Nas últimas semanas, o goleiro Everson tem recebido críticas severas - e até ameaças - de uma parcela da torcida do Atlético. Nas redes sociais, a esposa do arqueiro, Rafaela Vieira, desabafou contra o tom descabido de parte dos questionamentos. O próprio clube protegeu publicamente o jogador de 30 anos, que virou centro das discussões a respeito do fraco desempenho defensivo alvinegro no Campeonato Brasileiro. Mas será que ele pode mesmo ser apontado como o principal motivo para a alta quantidade de gols sofridos pela equipe (42 em 34 jogos) na competição?
Para responder a pergunta, o Superesportes analisou a fundo informações geradas pelo SofaScore, plataforma especializada em estatísticas de futebol. A reportagem consultou e compilou números de 336 dos 342 jogos disputados pelos 20 clubes nesta edição da Série A até essa segunda-feira*. A avaliação levou em conta um dado classificado como “grandes oportunidades”.
Embora carregue certo grau de subjetividade, essa variável ajuda a entender que Everson não é o único - e talvez nem seja o principal - culpado pelo alto número de gols sofridos pelo Atlético.
A análise mais profunda sobre o tema indica que o problema é sistêmico, num time que, após quase um ano sob comando do técnico Jorge Sampaoli, ainda não encontrou os melhores antídotos para se defender de contra-ataques, lançamentos e, eventualmente, lances originados em bolas paradas.
Atlético se equipara a times que lutam contra o Z4
De acordo com o levantamento, o candidato ao título Atlético tem números semelhantes aos do Fortaleza, que sofre na luta para escapar do rebaixamento. Em média, o time alvinegro oferece 1,82 grandes oportunidades ao adversário por jogo - número ligeiramente pior que o 1,81 da equipe cearense, 15ª colocada do Brasileirão com apenas um ponto à frente do Z4.
Nenhum integrante do G8 da Série A possui desempenho tão ruim quanto o Atlético no quesito. As melhores equipes são Palmeiras (1,19) e, curiosamente, Flamengo (1,22), que, assim como o time mineiro, tem sido criticado pelo alto número de gols sofridos. Em seguida, aparecem Grêmio (1,26) e o líder Internacional (1,27).
O Atlético é só o 11º no ranking, que mede a eficiência no quesito. O 12º lugar da lista, por exemplo, é dividido entre Vasco - ameaçado de rebaixamento, assim como o Fortaleza - e Atlético-GO, que ocupa o meio da tabela de classificação do Brasileiro. Os times carioca e goiano cedem, em média, 1,97 grandes oportunidades ao adversário por jogo.
Dos 34 jogos disputados até aqui, o Atlético só não cedeu grandes chances ao adversário cinco vezes:
Rodada 13: Atlético 4 x 1 Vasco
Rodada 15: Atlético 3 x 0 Goiás
Rodada 18: Atlético 0 x 0 Sport
Rodada 31: Grêmio 1 x 1 Atlético
Rodada 34: Goiás 1 x 0 Atlético
É um número ruim se comparado a outras equipes da parte de cima da tabela. O líder no ranking é o Grêmio (13), seguido de Palmeiras (12), Flamengo (11), São Paulo (11) e Internacional (nove). O Atlético é o 11º da lista, com a mesma quantidade que o Bahia - mais um time que luta contra o Z4.
Número de jogos em que o time não cedeu grandes oportunidades ao adversário
1º Grêmio - 13
2º Palmeiras - 12
3º Flamengo e São Paulo - 11
5º Internacional - 9
6º Athletico-PR e Fluminense - 8
8º Red Bull Bragantino - 7
9º Corinthians e Coritiba - 6
11º Atlético e Bahia - 5
13º Atlético-GO, Ceará e Vasco - 4
16º Botafogo, Goiás e Santos - 3
19º Sport - 2
20º Fortaleza - 1
Everson é, sim, passível de críticas. Mas não só ele
Outras variáveis mostram que Everson pode, sim, ser questionado (desde que o tom das críticas seja adequado). Por exemplo: entre os goleiros com ao menos 50% de jogos disputados no Brasileirão, o camisa 31 alvinegro é apenas o 18º em defesas difíceis (foram 13 em 24 partidas).
Diante da adversidade de precisar parar uma grande oportunidade rival, Everson tem, de fato, números piores que o concorrente Rafael no Campeonato Brasileiro.
Em média, o adversário precisa de 1,25 grandes oportunidades para fazer um gol em Everson. Os números de Rafael são significativamente superiores, embora a amostra seja bem menor (dez jogos, sendo um deles incompleto, contra 24).
Os rivais precisam de 2,62 grandes oportunidades para marcar contra o ex-cruzeirense. Não quer dizer, porém, que o desempenho de Everson nesse sentido seja terrível. O titular da meta alvinegra tem números comparáveis aos de outros goleiros da elite nacional.
A escolha de Sampaoli no gol diz respeito ao modelo de jogo. Para ter uma equipe propositiva e com qualidade de construção pelo chão, o treinador opta por Everson. E, nesse ponto, o goleiro não decepciona. Ele é o melhor da Série A em acerto no passe (83%) e no passe longo (53%).
Everson entre os goleiros com pelo menos 50% dos jogos disputados no @Brasileirao:
1° em menos erros defensivos (0) 13° em gols sofridos por jogo (1.29) 14° em Nota SofaScore (6.87) 18° em bolas defendidas (66%) 18° em defesas difíceis (13) 19° em defesas (59) pic.twitter.com/gZbfKwLnvC
Também não é possível acusar Everson de deixar passar bolas fáceis ou cometer outros equívocos cruciais. Ele não registrou nenhum erro defensivo no Campeonato Brasileiro. É o melhor no quesito.
Problema sistêmico
O alto número de grandes chances cedidas pelo sistema defensivo mostra que o goleiro atleticano - independentemente de qual for - muitas vezes será exposto a situações desfavoráveis. Na linguagem boleira: precisa fazer “milagres” para evitar que o time sofra gol.
Historicamente, porém, as melhores defesas em pontos corridos não são necessariamente aquelas com o arqueiro de intervenções espetaculares, mas as que evitam que o adversário crie muitas oportunidades.
É compreensível o ponto de vista de quem sugere uma mudança no gol alvinegro. Afinal, quando acionado, Rafael foi bem. Porém, assim como Everson, o ex-jogador do Cruzeiro também sofreu - e continuaria sofrendo - com as falhas sistêmicas na defesa atleticana.
Culpar exclusivamente o goleiro ou atribuir a um jogador a maior parcela de culpa, nesse caso, é simplificar um problema muito maior. Ao menos de acordo com os números.
*O levantamento do Superesportes não considerou seis partidas do Campeonato Brasileiro que não tinham dados de “grandes oportunidades” disponibilizados pelo SofaScore: