Superesportes

CRUZEIRO

Treino inovador e 'cabeça boa': Robertinho revela segredo do sucesso de goleiros do Cruzeiro, prevê legado e explica trabalho para final

Um dos responsáveis pelo sucesso de Fábio e Rafael no Cruzeiro, Robertinho conta que excelência no trabalho é fruto de experiências e inovação diária

Rafael Arruda Renan Damasceno Tiago Mattar

Se na escalação do Flamengo o grande problema está na camisa 1, no Cruzeiro a solução começa justamente pelo gol.
Em fase complicada e muito criticado pela torcida rubro-negra, Alex Muralha perdeu a posição no Ninho do Urubu, precisou lidar com constrangimentos no Rio de Janeiro e defenderá, ainda assim, a meta rubro-negra na grande final da Copa do Brasil, nesta quarta-feira, às 21h45, no Mineirão. Na Toca da Raposa II, a posição não é problema. Muito se deve ao trabalho do preparador de goleiros Robertinho, que está no clube há sete anos e é considerado referência na função. 

Dono de personalidade forte, ele inovou no método de treinamento e viu Fábio alcançar o ponto de alto de sua carreira. Robertinho ainda formou o reserva Rafael, que se mostrou pronto para assumir o gol celeste quando necessário. “O tempo foi passando, gastei muito dinheiro, investi dinheiro do meu bolso, e consegui chegar num nível bom do que eu quero. Tenho muito material que eu mesmo idealizei junto com marceneiros, com serralheiros. E isso é para aumentar o grau de dificuldade do treinamento.
É muito forte”, conta Robertinho.

Natural de Coronel Fabriciano, Região do Vale do Aço, Roberto Barbosa dos Santos, 44 anos (31-07-1973), concedeu entrevista exclusiva ao Superesportes e abordou carreira, treinamento específico dos goleiros do Cruzeiro e a preocupação com o psicológico de Fábio na final da próxima quarta-feira. Entre outros temas, também relembrou a polêmica com um torcedor do Flamengo em 2016 e a preparação para uma possível disputa por pênaltis no Mineirão.

Currículo de Robertinho  

Robertinho foi goleiro profissional de 1992 a 2000. Começou a carreira no América. Depois passou, entre vários clubes, por Bangu-RJ, Botafogo-SP, São Carlense-SP e Garça-SP.

Como preparador, trabalhou em ASA-AL (2001), Catuense (2002 a 2003), Ipatinga (2003 a 2005, sendo campeão mineiro), Flamengo (2006 a 2010) e Cruzeiro (desde 2010).

No Flamengo, foi treinador de Bruno, que viveu a melhor fase da carreira. No rubro-negro ganhou a Copa do Brasil (2006), o Campeonato Brasileiro (2009) e três Campeonatos Cariocas (2008, 2009 e 2011).

Na sombra do ídolo: Robertinho tem papel fundamental na excelente fase de Fábio nesta temporada - Foto: Renan Damasceno/EM/D.A. PressVeja a entrevista completa:

Momento do Fábio e fase com Rafael titular

Primeiramente, a qualidade do jogador é fundamental. De nada adianta ter um trabalho excelente, os melhores treinamentos do mundo se o goleiro não tiver qualidade e condições de evoluir. O goleiro tem que ser bom. Segundo entra o preparador, que é a minha função. Procuramos fazer trabalhos mais curtos e mais intensos, mais dinâmicos, simulando a situação de jogo. Por mais que a gente tente fazer alguma coisa, nunca vai ser uma situação real, porque têm adversários, é bem diferente. Procuro fazer trabalhos para simular situações reais o máximo possível. O Fábio é um goleiro acima da média. Ele se adapta muito bem aos treinamentos.
Tento fazer treinamentos novos, inovar, idealizei muitas coisas. São treinamentos bastante difíceis de serem feitos. Nossos goleiros têm essa facilidade de chegar no treinamento e desenvolver bem. O Fábio teve uma lesão grave no ano passado, ficou quase oito meses afastado, fora dos gramados, e existiu uma preocupação muito grande de como seria a ausência dele. Trabalho no Cruzeiro há sete anos e sempre vivi essa situação. Todas as vezes que o Fábio estava ausente, era um temor grande. Mas o Rafa é um goleiro que demonstrou todas as condições de ser titular não só no Cruzeiro, mas em qualquer time do Brasil. Então a recuperação do Fábio foi muita tranquila também por isso. Foram mais de 50 jogos com o Rafael e ele mostrou o potencial. Eu sempre acreditei, como acredito também no Lucas França.
É um goleiro que estou preparando desde os 15 anos. Então o Fábio teve essa tranquilidade de se recuperar bem e voltar na hora certa, sem dor, sem insegurança. O Cruzeiro teve essa sorte e essa tranquilidade de preparar o Fábio.
  
