Atlético
None

ESPECIAL

Do drama ao sonho no Atlético: Adilson se apega à filha para superar aposentadoria e vive expectativa por grande título na carreira

Ex-volante, que agora é membro da comissão técnica do Galo, espera taça da Copa Sul-Americana para rechear dois currículos com a conquista

postado em 06/09/2019 07:00 / atualizado em 05/09/2019 23:54

<i>(Foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)</i>

Um, dois, três dias de exames. Um procedimento que deveria ser rápido passou a incomodar. A cabeça foi tomada de preocupação. O quarto dia foi acompanhado por três médicos do Atlético, até que veio uma notícia devastadora: a carreira de jogador teria de ser encerrada antes do planejado. “Eu fiquei perplexo, entrei em outra dimensão, fiquei em transe, calado”. 

Foi dessa forma que Adilson descobriu que deveria se aposentar dos gramados. Uma cardiomiopatia hipertrófica - problema cardíaco que poderia gerar arritmia cardíaca e, eventualmente, morte súbita - foi detectada em testes de rotina feitos pelo ex-volante, que se preparava para o clássico contra o Cruzeiro, pela Copa do Brasil. 

Passadas algumas semanas, Adilson admite que saudade da vida de jogador é diária. A ideia de abandonar os gramados é respeitada pelo ex-volante, mas o desejo de voltar é enorme. “Continua não sendo fácil para mim, porque continuo acompanhando o dia a dia do clube, dos atletas, dos jogos. Dá muita saudade, sem dúvida. Se eu pudesse voltar ainda, eu voltaria. Se acontecesse um milagre, eu voltaria”.

A carreira teve fim, mas o sonho da última conquista segue vivo. Adilson participou da campanha do Atlético na Copa Sul-Americana (entrou em campo na estreia da equipe, na derrota por 1 a 0 para o Unión La Calera, no Chile). O alvinegro está na semifinal, contra o Colón, da Argentina. Caso o Galo termine o torneio com a taça, o ex-volante promete atualizar dois currículos. “Existe essa possibilidade agora. Até estava brincando que colocaria no currículo como jogador, que participei da Sul-Americana e, por estar na comissão técnica, colocaria um eventual título nos dois lados”.

Em entrevista exclusiva ao Superesportes, Adilson passou a carreira a limpo, relembrou a infância na pequena Bom Princípio, no Rio Grande do Sul, a vida antes do futebol e falou sobre como o nascimento de Manuela, sua primeira filha, ajudou a superar a tristeza pela aposentadoria precoce do futebol

A notícia da aposentadoria

Naquele momento, eu estava me preparando. A gente iria jogar o clássico pela Copa do Brasil. Eu estava muito focado. Na pausa para a Copa América, a gente recebeu folga de dez dias. Eu acabei aproveitando aquele período para continuar os treinamentos, me dedicar. Eu sentia essa necessidade. Eu voltei acima dos demais de acordo com a avaliação do pessoal aqui. Eu estava avançado por essa preparação que eu tive. Poucos dias antes do clássico eu fui fazer os exames rotineiros da parte cardiológica. A princípio, seria um exame. No dia seguinte, o doutor solicitou outro exame. E foi entrando o terceiro dia, estava impaciente, pois estava perdendo dias de treino, a preparação, no momento mais importante. Foram três a quatro dias de exame. No quarto dia, eu iria, finalmente, fazer o último dia, de esforço, na esteira da clínica de um médico do Atlético. A princípio, só teria um doutor para fazer um exame comigo. Quando cheguei, tinham três médicos do Atlético. No segundo dia eu já estava pensando algumas coisas, sem querer acreditar, mas achava estranha a situação, de ela estar avançando. No quarto dia, minha cabeça já estava cheia de minhoca, pensando um monte de coisa. Quando entrei na sala e vi os três médicos do Atlético, senti que a coisa estava bem séria.

Só quando tu ouve a notícia que a coisa vem à tona. Eu fiquei perplexo, entrei em outra dimensão, fiquei em transe, calado, só ouvindo os doutores, que foram profissionais e muito humanos naquele momento, com as palavras certas, tentando colocar minha cabeça no lugar. Foi muito difícil.

