Ele é fã de rock'n'roll, prefere programa de culinária a jogo de futebol, garante não ser vaidoso, optando pelo visual despojado, com direito a barba por fazer e cabelo despenteado. Por tudo isso, Rafael Sobis, atacante do Cruzeiro, poderia ser considerado um outsider no meio. Mas nem tanto. Ele mostra paixão pela profissão, ainda que diga que futebol não seja muito a dele.
O foco no objetivo com o time celeste, porém, não o impede traçar planos para quando encerrar a carreira. Entre eles, aproveitar muito a vida. “Já combinei com amigos lá do Sul que têm Harley-Davidson que vamos fazer a Rota 66 (lendária estrada dos EUA) juntos”, diz ele, antes do início da entrevista, lembrando que, por contrato, não pode andar de moto enquanto estiver jogando.
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Você tem um gosto musical diferente da maioria dos jogadores. Como é conviver em um ambiente dominado por pagode, sertanejo e gospel? Você tem direito a uma cota de músicas?
O principal é existir o respeito, né!? A gente vive em uma democracia e eu tenho de compreender. E hoje é mais fácil. Quando comecei não existia música no celular, aplicativo para ouvir música. Era o som do rádio, que era para todo mundo. Agora, quem quer traz sua caixinha de som e, se não for meu estilo, tenho a facilidade de colocar meu fone de ouvido e aproveitar da melhor forma possível.
Qual a música ideal para antes de entrar em campo, seja no ônibus a caminho do estádio ou no vestiário?
Costumo variar. Mas um grupo que me deixa um pouco mais elétrico, mais ligado no jogo, é o AC/DC. É um estilo de música que bota para cima e sempre que posso escuto minutos antes de entrar em campo.
Nos outros países onde você jogou era diferente ou o pessoal também não gostava de rock?
É o mesmo daqui, muito pouca gente escuta rock. O que muda é o ritmo. No México, por exemplo, tem muito reggaeton, que seria o pagode ou o funk daqui. Nos Emirados Árabes Unidos têm o ritmo deles, na Espanha também.
Tem algum show que você gostaria de ver?
Muitos, pois nunca tive muito tempo para ir. Morei em cidades que não tinham muitas opções. Às vezes, tinha um show em uma cidade até perto de onde morava, mas no dia seguinte tinha treino cedo e não dava para ir. Cheguei a comprar ingresso para ver o Michael Jackson em Londres, vários do Rolling Stones que não consegui ver. Ao menos a internet facilita a vida, algumas bandas, como o Guns & Roses, transmitem shows ao vivo e é uma forma de curtir o show sem estar lá.
Como está sua adaptação a Belo Horizonte? Já foi a algum show aqui?
Ainda não. O que me fizeram ir foi a algum sertanejo. Vou para acompanhar os amigos, não vou ser estraga prazer. Não é o que eu goste, mas curto da minha forma. Não os convidaria para esse tipo de show. Mas até para isso está difícil, nosso calendário está bem puxado, não te dá tempo para descansar depois de uma festa.
Você considera os gaúchos mais roqueiros que o restante do Brasil?
Não digo que seja mais roqueiro, mas é um dos lugares que mais tem fãs do estilo, ao lado de Brasília e Curitiba, cidades historicamente conhecidas pelo rock. Quando eu era menino tinha muitos shows, as bandas de rock é que comandavam. Não tinha tanto samba, pagode, ritmos que estão entrando agora ou entraram há pouco tempo. Meu gosto musical vem daí.
Você tem amigos músicos. Como concilia sua rotina com o estilo de vida deles, que costumam ter hábitos mais noturnos?
É mais nas férias. Além disso, eles estão mais velhos, já não estão tão loucos quanto antes (risos). E na medida do possível a gente se encontra, sai para jantar. Como disse, ir a shows é um pouco mais complicado para mim. São planos que tenho quando parar de jogar. Vai ser quando vou poder aproveitar a vida. Hoje, a profissão é o principal, preciso do descanso. Mas se perco hoje, ganho daqui a pouco.
Falando em aposentadoria, já pensou o que vai fazer quando parar? Talvez empresariar alguma banda, montar uma casa de shows?
Não, quero curtir, não quero problemas (risos). Quero me dar ao luxo de ir ao Rock'n'Rio, ao Loolapalooza, de viajar para ver shows. Trabalho hoje para poder aproveitar no futuro. É uma meta que tenho, viajar e ver shows. Espero conseguir.
Seus filhos escutam rock?
Escutam de tudo. Eles já estão mais crescidos e fugiram um pouco das minhas mãos.
A filha do Thiago Neves disse que você é o melhor do time. Gerou ciúmes no amigo?
Que menina inteligente (risos). Eu sempre prometo presentes para ela, por isso falou isso.
Por que o Cruzeiro tem encontrado dificuldade para transformar volume de jogo em vitórias?