Inovação dos treinamentos
Na Toca há sete anos, Robertinho conta como investiu em novos métodos para mudar patamar de goleiros - Foto: Renan Damasceno/EM/D.A. Press
A ideia vem da experiência, do tempo. No início da minha carreira eu não tinha essas ideias e, com o passar do tempo, eu entendi que precisava fazer algo diferente, criar situação mais desconfortável para o goleiro. Uma situação inesperada. Principalmente no tempo, na velocidade de reação que o goleiro precisa treinar. É um dos fatores mais importantes, acontece o tempo todo. Fui idealizando, fui testando. Muitas vezes eu vim para o campo com o material que na minha cabeça era excelente, mas quando chegava aqui, na prática, não funcionava e eu precisava ajustar o tamanho, diminuir, não deu certo jogar fora. Muitas coisas vocês nem viram porque era teste. O tempo foi passando, gastei muito dinheiro, investi dinheiro do meu bolso e consegui chegar num nível bom do que eu quero. Tenho muito material que eu mesmo idealizei junto com marceneiros, com serralheiros. E isso é para aumentar o grau de dificuldade do treinamento. É muito forte. O goleiro tem muita dificuldade para defender a meta nos treinamentos. O objetivo é facilitar a vida dele nos jogos. Acho que o trabalho é muito bem aceito, isso é muito importante. Imagina, eu chego aqui com uma cortina na frente do gol, um tanto de bolinhas na frente, uma caixa de madeira, de ferro, um monte de coisas e o goleiro pensa: - Ah, já vem esse cara cheio de coisa, isso não vai funcionar. No jogo não tem caixa, não tem isso. Mas eles têm cabeça aberta para o treinamento, entendem a importância do treinamento. Ele entende que só na qualidade não vai. Ele joga um jogo bem, jogo o outro mais ou menos e o terceiro mal. A gente treinando muito, muito, estamos diminuindo esses riscos.

Preparação para uma final e possibilidade de disputa de pênalti

A preparação é a mesma. Desde o início do ano até a final que estamos agora. A única coisa é a preocupação que tenho com o emocional do goleiro. A cabeça. Preparado fisicamente, tecnicamente, ele está 100%. A minha preocupação é com o emocional, a tranquilidade. Nada na vida funciona se você não tiver bem. Isso é chover no molhado. Mas o goleiro é uma posição muito especial, ele enfrenta situações muito difíceis durante os jogos. Situações que, ou 100 mil pessoas, 50 mil pessoas estão te aplaudindo ou estão te vaiando, te cobrando de alguma forma. A minha grande preocupação com os meus goleiros é o emocional. É saber lidar com os elogios e também entender que as críticas fazem parte da nossa profissão. E também entender que o Lucas França não toma um gol ou falha porque ele tem 18 anos. O Fábio não vai deixar de tomar um gol ou de falhar porque ele tem 36. É uma coisa que faz parte da profissão. Entender os momentos, saber passar pelos momentos difíceis, entender que durante um jogo é natural que você passe por momentos muito complicados e que depois muda de lado. Faz parte da nossa profissão.

Polêmica nas redes sociais com a comparação dos vídeos do seu treinamento e do preparador do Flamengo

Eu acho que o torcedor do Flamengo tem um carinho especial por mim porque trabalhei lá por cinco anos. Quando você passa por um clube e fica marcado por conquistas, as pessoas gostam. É um momento difícil lá que os goleiros estão passando. É normal na suas carreiras. Com trabalho e muita dedicação é superado e, como falei, precisa ter o emocional e equilíbrio suficientes para entender que isso vai passar.

Personalidade vibrante e competitiva

Realmente, eu vivo intensamente a minha profissão e não gosto de perder nada. Quando o goleiro toma um gol que eu acho que foi falha, sofro muito. Vou para casa, não durmo, não como, às vezes brigo com a mulher porque vem discutir futebol. Eu tenho uma visão diferente, eu me cobro demais. E cobro muito dos goleiros. Às vezes as pessoas vêm até mim, falam que eram bolas indefensáveis, mas eu não acho que foi indefensável. Ele tomou o gol porque alguma coisa ele deixou de fazer. O posicionamento, rebote mal dado, enfim. É uma cobrança muito grande em cima de mim e eu transmito para eles, tiro eles da zona de conforto o tempo todo. Não tem jeito, os jogos são difíceis, enfrentamos situações complicadas. Os adversários são bons, os chutes são potentes, tem a malandragem do jogador que olha para um lado e chuta para o outro, enfim. Eu, realmente, tenho esse lado. Sou vibrante, apaixonado pela profissão. Eu vivo assim, 100%. Dedico, invisto tempo e dinheiro no trabalho.

