Não foi preciso mais de uma hora e meia de críticas, protestos e até ameaças para que um iminente negócio retomasse o status de inimaginável, adjetivo que jamais deveria tê-lo deixado de caracterizar. O episódio Thiago Neves - que ferveu uma segunda-feira um tanto enfadonha na cobertura alvinegra - pode ser visto quase como um símbolo de resistência contra um processo que afasta, à força, a torcida das instâncias decisórias de um futebol elitizado. Desta vez, o “povo” atleticano tomou as rédeas e, ainda que por linhas tortas, se impôs contra um projeto equivocado dos donos do terno, da gravata e da caneta (mas não do Atlético).
Ainda que o pior tenha sido evitado, a simples hipótese de contratar um jogador que acumula mais cartões que gols nos últimos 12 meses deixa rastros no ambiente interno e escancara desavenças na alta cúpula alvinegra. Externamente, a má condução do caso gerou revolta - na pior das instâncias, aflorou a inconsequência de mais de 300 torcedores, que se aglomeraram em protesto contra diretoria e atleta em meio a uma pandemia que matou mais de 930 mil pessoas pelo mundo. Sim, o vírus ainda está entre nós.
Em pouco tempo, uma sucessão de erros transformou o cenário positivo, motivado pela vice-liderança e o melhor aproveitamento do Campeonato Brasileiro, em um ambiente, no mínimo, tenso. Os equívocos começam no idealizador do projeto: Jorge Sampaoli, responsável principal por comandar a transformação tática que coloca o Atlético na lista dos candidatos ao título nacional. O argentino, porém, é falível. Não é preciso conhecer a fundo a história alvinegra para identificar que o ex-cruzeirense encontraria adversidades na Cidade do Galo - tanto pelas constantes provocações em anos anteriores, quanto pelo retrospecto recente em campo.
Diante do pedido do comandante técnico, cabia aos seus superiores dissipar qualquer possibilidade de negócio. O diretor de futebol Alexandre Mattos, com 15 anos de experiência e outros clubes grandes no currículo, e o presidente Sérgio Sette Câmara, torcedor do Atlético e declaradamente ávido frequentador de arquibancadas na infância e juventude, tinham poder de veto. Convencidos - talvez pela redução significativa na pedida financeira do jogador -, apostaram na suposta capacidade de Sampaoli transformar tudo o que toca em ouro, mas esqueceram a óbvia repercussão negativa que o acordo teria antes mesmo de ‘Midas’ entrar em ação.
Thiago Neves havia rescindido contrato com o Grêmio e estava a caminho do Atlético - Foto: Lucas Uebel/Grêmio
A proximidade do acordo com o ex-ídolo cruzeirense, de passagem melancólica pelo Grêmio, causou insônia em torcedores e dirigentes. Mais do que isso, expôs a existência de vozes dissonantes na própria diretoria alvinegra, que já vive ambiente eleitoral, a três meses do pleito presidencial. O vice Lásaro Cândido da Cunha foi às redes sociais responder um torcedor que o provocara: “Se estiver escrevendo mesmo um livro, tem que ter um capítulo especial só para essa noite". O dirigente, então, deixou clara a discordância em relação a seus pares: “Não escreverei jamais sobre assunto que não participei! E que não aprovo!”.
Não são prejudiciais as divergências ou a existência de diferentes opiniões em instâncias decisórias de clubes de futebol. Pelo contrário. Porém, num ambiente como o do Atlético - que conta com presidente, vice, treinador, diretor de futebol, gerente e patrocinadores participativos -, espera-se que mais de um deles tenha voz ativa para impedir instauração de uma crise, ainda que pequena, em especial durante um momento promissor e esperançoso dentro das quatro linhas. Qualquer passo em falso pode ter reverberações sérias na eleição que definirá, em dezembro, os componentes da gestão do clube para o próximo triênio.
Alexandre Mattos se desculpou publicamente. Jorge Sampaoli compreendeu a revolta da torcida, aceitou a desistência do negócio e voltou a cobrar a chegada de um camisa 10. Sérgio Sette Câmara silenciou. Ao presidente, além de dar à torcida explicações sobre o caso e aparar as arestas com Alexandre Kalil visando à reeleição, resta o dever de encontrar meios para quitar salários (recorrer novamente aos Menin?) e evitar o que seria ainda pior que a contratação de Thiago Neves: a saída precoce do treinador.