Com mérito de ter levado a Seleção Venezuelana a novo patamar na América do Sul, o técnico Rafael Dudamel, de 46 anos, começou a viver desde ontem o maior desafio de sua carreira num clube: agora a tarefa é levar o Atlético, em jejum desde 2018, de volta ao caminho dos títulos. O treinador tem curta trajetória em clubes, mas a diretoria alvinegra tomou como referência o sucesso dele no comando do selecionado vinotinto, o que o qualificaria para promover um trabalho de renovação e interromper as constantes mudanças no comando técnico. Seu contrato será por duas temporadas.
O Atlético será apenas o terceiro time comandado pelo ex-goleiro Dudamel, que abandonou a carreira em 2010 para se dedicar à experiência à beira do campo. Aos 37 anos, estreou comandando o Estudiantes de Mérida em agosto de 2010 no Torneio Abertura daquele ano. O desempenho não foi expressivo: alcançou o nono lugar na competição, com apenas 28,8% de aproveitamento. Depois, buscou estudos sobre a profissão e acabou assumindo a seleção Sub-17 da Venezuela em 2012.
A segunda e última presença numa equipe foi bem mais positiva. Em duas temporadas inteiras no comando do Deportivo Lara (2014 e 2015), teve chance de atuar em conjunto com a base. Seus resultados mais expressivos foram o vice-campeonato da Taça da Venezuela em 2015, perdendo a final para o Deportivo La Guaira e a classificação às semifinais do Torneio Clausura. O aproveitamento foi de 50,3%.
Na Venezuela, o maior feito foi no comando da seleção Sub-20, com o vice-campeonato mundial da categoria, batido pela Inglaterra por 1 a 0. Na equipe principal, levou o país às quartas de final da Copa América em 2016, nos Estados Unidos. Depois da lanterna nas últimas Eliminatórias, a missão era classificar a seleção vinotinto para a Copa do Mundo do Catar, em 2022. Por divergências com a Federação de futebol do país, ele optou por abandonar o projeto. Em 41 partidas, obteve 44,7% de aproveitamento.
Continuidade
A estabilidade no cargo é um aspecto que o Atlético tenta atingir com a vinda de Dudamel. O discurso da cúpula alvinegra é de que o comandante terá tempo para se adaptar ao futebol nacional, conhecer bem o grupo e fazer uma transição eficiente com as categorias de base. O venezuelano entende que será muito cobrado: “O Atlético é uma equipe com boa base de jogadores, que vai somar em alto nível. O jogador que vem ao Atlético tem de entender que tem de render ao nível do clube. O clube tem uma história e uma performance maravilhosa. O corpo técnico e os atletas têm de entender que deverão se comportar, trabalhar e render mais”.
O treinador chega ao Brasil almejando conquistas grandes: “Estamos conscientes de que há muito trabalho pela frente. Não conheço outra maneira de desfrutar de meu trabalho se não ganhar. Estamos conscientes do compromisso e da responsabilidade e vamos trabalhar com muito entusiasmo e entrega total para que essa gente fanática do Atlético esteja feliz e saia do estádio sorrindo”.
Após dez anos, uma festa no aeroporto
Há muito tempo um treinador não assumia o Atlético com grande apoio dos torcedores num desembarque no aeroporto de Confins. O último comandante a chegar nos braços dos alvinegros foi Vanderlei Luxemburgo, em dezembro de 2009 – seus sucessores vieram em condições mais discretas e sem presença de atleticanos. Rafael Dudamel foi presenteado com um chapéu de uma organizada e logo o colocou para posar para fotos.
Em seguida, fez um pequeno discurso para os cerca de 50 integrantes de uma das torcidas que foram impedidos pela Polícia Militar de chegar ao saguão do desembarque por questão de segurança. “Muito obrigado pela recepção. Estaremos juntos pelo bem do Galo”, disse, rapidamente, antes de entrar no carro. Os torcedores responderam com provocações ao arquirrival, Cruzeiro, rebaixado no Brasileiro. “Deixa passar, deixa passar. Dudamel é Galo Doido, único na Série A”.