Polêmica 'malada' em torcedor do Flamengo no Aeroporto de Vitória

Aquilo foi um caso totalmente superado. Já ficou para trás. Não tem nada a ver, isso não vem para campo.

Como é o trabalho para os goleiros jogarem com os pés

Hoje, muitas equipes jogam com 10 jogadores de linha e um goleiro. Isso é um fato. E já têm equipes que jogam com 10 jogadores de linha, mais um goleiro que se torna um jogador de linha e mais um goleiro. O goleiro não é simplesmente um goleiro. A profissão do goleiro evoluiu muito agora para esse lado. Se o goleiro não tiver essa habilidade e qualidade de saber jogar com os pés, dificilmente ele vai se tornar um goleiro de alto nível.  Vai ser uma exigência dos técnicos. A gente tenta fazer trabalhos diferentes para evoluir isso. A nossa cultura, Cruzeiro, Flamengo, Corinthians são os jogadores entrar em campo e ficar no cantinho, treinando separado, mas entendo que no futuro próximo isso vai acabar. O mundo do goleiro não vai ser aquele mundo ali. Ele vai passar a ser inserido no contexto geral do time, vai passar a aquecer com os jogadores, fazer o trabalho com os jogadores e ter o trabalho específico com seu treinador. Coisa que a gente ainda não faz porque hoje já está melhor, os técnicos entendem mais, estão aceitando os goleiros nos trabalhos de posse de bola, coisa que um tempo atrás não faziam porque o goleiro não sabia dominar a bola, dava carrinho nos companheiros, corria o risco de machucar. Hoje, felizmente, isso está mudando. No Cruzeiro a gente já faz isso, alinhado com a comissão técnica.

Habilidade do preparador para chutar a gol e precisão maior que de jogadores

É possível alcançar essa precisão. Mas, no meu caso, eu sempre tive a facilidade de chutar, de bater na bola com as duas pernas. Com o passar do tempo, é uma prática muito grande. Faço isso todos os dias e muitas vezes. Mesmo assim, às vezes dá umas rateadas. É só o que eu faço. Eu me preparo na academia para fazer o meu trabalho. E eu não preciso correr, não preciso cobrir zagueiro, lateral, não preciso cobrir o volante. É uma profissão especial. Mas entendo que se o jogador praticar bastante, ele vai melhorar, sem dúvidas.

Robertinho considera Fábio um goleiro acima da média e acha que aposentadoria ainda vai demorar - Foto: Jair Amaral/EM/D.A Press
Idade do Fábio e Rafael como substituto natural

Quando o Fábio resolver aposentar, não sei se vai ser daqui dois, três anos, e se ele continuar jogando bem do jeito que está ele vai continuar por muito tempo, realmente é um goleiro muito bom, e é tranquilo para o Rafael. Tem contrato longo, o Cruzeiro acabou de renovar o contrato dele já pensando nesse momento. O Rafael será, sem dúvida nenhuma, o substituto do Fábio. Eu tenho certeza. E estamos preparando o Lucas França para ser o substituto do Rafael, além de observar os outros goleiros das categorias de base. O (Gabriel) Brazão também vai fazer parte desse processo a partir do ano que vem. Sou feliz em dizer que o Cruzeiro não vai ao mercado atrás de goleiro. Não foi e nem vai. Essa tranquilidade o clube dá para gente. Dá todas as condições de trabalho, tudo que necessita para fazer uma boa preparação, boa base. Graças a Deus, felizmente, diferentemente de muitos clubes no Brasil, o Cruzeiro não sofre esse problema desde que cheguei aqui. Coincidência ou não, essa é a verdade. Em momento algum o Cruzeiro pensou em contratar goleiro quando o Fábio machucou. O Fábio machucou, o Rafael quebrou o dedo, e nem por isso fomos ao mercado. Colocamos o Lucas para jogar. Começou mais ou menos e depois se firmou. Se o Rafael não se recupera do dedo, jogaria o Lucas. Rafael teria que esperar uma oportunidade. Não tenho dúvida que se demora mais dois jogos, o Lucas França seria o titular e o Rafael ia ter que esperar.
.