“O Niginho fazia gols com os pés e com a cabeça. Quando eu ia para o fundo de campo, já sabia que tinha de mandar a bola para ele. Tenho muitas saudades dele, era muito amigo. Todos os domingos eu tinha que comer macarrão na casa dele”, conta Nogueirinha. Ele recorda-se de quando conheceu o ídolo, ainda na adolescência, em São Lourenço, no Sul do estado. “Foi em 1937. Tomamos conhecimento de que a Seleção Brasileira iria para Caxambu e passaria por São Lourenço. Eu gostava do Niginho. Quando o trem parou na estação, o primeiro rosto que vi foi o dele. Disse a ele: ‘ainda vou jogar com você!’. Ele respondeu: ‘treina, que um dia a gente vai jogar junto!’”, conta.
Em 1938, Nogueirinha era destaque no time do colégio onde estudava e foi convidado a fazer parte da equipe de seminaristas de Elói Mendes, município próximo a Varginha. Seu rendimento chamou a atenção de Osvaldo Pinto Coelho, à época presidente do Palestra Itália (antigo nome do Cruzeiro), que estava na cidade para um amistoso contra o Eloiense. “Fui bem naquele jogo, mas só fui para Belo Horizonte depois de terminar os estudos na minha cidade.”
Menos de três anos depois de prometer que jogaria com Niginho, Nogueirinha estreava pelo clube. Segundo o livro Páginas heroicas – onde a imagem do Cruzeiro resplandece, de Jorge Santana, a primeira partida do ponta-direita pelo Palestra Itália ocorreu em 21 de janeiro de 1940, na derrota por 5 a 1 para o Siderúrgica. Dois meses depois, aos 19 anos ele marcava seus dois primeiros gols, na goleada por 3 a 0 sobre o Atlético, em amistoso no Estádio de Lourdes. O outro tento foi justamente de Niginho.
Sem modéstia, Nogueirinha se descreve como um jogador que tinha facilidade em driblar e finalizar com os dois pés. “Fazia gol até de calcanhar.” Entre 1940 e 1947, marcou 49 gols em 157 partidas, sendo peça importante no tricampeonato mineiro de 1943/1944/1945. O ex-camisa 7 foi testemunha de quando o clube mudou o nome de Palestra Itália para Cruzeiro, em outubro de 1942, em função da rivalidade entre Brasil e Itália na Segunda Guerra Mundial. E marcou dois gols na primeira partida da equipe com a nova denominação, em 14 de fevereiro de 1943 – derrota por 5 a 3 para o São Cristóvão, do Rio de Janeiro.
RIVALIDADE
Nogueirinha marcou oito de seus 49 gols pelo Cruzeiro em clássicos contra o Atlético, ao qual se refere como “grande rival”. “Jogos contra o Atlético sempre paravam a cidade. Às vezes, dava até briga”, diz, aos risos. “Tinha um tal de Bigode que tentava me marcar e não conseguia me pegar de jeito nenhum”, afirma, referindo-se ao ex-lateral-esquerdo que defendeu o alvinegro entre 1941 e 1943 e fez história com a camisa do Fluminense, pelo qual disputou quase 400 partidas.
Mas o ex-ponta-direita celeste, que era considerado jogador exemplar dentro e fora de campo, também deixou amigos no arquirrival, como o goleiro Kafunga. “Tinha muita amizade com o Kafunga. Não sei o por quê, mas ele gostava muito de mim. Um dia perguntei a ele: ‘Por que seu apelido é Kafunga?’. Ele respondeu: ‘é que eu não respirava direito, então, quando corria, ficava cafungando. Aí ficou Kafunga’. Ele gostava de mim”, comenta.
APÓS O FUTEBOL
Nogueirinha não prolongou sua trajetória no futebol. Fluente em inglês e com conhecimento em italiano, o jogador encerrou a carreira aos 27 anos para se dedicar a atividades profissionais na área de contabilidade e como tradutor. Do casamento com Dalila nasceram os filhos Roberto, Ronaldo, Regina e Ricardo, nove netos e três bisnetos. Ronaldo ficou conhecido como China e se tornou jogador profissional do Atlético, pelo qual marcou 15 gols em 52 partidas entre 1971 e 1974.
Em 1988, ele perdeu a esposa. Dois anos depois, casou-se com Natália, 28 anos mais jovem, com quem vive até hoje. Em 7 de dezembro de 2016, o ex-jogador foi homenageado pela Associação de Grandes Cruzeirenses, da qual o neto Fabinho Nogueira faz parte, no evento de comemoração dos 50 anos do título da Taça Brasil, no Minascentro. Nesse encontro, teve a chance de conversar com Dirceu Lopes, Procópio Cardoso, Raul e outros ex-jogadores da Raposa.
Na tranquilidade de seu apartamento no Alto dos Pinheiros, Nogueirinha diz que acompanha todas as partidas do Cruzeiro, embora tenha frequentado poucas vezes o Mineirão: “Desde que parei de jogar, não fui muito de ir ao estádio. Mas me sento no sofá de casa e vejo todos os jogos. Gosto muito de assistir”.
O comportamento disciplinado e o estilo saudável de vida fazem de Nogueirinha a principal testemunha do grande crescimento do Cruzeiro Esporte Clube. Graças a ele, Niginho, Geraldo II, Alcides, Abelardo e companhia, inúmeras portas se abriram para outros ícones do clube. As gerações de Procópio, Tostão, Dirceu Lopes, Palhinha, Nelinho, Ademir, Marcelo Ramos, Ricardinho, Alex e Fábio - bem como os milhões de torcedores cruzeirenses - têm muito que agradecer aos guerreiros do Palestra Itália.
Quem é ele:
João Nogueira Júnior (Nogueirinha)
• Nascimento: Três Corações (MG), em 9/7/1920
• Posição: ponta-direita
• Período no clube: 1940 a 1947
• Jogos: 157
• Gols: 49 (oito contra o Atlético)
• Títulos: Campeonato Mineiro de 1940, 1943, 1944 e 1945