Cinco anos depois da conquista da Copa Libertadores, Alexandre Kalil não está mais no comando do Atlético e sim à frente da prefeitura de Belo Horizonte. Mas o agora gestor público não esconde a emoção quando relembra o feito de 2013: ajudar o clube do coração a erguer a principal taça de sua história.
Em entrevista exclusiva ao Superesportes e ao Estado de Minas, Kalil fez um contraponto entre o que sentia em 2013 antes, durante e depois da Copa Libertadores, e sua visão de hoje. Em meio à apertada agenda de prefeito, ele se permitiu cometer inconfidências e detalhou algumas histórias: um erro cometido pela diretoria antes do jogo com o Tijuana, no México, e como evitou uma crise interna entre jogadores e o técnico Cuca.
Veja, na íntegra, a entrevista exclusiva com Alexandre kalil no especial “5 anos da libertação”.
O título da Libertadores de 2013 mudou para sempre a história do Atlético. Quais as principais lembranças da conquista?
É tudo muito diferente de quando você ganha a Libertadores e quando se passa cinco anos do título da Libertadores. Você casa, depois de dez anos você separa. São sentimentos completamente diferentes. Não tenho hoje o mesmo sentimento que eu tive puramente emocional quando ganhei o título como dirigente. O que eu aprendi foi a importância de ter um vestiário campeão. Foi a maior lição que aprendi. Estive com vários amigos, inclusive com um diretor da CBF, que é um deputado federal, logo depois do jogo entre Brasil e Costa Rica (pela Copa do Mundo), que eu vi aquela comemoração de um gol desvairada, contra Costa Rica, e vi que esse time não seria campeão. Eles não estavam preparados para ser campeões. E falei: “Na próxima Copa, esse grupo vai ser campeão”. O que eu aprendi? Acho que eu aprendi o que é um vestiário preparado para ser campeão. A cada vitória que eu entrava no vestiário, eu via alegria, serenidade e foco. É foco de verdade e não conversa de comentarista esportivo de TV. Não tínhamos ganhado nada, mas dávamos passos importantes, tem que classificar, passar da fase de grupos, passar em primeiro para decidir tudo em casa, tudo muito focado. Qual a grande lição que você pode sentar com um dirigente novo e conversar? Você sente no primeiro jogo que você está no comando de um clube preparado para ser campeão. Então, depois de cinco anos, eu penso muito na Libertadores, claro. Vi uma matéria do gol do Leonardo Silva e aquilo foi a maior alegria da minha vida, tirando nascimento dos filhos, família, isso não entra… mas a maior alegria da minha vida foi a Libertadores, eu nunca tive nada parecido. Basicamente, sei quando um time pode ser campeão. É a principal lição no futebol que eu tirei da Libertadores. Agora, eu tinha momentos espetaculares… primeiro, eu não gostava de olhar para a taça. E quando chegou na final, eles costumavam colocar a taça no estádio. E eu não sei por qual motivo, eu tinha fobia de vê-la de tão obcecado. Sofri um tipo de doença, fiquei meio obcecado. Se aquela Libertadores não viesse para o Atlético, não sei qual sequela viria na minha vida, eu fiquei obcecado. Mas eu estou falando de verdade. Lembro que entrei no campo do estádio do Olimpia, no Defensores del Chaco, eu não gostava de olhar para ela. Tanto que no Mineirão eu não olhei. Só fui pegá-la quando tomei da mão do Gilberto Silva, que estava carregando ela e perguntei “deixa eu pegar nesta taça?”. Tanto que ela foi para minha casa à noite, eu fui dormir com a taça. Acho que foi um negócio épico, histórico. O Atlético viveu o momento de ouro. Depois, veio a Recopa, Copa do Brasil. Tudo foi impulsionado por um grupo que sabe ganhar, que estava preparado. Ele não parou de ganhar. Fomos quase campeões brasileiros em 2012, depois ganhamos títulos em 2013 e 2014. Não é algo que brota do nada. É aquele pensamento “vamos ganhar, vamos ganhar, nós queremos é taça, não queremos jogo”. Isso foi muito importante, foi o que tirei. A Libertadores foi épica e não teve jogo mais ou menos importante. O jogo mais importante que eu acho, na minha opinião, nem foi o jogo do Tijuana aqui da defesa do Victor, mas foi o empate com o Tijuana no México, com gol do Luan no finalzinho no 2 a 2. Grama sintética, compramos a chuteira errada. Dirigente também erra. Compramos a chuteira de futebol society sendo que na Europa já tinha uma chuteira de grama sintética. E quando eu vi isso eu fiquei louco. Foi uma barbaridade, em uma quartas de final de Libertadores e não saber chuteira... eu me senti incompetente. São coisas que marcam muito a gente, a Libertadores para mim durou uma vida, não durou seis meses. Vivi aquilo em uma intensidade tão grande que eu dirigi o Atlético em 2013 e só pensava em Libertadores e quando ganhamos, eu não sabia que ganharíamos a Recopa e Copa do Brasil, eu queria ir embora do Atlético. Não tinha mais nada para fazer ali, não ia ganhar mais nada. Aí veio ainda mais dois títulos, foi muito legal.
Você encontrou um Atlético muito diferente no período antes daquele título emblemático. Que dificuldades você teve até chegar à glória?
