A árbitra francesa Stéphanie Frappart, 38, é a primeira mulher a participar da arbitragem de uma partida masculina em toda a história das copas do mundo. O feito foi alcançado durante o jogo entre México e Polônia, na primeira fase do Mundial de 2022, nesta terça-feira (22), em que ela foi quarta árbitra.
Essa não é a primeira vez que Stéphanie deixa sua marca. Integrante do quadro de árbitros da Fifa desde 2011, foi também a primeira mulher a apitar partidas da primeira divisão do campeonato francês, assim como da Liga dos Campeões da UEFA e das eliminatórias da Copa do Catar.
Quando seu nome foi anunciado para a Copa de 2022, Stéphanie foi questionada sobre atuar num campeonato sediado em um país conhecido pela opressão contra as mulheres. Disse, à época, que não iria ao Catar se não fosse pelo torneio, segundo o jornal "The Sun".
"Irei pela competição, não iria pelo ambiente. Mas, talvez, a Copa do Mundo melhore os direitos das mulheres no país", afirmou.
Ainda no jogo desta terça, a arbitragem contou também com a presença da brasileira Neuza Back, a primeira representante do país no torneio. Catarinense, Neuza já integrou a equipe de arbitragem nos Jogos Olímpicos de Tóquio e no Mundial da Fifa de 2020 - neste último, como bandeirinha reserva.
A auxiliar também esteve na Copa do Mundo Feminina de 2019 e em importantes jogos entre times brasileiros, como na primeira partida da final do Campeonato Paulista de 2020, entre Corinthians e Palmeiras.
Nas redes sociais, a Fifa celebrou o feito de ter a primeira mulher apitando um jogo em um Mundial.
"Mas colocar mulheres em alguns locais da Copa é uma tentativa de mostrar uma inclusão feminina, porém é feito de uma forma muito conservadora, o que mostra quem é a própria Fifa", diz à reportagem Lívia Magalhães, professora do Instituto de História da UFF (Universidade Federal Fluminense) e pesquisadora na área de futebol e gênero.
Lívia aponta outras ações de inclusão que deveriam ser tomadas, mas não são, como criar cotas de mulheres e pessoas LGBT+ em cargos importantes de tomadas de decisão da federação, exigir o mesmo salário para homens e mulheres na área e promover campeonatos igualitários. Precisa, também, impor a valorização do futebol feminino pelos meios de comunicação que tenham contrato com a Fifa.
A professora avalia que o feito mais parece uma forma de a federação rebater as críticas que têm sido feitas em torno dessa Copa nas questões sobre as mulheres do que realizar, de fato, uma transformação interna na própria instituição que comanda o futebol. No torneio atual, elas representam apenas 4% dos profissionais em campo.
Lívia lembra ainda a brasileira Léa Campos, que é considerada uma das primeiras mulheres no mundo na profissão de árbitra. Léa apitou no início dos anos 1970 desafiando as leis proibitivas que negavam a participação feminina no esporte. Sua fama pela luta em busca da igualdade de gênero foi reconhecida internacionalmente, quando foi convidada pela Fifa para apitar um torneio mundial de futebol feminino amistoso, no México.
Contudo, a professora resgata essa história para lembrar que já se passaram 50 anos e, somente agora, vemos uma mulher apitando a Copa do Mundo masculina.
"Por mais que seja importante o fato inédito da participação feminina, a ação da Fifa é muito aquém do que é preciso ser feito para diminuir o grande abismo da desigualdade de gênero no futebol", afirma a historiadora.
A jogadora brasileira Luiza Travassos, do Marshall University, dos EUA, que acumula convocações para as seleções de base, dialoga com Livia ao pontuar quão tarde estamos celebrando a primeira árbitra da história da Copa do Mundo, visto que "a primeira árbitra do mundo foi reconhecida pela Fifa em 1971", fazendo menção a Léa Campos.
À reportagem Luiza reforça o atraso, o qual ela afirma ser uma faceta do sexismo do esporte, e evidencia a simbologia de que "a primeira árbitra da história das Copas seja na edição do Catar, um país em que a liberdade das mulheres é tão pouca".
A árbitra Marcielly Netto, filiada à Federação do Estado do Espírito Santo e integrante do quadro de arbitragem da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), celebra o feito desta terça-feira.
"É histórico e emocionante ver mulheres atuando em jogos da Copa. Vai muito além do campo, é sobre representar uma classe com maestria. Isso mostra que competência e representatividade podem andar juntas."
Marcielly já foi vítima de machismo em campo. Em abril, ela foi agredida por um técnico com uma cabeçada no meio da partida. Na época, ela disse ao UOL que "praticamente em todo jogo falam coisas baixas pelo fato de ser mulher, tenho até vergonha de repetir. Mas esse tipo de agressão foi a primeira vez, e foi a que mais me assustou."