O treinador esteve na sede de Lourdes, onde se reuniu com o presidente Sérgio Sette Câmara e o diretor de futebol Rui Costa para começar a discutir as metas da temporada. Os demais integrantes da comissão técnica dele – o auxiliar Marcos Mathías, o preparador físico Joseph Alí Cañas, o analista de desempenho Rodrigo Piñon e o coach motivacional Jeremias Álvares – chegaram na noite de domingo.
Dudamel assume o Atlético com um custo inferior aos últimos treinadores que passaram pelo clube. O investimento para pagar os salários de toda a comissão técnica será de R$ 6 milhões nos dois anos de contrato. O vencimento do treinador é de cerca de R$ 250 mil mensais.
Decepção na Venezuela
Enquanto os atleticanos comemoram a chegada de Dudamel ao futebol brasileiro, a repercussão pela saída do treinador da Seleção Venezuelana foi negativa em seu país. A imprensa local e torcedores criticam o treinador, que afirmam ter sido seduzido pela proposta do Atlético e abandonado a seleção a três meses do começo das Eliminatórias Sul-Americanas.
Dudamel assumiu a Venezuela em 2016, herdando o posto do ex-atacante Noel Sanvicente. Segundo jornalistas do país, a Federação Venezuelana foi pega de surpresa, ainda que houvesse atritos. “Causa um alvoroço, porque faltam poucos meses para os playoffs começarem. O grupo já estava consolidado. Dudamel falou tanto que continuaria trabalhando com a equipe, mas o relacionamento com alguns executivos da FVF não era dos melhores. Imagino que o começo das Eliminatórias seja amargo, pois será difícil definir um novo treinador”, afirma o jornalista venezuelano Miguel Ricardo Peña, do portal La Pizarra del DT. “E agora o problema continua, porque ele deixa a seleção praticamente jogada fora”.
Ele imagina que o caminho ficará mais difícil em busca do projeto Catar'2022: “O torcedor tem obsessão em ver o país na Copa. Alguns não gostavam nada do estilo de jogo do Dudamel, mas estava obtendo os resultados por ser um técnico que se apresenta defensivamente melhor do que ofensivamente, embora contasse com jogadores bons no ataque”. Segundo Peña, o treinador obteve boa aceitação do público mesmo com atitudes aparentemente sem coerência. “Antes da Copa América, não havia chamado Soteldo (atacante do Santos), mas Peñaranda (Watford) passou a jogar muito pouco na temporada. Soteldo foi à competição”.
Um técnico estrangeiro não está descartado para substituí-lo. O favorito é o argentino Diego Maradona, que ainda cumpre contrato com o Gimnasia y Esgrima até o fim do ano. Mesmo assim, o salário estaria acima do teto salarial. As opções passam a ser César Farias e Richard Páez, ambos venezuelanos.
Dudamel nos clubes
Estudiantes de Mérida (2010 a 2011)
Agosto/2010 a maio/2011
37 jogos
7 vitórias
11 empates
19 derrotas
28,8% de aproveitamento
Estreia: 1 x 1 Carabobo (c), em 15/8/10, pelo Torneio Abertura
Último jogo: 0 x 0 Aragua (c), 15/5/11, pelo Torneio Clausura
Campanhas
9º colocado do Torneio Abertura 2010/2011
2ª fase da Copa Venezuela 2010
Deportivo Lara (2014 a 2015)
Duas temporadas completas
88 jogos
34 vitórias
31 empates
23 derrotas
50,3% de aproveitamento
Estreia: 4 x 0 El Vigía (c), em 12/1/14, pelo Torneio Clausura
Último jogo: 0 x 2 Deportivo La Guaíra, em 26/11/15, pelo Torneio de Adecuación
Campanhas
Quartas de final do Torneio Clausura'2013/2014
8º colocado no Torneio Abertura 2014/2015
Quartas de final do Torneio de Adecuación'2015
Vice-campeão da Taça Venezuela'2015
Semifinal do Torneio Clausura'2014/2015