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Peso da camisa, saudade da família, estrutura… Todos esses são fatores citados com frequência por jogadores que deixam outros países para voltar ao Brasil. Com Maicon Bolt não foi diferente. Para o novo reforço do Atlético, entretanto, um outro fator pesou: conflitos nos quais a Turquia está envolvida. Afinal, futebol vai muito além da bola na rede.
“Foi a parte política. O governo teve muitos problemas com os Estados Unidos. Então, acabou que a crise afetou um pouco o futebol”, admitiu o atacante de 28 anos, que, em seguida, citou a grandeza do Atlético e lamentou atrasos de pagamento do Antalyaspor, clube que defendeu entre o meio de 2017 e o final de 2018.
Mas o que exatamente está acontecendo na Turquia? De que forma o futebol tem sido afetado pelos conflitos políticos? O Superesportes te ajuda a entender um dos fatores que levaram Bolt ao Atlético.
Localização
Com território dividido entre Europa e Ásia, a Turquia faz fronteira com a Síria (veja no mapa acima). Por esses e outros motivos, a Guerra Civil que se arrasta no país vizinho desde 15 de março de 2011 também afetou a região onde morava Maicon Bolt.
Apesar de estar relativamente distante da região dos principais conflitos, Antalya - cidade turística do litoral mediterrâneo que é sede do Antalyaspor - também foi afetada pela crise política e bélica. Curiosamente, o município foi um dos que menos havia recebido refugiados sírios "beneficiários de proteção temporária", segundo dados divulgados pelo governo turco em maio de 2016.
A guerra
O conflito que afeta indiretamente a Turquia é um dos desdobramentos da Primavera Árabe, onda revolucionária contra governos autoritários do Oriente Médio e do Norte da África a partir de dezembro de 2010. Enquanto em alguns países da região os movimentos já foram concluídos, na Síria o conflito se complexificou e ganhou outros personagens importantes de várias partes do planeta.
Inicialmente, o principal objetivo do movimento era destituir o presidente Bashar al-Assad, que contra-atacou sob a alegação de combater, nas palavras dele, “terroristas armados”. O que era uma luta por poder político ganhou também ares de disputa econômica e até religiosa.
Segundo dados da ONG Observatório Sírio de Direitos Humanos, mais de meio milhão de pessoas haviam sido mortas até março de 2018. Diante desse cenário, milhões de sírios deixaram o país em busca de novos lares num movimento que mexeu com a diplomacia dos principais governos mundiais.
E a Turquia nessa história?
Aliados no combate ao grupo terrorista Estado Islâmico (EI) na Síria, a Turquia e os Estados Unidos divergem sobre determinados aspectos que envolvem a guerra civil. O principal deles é sobre os curdos, grupo étnico do Médio Oriente.
O presidente turco Recep Tayyip Erdogan classifica milícias curdo-sírias Unidades de Proteção do Povo (YPG, na sigla em curdo) como terroristas que habitam a região fronteiriça entre Turquia e Síria. Para os EUA, entretanto, o grupo é um aliado.
Tanto é que, no último domingo, o presidente dos EUA, Donald Trump, publicou no Twitter que “arrasará economicamente” a Turquia em caso de ataque ao YPG. O porta-voz turco, Ibrahim Kalin, respondeu no mesmo tom, também pela rede social: “Terroristas não podem ser seus aliados”, escreveu, ao comparar o grupo apoiado por Washington com o Estado Islâmico.
Mr @realDonaldTrump Terrorists can%u2019t be your partners & allies. Turkey expects the US to honor our strategic partnership and doesn%u2019t want it to be shadowed by terrorist propaganda. There is no difference between DAESH, PKK, PYD and YPG. We will continue to fight against them all. https://t.co/Yyzgyp9RQ4
Nos últimos dias, Erdogan relatou uma conversa por telefone com Donald Trump. Segundo o representante turco, o presidente dos EUA garantiu que criará uma zona de proteção de 32km de extensão ao longo da fronteira entre a Turquia e a Síria em que integrantes do YPG não poderão estar. A atitude é considerada um meio de tentar cessar o conflito, que, entretanto, ainda está longe de um fim.
Como isso afeta o futebol?
Apesar de em determinados momentos não parecer, o futebol segue os rumos das finanças de um país. Na Turquia, vários fatores motivaram uma espécie de crise econômica, que se agravou nos últimos meses. Entre eles, estão: a alta inflação, a dependência de investimentos externos e, é claro, as turbulências na relação com os EUA. Não à toa, o valor da lira (moeda turca) atingiu recordes negativos em 2018.
Diante de todas essas complicações políticas e econômicas, o futebol da Turquia tem sofrido. Os principais clubes passam - ou passaram em algum momento nos últimos anos - por crises financeiras, se endividaram na compra de jogadores e tiveram dificuldades em honrar compromissos.
“O clube ficou devendo algumas coisas, algumas pendências. Mas já foi resolvido”, admitiu Maicon Bolt na chegada ao Atlético.
Prova esportiva do enfraquecimento do futebol local é que clubes da Turquia chegaram às oitavas de final da Liga dos Campeões da Europa apenas uma vez nas últimas cinco temporadas. E o resultado não foi nada bom: eliminação do Besiktas para o Bayern de Munique com placar agregado de 8 a 1.
Em busca de uma reestruturação do esporte mais popular do país, a associação de bancos turcos e a federação de futebol firmaram um acordo de refinanciamento da dívida dos clubes. O valor envolvido nessa decisão chega a 11 bilhões de liras turcas (1,8 bilhões de euros ou mais de R$ 7,6 bilhões).