Graças a toda a organização que já tinha na minha vida, com tudo sempre muito bem organizado e planejado, me deu um pouco mais de tranquilidade para enfrentar esse momento difícil e inesperado como esse. Continua não sendo fácil para mim, porque continuo acompanhando o dia a dia do clube, dos atletas, dos jogos.

Dá muita saudade, sem dúvida. Se eu pudesse voltar ainda, eu voltaria. Se acontecesse um milagre, eu voltaria. Mas eu estou procurando encarar da melhor forma possível, de cabeça erguida. Minha filha nasceu logo. Quando surgiu esse processo, ela estava para nascer, e isso foi mais um incentivo para que eu pudesse seguir em frente. As coisas têm ido muito bem. O Atlético me deu todo o suporte, os torcedores também, desde quando tudo foi divulgado. O Atlético está me dando suporte, permitindo que eu siga em frente, tendo esse lado humano, que no futebol é sempre difícil, tudo tem que ser muito profissional, muita cobrança, muito resultado. A questão financeira dos clubes é difícil. O Atlético está cumprindo com o lado humano, principalmente, e me dando todo o suporte para seguir em frente.

Nova rotina

Eu já fiz outras avaliações aqui com os médicos. Estou seguindo os treinamentos, totalmente diferente do que era antes, de uma forma bem mais moderada e controlada. Como é uma situação bem inicial da doença, bem pequena, que pode permanecer assim para sempre e eu possa viver uma vida tranquila e normal. Devo fazer atividades, posso participar de algumas coisas no treinamento, auxiliar em algumas coisas, sempre com o controle da minha frequência. A vida segue super normal, tranquila. Não é uma situação tão grave assim. Ela exige uma atenção especial, um cuidado, numa prática onde tu busca a performance, tem picos de frequência e não tem muito controle. Uma atividade controlada é necessária.

Noites de sono tranquilas

Eu estou vivendo uma vida mais ‘light’. Minha vida era muito intensa. Eu, praticamente, não saia de casa desde que voltei ao Brasil. Lá, eu jogava pouco mais de 20 jogos por temporada. Aqui, eu fazia 40 jogos por temporada, muitas vezes um seguido do outro, com pouco tempo de recuperação. Era treinamento intenso, jogo intenso e recuperação em casa. Minha vida estava sendo basicamente essa, não estava sendo fácil. Agora estou tendo tempo para descansar, dormir mais relaxado, estou tendo um sono mais tranquilo. Antes, era um sono sempre agitado. Estou aproveitando isso. No primeiro momento desse processo todo houve uma sensação de alívio. Quando passei a entender o risco dessa atividade, era um risco mortal, muito pequeno, mas um risco que passei a correr. Então, num primeiro momento, você fica aliviado: ‘Estou preservando minha vida, minha filha está chegando, sou jovem ainda, com muita coisa para fazer, aproveitar e aprender’. Teve também essa sensação. Com todo esse acompanhamento, tem tudo para que eu possa viver muitos e muitos anos.

Homem de fé

Tenho uma base de casa, tradicional, religiosa. Sempre frequentava e frequento igrejas aqui em Belo Horizonte, sempre fazendo minhas orações, agradecendo muito mais que qualquer outra coisa. Durante minha carreira, passei por muitos momentos difíceis, jogos em que as coisas não aconteciam da maneira que esperávamos. Na sequência dos fatos, havia um encaixe da situação. Todos as etapas sempre foram evoluindo para o lado melhor. Meus contratos, a sequência do meu trabalho, do início ao fim, sempre foram para melhor. Sempre havia um encaixe. Sempre acreditei que nada era coincidência. Claro que fiz meu trabalho de forma honesta e correta e deixava as coisas acontecerem. E elas aconteciam sempre da melhor maneira. Nesse meu processo (de aposentadoria), também acho que houve um encaixe principalmente pela chegada da minha filha poucos dias depois de tudo o que ocorreu. A despedida foi no dia 21, que eu dei o pontapé inicial (do jogo contra o Fortaleza) e no dia 22 ela nasceu.

