Superesportes

CRUZEIRO

Paulo Bento trabalhou em restaurante, deixou os estudos cedo e tinha pai como grande ídolo

Na adolescência, treinador do Cruzeiro serviu refeições em restaurante dos pais

Bruno Furtado
Paulo Bento durante sua infância ao lado dos pais no restaurante Flor de Alvalade, em Lisboa - Foto: Reprodução SIC/youtube

Aos 46 anos, Paulo Bento acaba de assinar com o Cruzeiro um dos melhores contratos de sua carreira, na ordem de R$ 400 mil mensaisMas até chegar a esse patamar econômico, o treinador português deu duroNa adolescência, Bento foi balconista e serviu refeições no restaurante dos pais, em Lisboa.

O jornalista José Manuel Freitas, amigo de Paulo Bento, conta que o trabalho começou cedo na vida do novo treinador cruzeirense“Inicialmente, ele ajudava a servir refeições nas férias escolares, quando tinha 14, 15 anosO restaurante se chamava Flor de AlvaladeO restaurante ficava no bairro de Alvalade, um dos mais caros da cidadeEle ainda existe, mas não está mais ligado à famíliaO pai de Paulo morreu há cerca de 15 anos”, conta. Técnico diz ser descontraído fora do futebol, apesar da fama de disciplinador - Foto: Reprodução SIC/youtube

Em entrevista ao canal português SIC, em 2012, Bento relembrou esse período em sua vida”Não tive luxo, meus pais sempre foram pessoas humildes, pessoas trabalhadoras, mas permitiram sempre que não me faltasse nada”.

Ao fazer 17 anos, Paulo Bento decidiu abandonar os estudos para se dedicar exclusivamente ao trabalho no restauranteÀquela altura, tornar-se jogador profissional ainda era uma realidade distante“Decidi deixar de estudar e decidi não enganar meus pais ao dizer que não queria continuar a estudar e não faria outra coisa que não fosse ajudá-los (no restaurante)
Naquela época já tinha idade suficiente para perceber as coisas que eles tinham feito por mim e eu não tinha feito tudo que estava ao meu alcance em termos escolaresEntendi que a minha obrigação era ajudá-los naquilo que eles trabalhavam durante tantos e tantos anos”, relembrou, na reportagem à emissora lusitana.

Por sorte, Paulo Bento vingou como atleta profissional no fim dos anos 1980 no modesto Oriental e, posteriormente, no poderoso BenficaVolante vigoroso, ele ainda passou por Estrela Amadora, Vitória de Guimarães, Real Oviedo da Espanha e, por fim, Sporting.

O treinador lembrou que, não fosse o futebol, poderia ter se dado muito mal pelo afastamento prematuro dos estudos“Acho que foi um erro que cometi, corri um risco enorme e aí tive uma sorte enorme também, a oportunidade, aos 20 anos, de me tornar profissionalFoi um risco porque não tomei as devidas precauções nesse aspecto em particular”.

Paulo Bento sempre foi bastante ligado à famíliaA forma como foi criado explica muito o seu comportamento atual no futebol, bastante austero e disciplinado“Meus pais eram pessoas que eu tinha relação muito forte, relação muito próximaMesmo no momento em que saí de casa, a relação de proximidade continuouDepois de sair para Guimarães, não passava um dia sem falar com meus paisMinha mãe era mais equilibrada, mas meu pai era uma pessoa mais próxima, com apoio muito grande, mas também por aquilo que eu era na sua vida, pelo rigor que tinha no trabalho, pela seriedade que mostrava no trabalho, e por isso me marcou muito”.

Quando Paulo Bento encerrou a carreira de jogador, em 2004, no Sporting, sua entrevista coletiva foi marcada por muitas lágrimas pela ausência do pai, falecido havia pouco tempo
“Não posso deixar recordar aquele que foi, é e será sempre o meu maior ídolo, que infelizmente não pode estar aqui para ouvir o meu agradecimento, mas onde quer que esteja, sabe quantas saudades eu tenho dele”, discursou Paulo. Paulo fez 35 jogos pela Seleção - Foto: Reprodução SIC/youtube

À SIC, em 2012, Paulo Bento explicou aquele momento de emoção“Foi uma carreira de 15 anos, um sonho que sempre tive e ali terminava essa carreira, o sonho de criança tinha se realizado, e aquilo acabava naquele momentoFoi uma mistura de muitos sentimentos e faltava uma pessoa que me marcava muito”.

Na próxima segunda-feira, Paulo Bento desembarcará em Belo Horizonte com a esposa, TeresaEla o acompanhará nos 20 meses em que viverá no BrasilAs filhas Sofia e Marta seguirão o trabalho no Cruzeiro de longeA primeira mora nos Estados Unidos e a segunda na Inglaterra.

