Junia Oliveira - Especial pra o Superesportes
Avignon (França) - Pode-se dizer que esta terça-feira (6) foi o dia em que a França se transformou no Marrocos. Na verdade, este fenômeno começou na quinta-feira passada. Foi como se os quase 2,3 mil quilômetros que separam o hexágono europeu de sua ex-colônia na África do Norte tivessem desaparecido. Em diversas cidades francesas, o que se viu foi a torcida marroquina invadindo as ruas para comemorar um fato histórico de sua seleção: a classificação para uma quartas de final da Copa do Mundo. A festa foi digna de uma final de Mundial. Pena que, junto com a alegria, a confusão também marcou a noite.
O feito anterior, quando o time carimbou passagem para as oitavas ao marcar 2 a 1 contra o Canadá, parecia ter sido o ápice de uma alegria, de gritos e manifestações carregadas de vários sentidos. O primeiro deles, claro, esportivo. Depois, muitos outros de caráter político e social. Não, não foi uma festa de uma comunidade estrangeira que se reuniu num bar para ver seu time jogar. Foi a festa de uma população inteira.
Nem quando a França joga e ganha faz-se barulho. Atenção, não escrevo "tanto barulho", me refiro aqui a um burburinho mínimo. Claro, quem pode, gosta e quer se reúne entre amigos ou familiares, na casa de alguém, no bar, mas bem discreto. Afinal, o país não para, tudo funciona normalmente, as pessoas trabalham e cumprem seus horários habituais, como se nada estivesse acontecendo nos gramados de algum outro país. Sempre soube que apenas no Brasil - e talvez na Argentina - o país para por causa de Copa, mas isso são outras reflexões. Voltemos ao Marrocos.
A França concentra a maior população marroquina fora do Marrocos. Dados do Instituto Nacional de Estatísticas e Estudo Econômicos (Insee), organismo francês, mostram que o país recebeu, em 2019, 807.600 imigrantes marroquinos. Sem contar a população francesa de origem marroquina, hoje na terceira ou quarta geração, o que eleva a presença desse povo a mais de milhão. Pois são esses jovens que foram às ruas gritar por um país onde grande parte deles nunca nem pôs os pés.
Nessa terça-feira, uma das ruas mais famosas do mundo, a Champs Elysées, em Paris, foi tomada por torcedores marroquinos e descendentes de marroquinos. Com bandeiras nas cores verde e vermelha e rojões de fumaça vermelha em mãos, eles se concentraram próximo ao Arco do Triunfo, sob olhares da polícia. Buzinas dos carros falaram alto por toda a avenida, tradicional ponto de encontro dos torcedores do time francês. Por volta das 21h (17h do horário de Brasília), com a Champs Elysées bloqueada, a brigada de repressão a ações violentas entrou em campo para dispersar a multidão.
A cena se repetiu por diversas cidades. Em Avignon, na região da Provença, Alpes e Côte d'Azur, os torcedores repetiram o que haviam feito na quinta passada: chegaram aos milhares ao Centro, tomando os bulevares que contornam as muralhas da antiga cidade fortificada e a bloqueando por completo.
Antes mesmo de a partida com a Espanha ter início, um forte esquema policial foi montado nas portas de acesso às muralhas para impedir a entrada de torcedores no centro histórico. Em cima de carros, eles soltavam rojões de fumaça e fogos de artifício.
Para evitar o que aconteceu na semana passada, a rede municipal de ônibus encerrou o serviço do transporte coletivo com acesso ao centro meia hora antes do fim da partida. Depois da vitória anterior, milhares de usuários do transporte público foram pegos de surpresa e se viram bloqueados nas avenidas, cercados por torcedores. Pessoas desciam dos ônibus e tentavam desesperadamente cruzar a multidão para chegar em casa. Algumas foram feridas pelos rojões. Até a estação de trem precisou ser fechada por segurança, retendo centenas de pessoas dentro dela. A polícia usou bombas de gás lacrimogêneo para dispersar os torcedores.
Em campo, o Marrocos avança como no mapa do mundo, tecendo e desatando os nós de relações tensas com países europeus. Para chegar até a França de carro, ou vice-versa, é preciso cruzar território português e espanhol. Bem, a Espanha ele já despachou. Portugal é o próximo adversário no sábado. Chegará o time marroquino à sua revanche total, contra a França, na quarta-feira, 14 de dezembro?