para realizar seja eu. É complicado quando você está saindo, deixando o clube, as pessoas, o trabalho. É difícil, mas foi importante e necessário para ele e para a instituição. Passo para ele (Marcelo Djian) todas as indicações que tenho recebido até hoje. Não posso ser antiético de estar escondendo isso. Tudo é transmitido para ele, os contatos, as indicações, as condutas que teria em relação a alguns jogadores, na transição de jogadores. Essa condição agora passa a ser de responsabilidade da nova diretoria. Obviamente, espero que a nova diretoria possa fazer as renovações e as contratações e mantenha a grandeza de um clube que brigue pelas competições que vai disputar. Que as ações não sejam inversamente proporcionais ao discurso da realidade financeira. Que os novos contratos sejam compatíveis financeiramente com a realidade e a condição que o clube tem. É preciso ter coerência e responsabilidade com a folha salarial e os atletas que vão receber mensalmente os salários”.
Negociação de Diogo Barbosa com o Palmeiras (o Cruzeiro recebeu pouco menos de R$ 5 milhões por 25% dos direitos econômicos)
“Passar, passou. Uma coisa é passar pela nossa cabeça. Outra é ter condições de operacionalizar aquilo que consta no contrato. Isso acontece com todos os outros clubes, aqueles que tem condições de exercer e adquirir, eles exercem. Mas não poderíamos ter ações na qual não teríamos condições. É importante dizer sobre o Diogo Barbosa que ele foi trazido numa condição em que a realidade que o clube permitia. É um atleta que não era do Cruzeiro, estava emprestado, e que o Cruzeiro necessitava em termos de performance esportiva na temporada. Às vezes só se fala no retorno financeiro, mas o retorno técnico trazido pelo Diogo Barbosa acho que dispensa qualquer tipo de comentário. Claro que o retorno financeiro não foi com a grandeza do potencial demonstrado pelo jogador aqui. Mas sendo campeão, nos dá um valor a mais. É por isso que o valor dele foi muito mais acima do que trouxemos. É importante dizer que valeu a pena a contratação do Diogo. Foi um jogador extremamente importante na temporada, que ajudou a colocar o Cruzeiro numa condição muito melhor. O Diogo Barbosa veio na condição que poderíamos. E tudo que fizemos, temos a convicção de que fizemos o melhor na condição de momento. Isso é importante. Não pode criar fantasmas e situações hipotéticas que não têm condição de ser realizadas”.
Diogo Barbosa rendeu ao Cruzeiro pouco menos de R$ 5 milhões (25% dos direitos econômicos) - Foto: Ramon Lisboa/EM D.A Press
Mesmo com dívidas, o caminho do Cruzeiro em 2018 está fácil?
“Está fácil, pois o Cruzeiro pegou essa mesma condição no início de 2017. A condição financeira não foi desculpa para dizermos que não traríamos jogadores no nível de grandeza do Cruzeiro. A condição financeira tem que ser equacionada no clube com um bom plano de gestão. E as nossas ações foram diretamente relacionadas à condição financeira do Cruzeiro. O caminho está fácil porque o Cruzeiro está numa Libertadores e começa com uma receita diferente do ano de 2017. Temos atletas valorizados no mercado. Os principais ativos do clube, que são os atletas, estão com valor comercial muito maior do que estavam antigamente. O clube hoje tem uma condição de buscar patrocínios e investidores com uma credibilidade muito maior. O clube vai trazer retorno de forma inerente a todos aqueles que estiverem investindo. O caminho está mais fácil porque a torcida hoje demonstra uma esperança muito maior em termos de expectativa. Nossa torcida apoia e apoia muito, prova disso são as médias de público ao longo das temporadas mesmo diante de dificuldades. A nova diretoria terá o apoio de uma torcida que faz a diferença e comparece nos jogos. A condição de dificuldade financeira não é exclusivo da próxima gestão. Foi uma condição das outras diretorias que passaram por aqui”.
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