Com o treinador, chegarão quatro profissionais para integrar a sua comissão técnicaO adjunto será Sérgio CostaO ex-treinador de goleiros do Sporting e da Seleção Portuguesa, Ricardo Peres, é cotado para ser auxiliarJá a função de scouting deve ficar sob a responsabilidade de José CarneiroPaulo Bento ainda trará um preparador físico.



A seguir, alguns trechos da entrevista de Paulo Bento à SIC, em 2012:

Lazer

Gosto de fazer uns jogos com meus amigos também, umas peladas de vez em quandoGosto de dormir, de comer bem, gosto de vinho tintoSou um bom garfoGosto dos pratos típicos portugueses, um cozido, feijoada, cabrito, sou realmente um bom garfo.

Carreira de treinador

Acima de tudo, gosto do convívio com os jogadoresÉ a parte mais importante de ser treinador, torcer por eles, conviver com eles, ajudá-los a melhorar e ver uma transmissão de ideias em um jogoAntes de serem jogadores, eles são homens, seres humanos e deve haver uma transmissão de valores para trabalharmos e criarmos um grupoUm treinador vive da transmissão de conhecimento e da liderança, são os dois pilares de um treinador.

Vai da personalidade, do caráter de cada um estar num meio como esse, mas é um meio que gosto muito, mas pode ser melhor se houver mais sinceridade, mais frontalidade, mais honestidade, acho que o futebol pode ser melhor.

O trabalho do treinador tem muito a ver com o que é feito durante a semanaTem menos a ver do que se faz durante o jogoÉ evidente que durante o jogo você tem opções, faz as substituições, mas o momento em que o treinador pode e deve chegar aos jogadores é no intervalo do jogoSão cinco ou seis minutos em que se pode falar.

Vaias em estádios de futebol

Muitas vezes as pessoas se revoltam contra os treinadores, vaiam as suas decisões, contestam as suas opções, pelo que faz, pelo que não fazMas não é ao treinador que as pessoas causam um dano maior, é aos jogadores, porque são eles que vão escutar, tomar decisões, e eles é que vão estar sob maior pressão, não é o treinadorEu não deixo de fazer uma substituição, ou não deixo de tomar uma decisão porque sou vaiadoNão é uma situação que me inibe de tomar qualquer decisãoO que eu tenho na minha cabeça eu faço, independentemente do que as pessoas possam pensar ou dizer.

Quem é melhor? Treinador teórico ou prático?


Me parece completamente desajustada, sem sentido nenhum, essa comparaçãoHá quem venha pela parte teórica, da faculdade, e quem vem do futebol, ou seja, quem foi jogadorO fato de ter sido jogador, bom ou mal jogador, não lhe dá a vantagem de ser um bom treinadorNão faz sentido nenhumTem a ver com a competência, o interesse das pessoasMas o fato de ter atuado lá dentro pode, em algum momento, ajudar a imaginar o que o jogador está pensandoPor ter sido jogador, você pode antecipar o pensamento do jogador diante de alguma questão, em determinado cenário

O futebol exige postura diferente?

Em alguns casosHá momentos em nossa atividade, nesse caso o futebol, que estamos de uma forma diferente do que realmente somosEstar num banco de suplentes, orientando um jogo é diferente de estar no núcleo de amigosEstar numa entrevista coletiva é diferente tambémNão significa dizer que, em alguns momentos, numa entrevista, que não se possa ter momentos de diversãoÉ preciso ponderar bem o que deve ser a nossa posturaPode-se rirHá perguntas que se leva a muita polêmicaA própria concentração, a preparação que nós levamos, não nos deixam ser aquilo que realmente somos enquanto seres humanosUm treinador, em alguns momentos, deve ser um pouco ator também, mas sem perder o que é fundamental: suas idéias, seus princípios.

Ser pai

Olhamos para a vida de forma diferenteÉ a principal razão para trabalharmos, lutarmos, no fundo tudo é pelo futuro nos nossos filhos, e isso é algo que me motivaMinhas filhas têm orgulho de mim, têm uma relação extraordináriaTemos as nossas brigas, as nossas discussões, como todo pai tem, por várias coisasHá sempre alguns temasCom a mais velha, por sua independênciaMas temos sempre algumas preocupações que nos levam a ter algumas divergências, mas perfeitamente normais.

Quando pedir desculpas

Sou orgulhoso, reconheço que sou orgulho, mas o orgulho não me tolhe o pensamento, não me tolhe as ideiasA dose que tenho de orgulho tenho também de humildade para reconhecer quando estou erradoPosso não fazer no momento, mas mais tarde acabo de reconhecer o erro

Repúdio


Não gosto de pessoas falsas, de pessoas manipuladoras.