Temos que levar uma conversa pitoresca, porque senão não tem graça, quem ganha fica feliz e quem perde fica com raiva. Lembro da concentração antes da final, hoje posso falar pois já saí do futebol. O Cuca queria uma concentração de dois dias e o Maluf não concordou, pois estava sendo pressionado pelos jogadores. Logo, fomos para uma reunião para resolver o impasse. Então, o Maluf pressionado, saudoso, querido e tem uma parcela enorme nesta Libertadores, que era meu diretor de futebol e fomos para a reunião. O Cuca não podia se desgastar com o grupo, e o Maluf pressionado. Então, colocamos que eu ia assumir a concentração de uma noite, um dia, praticamente dois dias de concentração, porque concentrava, passava um dia interior e no outro dia, do jogo… era uma noite, um dia e ia para o jogo. Eu tinha que guardar porque aquele grupo era Tardelli, Donizete, Ronaldinho Gaúcho, Jô, que foi virar crente depois que saiu do Atlético. Era um grupo pesado. Então, eu falei o seguinte: “Dizem que o presidente ordenou a concentração”, e puxei para mim isso. Normalmente todo sábado de manhã eu ia ao CT e um belo dia me avisaram não lembro direito, era Victor, Ronaldo, Tardelli, Réver… meu grupo era pesado. Aí eles viriam conversar comigo de concentração. Aí, eu já sabia disso e eles não sabiam, sentei na sala, que era do Maluf, aí acabou o treino e vi aquele trenzinho vindo para falar sobre a concentração. Eu lembro, como se fosse hoje que, na fila, o último a entrar era o Réver, vi pelo vidro eles passando. Aí quando o Réver entrou eu disse a eles: “Se o assunto for concentração, vocês podem ir embora daqui. Agora, se o assunto for o aumento da premiação da Libertadores, vocês sentem que nós vamos conversar”. Aí um deles que eu não lembro disse: “Não, o assunto é sobre a premiação”. E nós reajustamos a premiação e o assunto da concentração acabou. Esse foi um momento importante que eu tive com eles, eles estão todos vivos ainda, lembram disso. Claro que teve o aumento da premiação da Libertadores, que foi muita justa, uma baita premiação que era proporcional ao líquido que o Atlético recebia. Matamos um problema que surgiu no meio do caminho. Guardo isso como um marco para apaziguar a insatisfação dos jogadores, aumentaram a premiação e o assunto da concentração estava encerrado.
Se o Victor não tivesse defendido aquele pênalti (Riascos), como você se imaginaria hoje?
Eu me imaginaria como eu fui durante 40 anos: um atleticano apaixonado e que não ganhou. Iria continuar a saga de atleticano. A torcida ia se tornar menos exigente, como nós sempre fomos. Depois do título, a torcida ficou uma chatura. Éramos completamente conformados com a situação do Atlético, essa que é a verdade. E eu não era. Eu ia ser o mesmo atleticano que eu fui por 40 anos. Seria um pecado com a gente, a gente ficar 40 anos sem ganhar nada. Mas é aquela história, chegamos em 80, 77 e não ganhamos. A gente iria para casa conformado, pensando que com o Atlético nada dá certo, que nós, a gente gosta do Atlético assim, que a gente não gosta de título. Íamos seguir a vida como sempre foi. Mas o não-título, como diretor seria decepcionante, mas para o torcedor seria como sempre foi.
Em algum momento, você temeu não vencer a Libertadores?
Temi muitas vezes, inclusive no segundo gol do Olimpia no Paraguai. Existe uma coisa que é você ir para o estádio com a possibilidade real de vencer o jogo por 2 a 0. É uma probabilidade real. Contra o Tijuana, não estávamos preparados para ser eliminados. Contra o Newell's Old Boys, não. Contra o Tijuana, a missão não era difícil: empatar um jogo num estádio em que vencemos todos. Mas até esquecemos que o único empate foi contra o Tijuana. Ninguém lembra do placar. A classificação foi espetacular. Não estava preparado nesse dia. É diferente de ser eliminado pelo Newell's ou Olimpia.
Você sempre afirmou que seu pai foi o melhor presidente da história do Atlético. Mesmo com a emblemática conquista, que ele não conseguiu, mantém esse pensamento?
Sou muito pragmático em relação a números. Eu e meus meninos brincamos: “Ganhou o que?”. Ah, Messi é melhor que Pelé, Maradona é melhor que Pelé. É preciso pôr o número na mesa. Opinião todo mundo tem. Um é da direita, outro da esquerda, um gosta do Atlético, outro gosta do Cruzeiro. Pôe na mesa o Pelé e o Maradona. Como futebol é polêmico, distorce o fato. O Fábio Koff mudou a história do Grêmio. O Felício Brant mudou a história do Cruzeiro. O Elias Kalil mudou a história do Atlético. O Pelé mudou a história do futebol brasileiro. Existe o futebol brasileiro antes e depois do Pelé. O Brasil antes era freguês da Argentina. A partir de 1958, isso acabou. Temos que lembrar que em 1980, o Atlético disputava o Campeonato Mineiro, o Brasileiro e, se chegasse entre os dois primeiros, jogava a Libertadores. Meu pai bateu na trave em três Brasileiros, disputou duas Libertadores e mudou o Atlético de patamar. Eu fui lá e coloquei o clube no patamar que era dele. Antes, pegaram o Atlético e jogaram na Segunda Divisão. Houve o resgaste e a vaga tinha dono. Meu pai disse: “cria uma vaga aí, porque está nascendo um clube grande”. O Felício fez isso com o Cruzeiro. São homens que mudaram o patamar dos clubes. São grifes nos clubes que mudaram a história. O Paulo Machado de Carvalho mudou a história do futebol brasileiro ao não deixar o Garrincha fumar na concentração. O João Havelange não sabia nada de futebol e coube a um jornalista ensinar ao Brasil como se dirige futebol. E ele é pouco reconhecido por isso. Não discuto quem é melhor. Eu ganhei mais que meu pai, mas tinha mais competições. Se eu for o primeiro e ele o segundo, o importante é que estamos em casa. Se perguntasse para ele, falaria que eu era o melhor. A minha saudade que tenho dele e minha convivência me fazem distorcer um pouco.
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