Quem tem fé como eu, acredita que isso não é por acaso. Não poderia ser diferente. Tenho esse lado (religioso) e acredito muito e agradeço por ter minha vida preservada e acompanhar minha filha, que está sendo sensacional. Estou acompanhando ela como certamente não acompanharia se estivesse jogando... concentrações, viagens, jogos... Seria impossível estar ali no dia a dia da mesma maneira que está sendo desde o nascimento dela. Eu agradeço mais do que peço porque as coisas ocorreram da melhor forma possível.

<i>(Foto: Reprodução/Instagram)</i>

Sonho de título

Bati na trave nos campeonatos. Fui vice-campeão na Libertadores, fui numa semifinal, fui na semifinal de Copa do Brasil, vice-campeão brasileiro, tive muitas bolas na trave nessas competições. Fui campeão estadual no Sul e aqui em 2017. Ficou claro que faltou um título maior. Claro que isso não é o mais importante, isso é muito pessoal. Mas existe essa possibilidade agora. Até estava brincando que colocaria no currículo como jogador, que participei da Sul-Americana e, por estar na comissão técnica, colocaria um eventual título nos dois lados, se isso ocorrer. E o Brasileiro ainda está em aberto. Seria muito legal e especial. Não posso colocar uma responsabilidade tão grande neles aqui. Seria muito bacana. Continuo brincando com eles, converso com eles e tento fazer com que eles sejam atendidos e que haja essa ligação próxima. Quanto maior a sintonia entre os departamentos, a probabilidade de as coisas aconteçam da melhor maneira é muito maior. Espero, torço, conto com os meninos para que isso aconteça.

Comissão técnica

As coisas aconteceram muito rápido. Num primeiro momento, estava imaginando que iria voltar para casa, para o Sul, e seguir meus estudos. Sou um cara que estuda muito e sempre aprendo alguma coisa, lendo muito. Estava pensando em ficar perto da minha família, dos meus amigos, e estudar, montar um negócio. Foi a primeira coisa que pensei, sinceramente. Mas o Rui Costa e o Marques foram me visitar em casa assim que as coisas se acalmaram. O presidente não estava no país, mas me ligou e deu todo o suporte dele. Eles foram me dar um abraço, conversar comigo e chegaram com essa possibilidade. Perguntaram o que eu queria fazer, se eu queria passar para a gestão do futebol. Todos acham que eu tenho o perfil para trabalhar no futebol de uma maneira ou outra. Houve essa ideia do Rodrigo Santana, um cara sensacional... Quem tiver oportunidade de conviver com ele tem de aproveitar, porque é uma pessoa diferenciada, pois está de braços abertos para ajudar sempre. Surgiu dele essa possibilidade de acompanhar o dia a dia, de ver como funciona todo o processo de preparação dos treinos e jogos e ser um elo entre a comissão técnica e os jogadores. Conheço bem cada um deles e tenho boa relação com todos. Surgiu essa ideia, a sementinha foi plantada. Imediatamente eu gostei da situação e resolvi encará-la.

Não é fácil vir aqui trabalhar com os meninos. O nível e a exigência são muito altos entre a comissão técnica. Há a pressão grande de torcedor. Desde o presidente para baixo, a exigência é muito grande. A responsabilidade de tudo que você fala e faz é muito grande. Mas está sendo uma experiência sensacional. Não tem faculdade, curso, nada que ensine isso que eu estou passando aqui. É claro que vou buscar especialização neste sentido, com cursos. Isso é importante. Mas esse período que tenho passado com o Rodrigo é sensacional. O pessoal está o parabéns, desde o presidente, que acatou a situação e permitiu que acontecesse, o Rui e o Marques, que foram caras bacanas nesse processo, e o Rodrigo também. Tenho de todos os dias chegar, dar um abraço e agradecer, porque a experiência está sendo muito boa.