Faz parte do futebol. Tem horas que você cria três chances de ganha de 3 a 0. E tem horas que você cria 10 e não faz nenhuma. Claro que a gente tem de procurar melhorar sempre, mas é circunstância do jogo. A gente não tem tido tempo para treinar, aprimorar, devido aos jogos. Tendo tempo, esperamos retomar. Foi assim no começo da temporada, quando, vindo de uma boa pré-temporada, estávamos criando muitas chances e marcando muitos gols. Também precisamos retomar algumas coisas, como nível tático, que vai se perdendo pelo fato de não treinarmos.
O calendário brasileiro é cruel com o jogador tanto física quanto psicologicamente. Até a vida social acaba sacrificada...
Não só cruel, é desumano. Para a gente se recuperar, precisamos de três ou quatro dias e estamos jogando quase a cada dois dias. Por mais que você se prepare bem, nós jogadores temos de ter consciência de campo, de saber descansar, de saber a hora de fazer as coisas. Sabendo isso, já não podemos estar na rua, ter vida social. E assim mesmo não é suficiente. Aos poucos, isso vai desgastando, a cabeça fica a mil, jogo, jogo, jogo, cobranças por cada jogo. Assim, o ideal era ter mais espaço entre os jogos, não só pela parte física, mas também mental. Se a vitória não vem, a cobrança é grande, ninguém quer saber das causas.
Você tem algum ídolo no futebol?
Não, nunca tive, até porque futebol não é muito a minha. Queria parar de jogar com 30 anos, depois com 32 e sigo aí superbem. Já vou fazer 32 (em 17 de junho). A quem tenho grande admiração é o Ayrton Senna, mas nem é por conta do esporte, mais pela vida e principalmente pela falta que faz.
E na música?
Tenho várias bandas que gosto, Nenhum de Nós, Acústicos e Valvulados, que me fizeram gostar daquele rock mais largado, gosto de rocks antigos. Cresci ouvindo Raul Seixas, pois tinha um tio que escutava muito, em vinil. É até difícil enumerar. Estamos um pouco carentes de boas bandas, mas a nível mundial estamos bem. Sempre procuro escutar as bandas lá do Sul, dos meus amigos, e as de fora também.
E agora está mais fácil curtir um som, a internet facilitou a vida...
Pois é, agora basta saber o nome da banda e buscar. Por outro lado, as bandas estão acabando, o rock de verdade está acabando, porque hoje está tudo muito comercial. As bandas até começam no rock, mas depois mudam o som para ganhar dinheiro. Mas quem somos nós para julgar, cada um sabe de sua vida. Até por isso a cada dia gosto mais das bandas dos anos 1970, 1980, que são melhores.
Beatles ou Rolling Stones?
Não tem como escolher. São estilos diferentes, uma ensinou a outra e cada um no seu estilo são os maiores da história.
Se tivesse de escolher um título: Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil ou Copa Sul-Americana?
Escolheria dois, Copa do Brasil e Sul-Americana, que não tenho.
Você é bastante assediado pelas torcedoras. Se sente um popstar?
Cara, faço de tudo para ficar na minha, barbudo, cabeludo, meio jogado, roqueiro, que as pessoas se afastam, visto preto quase sempre. Não é uma coisa que almejo, mas se acontece, é natural.
O que os cruzeirenses mais lhe pedem quando o encontram?
Para vencer o Atlético. Independente de quando será o clássico, se será agora ou daqui dois meses, eles falam muito nisso. E, da minha parte, tenho de falar que temos outros jogos na frente, que tem de ser uma coisa de cada vez, que não adianta vencer o clássico e perder o resto. Claro que a gente sabe que o torcedor é emoção, é o momento em que pode zoar os amigos na cidade, mas nós temos de levar isso o mais a sério possível.
Qual a importância das redes sociais no relacionamento com os torcedores?
Tem o lado bom e o lado ruim. É bom alimentar, ter o contato com as pessoas, saber o que eles pensam. Mas também tem um monte de gente que se esconde atrás de uma foto e fala um monte de besteira, coisas que não falaria na sua frente. E também depende muito do momento do clube. O jogador tem de ser inteligente e se proteger no momento ruim para evitar isso. Não é bom você ser criticado, ainda mais por pessoas que não sabem o que acontece. E não vamos explicar tudo que acontece, ou a gente ia viver no microfone.
Outro de seus hobbys, cozinhar, como surgiu?
Ainda não sou um grande cozinheiro, pretendo até fazer curso para aprimorar, mas sempre gostei. Tenho um amigo árabe que a gente viajava para conhecer os melhores restaurantes do mundo. E você acaba tomando gosto, não adianta. Se tem um jogo de futebol e um programa de culinária, vejo o programa de culinária. Acho que estou ficando velho. Por enquanto cozinho para meus filhos, não criei coragem para chamar os amigos, mas ainda vou fazer isso. Sou um cara muito caseiro e gosto de receber e tentar fazer alguma coisa na cozinha.