Futuro

Penso todos os dias sobre isso e venho conversando com pessoas boas e profissionais de altíssimo nível. Sempre peço orientação. Existem os cursos da CBF, que já dei uma olhada e pretendo fazer. Acho que é importante aprender um pouco de cada área até que eu entenda para que lado realmente eu vou. No momento em que eu decidir se vou para gestão ou para o campo, vou dar o carrinho com os dois pés e vou com tudo para cima. Mas esse primeiro momento é importante. Ainda tenho contrato com o Atlético. Tenho uma situação a cumprir, para definir entre nós. Nos próximos meses eu terei uma definição. Estou aproveitando esse primeiro contato com comissão técnica e em breve vou definir para que lado que vou.

Infância

Lá era bem interior ainda. Era uma época bem diferente do que é agora. A gente ficava muito solto pelo bairro. A gente brincava muito, tomava banho de rio, subia montanha, jogava futebol, praticava vários esportes. A atividade era intensa. Era estudar e brincar, correr, praticar esportes o tempo inteiro. Uma época que tive privilégio de viver. Hoje é bem mais complicado.

Primeira mudança

Foi uma mudança bem grande para mim. Apesar de Caxias do Sul ser próxima de Bom Princípio, era menino do interior, para mim, aquilo era uma mudança muito grande. Tive dois momentos em Caxias. Era ainda muito pequeno quando fui para o Juventude. Fiquei dois anos e as coisas não deram muito certo lá. Eu ainda era muito jovem. A princípio, já estava desistindo de ser jogador profissional. Passei três anos em casa depois desse período. Comecei a trabalhar, estudar à noite. Estava tomando outros rumos. Tive uma nova oportunidade de voltar, agora no SER Caxias, com 17 anos, um pouco mais maduro. Tive a oportunidade de iniciar o meu sonho que tinha desde pequeno.

Tive ajuda de muita gente de Bom Princípio, que tinha uma estabilidade em Caxias do Sul, me recebeu lá e facilitou esse processo. Foi um pouco mais tarde do que o comum, do que o padrão dos atletas que têm todo um processo nas categorias de base. Eu comecei um pouco mais tarde. Eu tive suporte dos meus pais, que permitiram que eu fosse em busca do meu sonho, todo o processo que eu já tinha iniciado em Bom Princípio. Tive o suporte dos meus pais para reiniciar esse sonho.

Sonho de infância

É uma situação que eu penso bastante. Eu lembro que era um cara muito dedicado. Trabalhei em uma empresa de calçados que meu pai trabalhava. Dentro da empresa, eu sempre buscava uma ascensão, evoluir de cargo, aprender, tentando ser o máximo eficiente possível. Estava crescendo na empresa, estava estudando, fazendo cursos. Eu estudaria idiomas, sempre gostei de inglês desde pequeno. Certamente eu me especializaria nessa área. Depois teve uma crise muito forte no setor de calçado no Sul. Aquela empresa, inclusive, fechou, não era muito grande. Poucas empresas sobreviveram neste ramo. Então, não sei se teria continuado, mas eu teria investido todas as minhas energias nessa área. 

E se não fosse jogador...

Acho que fui muito além do que eu esperava. Tinha objetivos, no início, de ser jogador profissional e, quem sabe, jogar no clube que era o meu clube de coração. E as coisas foram muito além. Realmente agradeço a Deus e a minha família, todo mundo que me ajudou. As coisas andaram muito bem. Criei uma identificação com todos os clubes que passei. Tive muito respeito de todos os profissionais e torcedores. Não à toa, fiquei muito tempo em cada equipe. É uma situação que vem da base em casa, os valores que a gente recebe. Procurei valorizar, sempre ao máximo, a oportunidade que os clubes me deram. Tentei sempre me entregar ao máximo. As coisas aconteceram de uma forma muito boa em todos os lugares que passei. Eu usufrui mesmo, aprendi novas culturas, novos idiomas. Eu evolui muito, a gente é obrigado a evoluir muito cedo em nossa profissão. Tive o prazer e a oportunidade de conhecer muita coisa, muitos lugares, e evoluir como ser humano. 

<i>(Foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)</i>

Tags: atlético galo interiormg adilson entrevista