Os favoritos ao título eram clubes do Rio de Janeiro e São Paulo. Eram. Ao fim, uma equipe mineira roubou a festa e levantou o troféu de campeão. O Atlético, de Oldair, Ronaldo, Lôla, Dario e companhia, comandado por Telê Santana, um dos maiores treinadores da história desse esporte no país, atropelou no momento decisivo. A conquista do Campeonato Nacional de futebol em sua primeira edição, em 1971, foi a consolidação da força de Minas Gerais nessa competição: em cinco anos, o estado festejava seu segundo título nacional, interrompendo o domínio Rio-São Paulo. A disputa sucedia o Torneio Roberto Gomes Pedrosa.
Não bastasse o desafio de ter de enfrentar feras como Pelé, Jairzinho, Ademir da Guia e Gerson, era uma época um tanto precária no estudo dos adversários, com sérias restrições. “Não existia informação, vídeos. Tape, a gente só via dos jogos do Mineiro, na TV Itacolomi. Então, não sabíamos como qualquer adversário jogava nem mesmo qual a característica de um determinado jogador. O Maracanã era uma coisa do outro mundo. A gente ficava maravilhado ao entrar lá”, relembra Beto, o “Bom de Bola”, em encontro promovido pelo Estado de Minas entre alguns dos heróis do título daquele 19 de dezembro.
A síntese de Beto mostra bem como era o mundo do futebol brasileiro em 1971. E o campeonato ia começar. Nem o mais otimista dos torcedores ou os jogadores atleticanos imaginavam que seriam campeões. “Numa partida contra o Internacional, no Mineirão (17ª das 27 rodadas), é que tive a certeza de que a gente estava na briga pelo título. Começamos perdendo por 1 a 0, e viramos para 3 a 1”, conta o goleiro Mussula, que por muitos anos tinha sido titular do time, mas que se tornou reserva com a chegada de Renato.
“Fui eu quem marcou os três gols”, exagera folcloricamente Dario ao ver o amigo descrevendo a partida. Ele, na verdade, fez um, com Pedrilho respondendo por dois. Sobre Mussula, garante que o fato de não ser mais o titular àquela altura não o torna menos importante na conquista. “Ele era, junto com Oldair, os mais experientes do time. E nos ajudavam muito nas conversas.”
E Dario, artilheiro do torneio, com 15 gols, retorna no tempo, para lembrar a importância de Telê para o grupo. “Eu, quando voltei da Copa do México, tricampeão do mundo, queria mesmo era participar de festas, aproveitar. Um dia, o Telê me colocou na reserva. Fui falar com ele e reclamar, que ele não podia falar aquilo comigo, pois eu fazia gol. Respondeu-me que era eu quem tinha lhe entregue a camisa de titular. Algum tempo depois, num jogo, a gente perdia por 1 a 0. Fui ao Telê e disse que tinha de entrar. Nesse instante, a torcida começou a gritar meu nome. Ele me colocou. Fiz três gols e ganhamos. Depois, fui até ele, para falar: viu, não disse que fazia gols. Aí, ele me respondeu: 'você tomou a camisa de volta'. Ali, acho que nasceu o Dario que participou da conquista do título de 71.”
SEGREDOS
Alguns detalhes fizeram daquele Atlético um time campeão, como conta Ronaldo. “A gente tinha um conjunto muito bom. O Dario era um diferencial. Mas tem um detalhe que quase ninguém sabe: a nossa união. Éramos como uma família. Fazíamos tudo juntos. Nada nem ninguém queria ficar longe um do outro.”
E em campo havia também um lema entre todos os jogadores, segundo Ronaldo. “Apertou, joga a bola pro Dadá. Ele corria muito. Tinha pernas longas e velocidade. Ninguém pegava. A gente fazia muito gol assim.”
Dario ressalta que o time de 71 terminou o Nacional sem nenhum jogador expulso. “Ninguém reclamava do juiz. Aliás, essa era uma recomendação do Telê. Só o Oldair, que era o capitão, é quem podia falar com o árbitro. E a gente seguia isso à risca.”
Beto vai além. “O Telê dizia pra gente sempre que ele era o treinador fora de campo, mas dentro, o técnico era o Oldair. Então, o que ele falasse era lei e tínhamos de acatá-lo. Sempre funcionou muito bem, pois as intervenções do Amauri eram sempre positivas e davam certo.”
Humberto Ramos está ao lado de Dario e escuta a narração do gol do título, quando ele recebe de Ronaldo, penetra pela esquerda da área adversária, vai ao fundo e cruza na segunda trave para Dadá cabecear. É o gol do título. “Isso me faz sempre recordar e lembro que tínhamos de praxe esse rodízio em campo. A gente se deslocava muito. E quando chegava à linha de fundo, era só cruzar alto, no segundo pau, pois sabíamos que o Dadá estaria lá. Era uma jogada de rotina nossa.” Os dois se abraçam.
Ronaldo conta outro segredo do time. “Quando tinha um córner pela esquerda, Oldair e Tião fingiam uma discussão. Aí, o Tião saía gesticulando. O Oldair batia curto, junto à linha de fundo. O Tião corria por trás do lateral e cruzava pra cabeçada do Dadá. Na verdade, enganávamos o adversário. Foram muitos gols assim.”
Do triangular decisivo, lances tanto da vitória contra o São Paulo por 1 a 0, no Mineirão, gol de Oldair, cobrando falta na entrada da área, e do triunfo também por 1 a 0 sobre o Botafogo, no Maracanã, que confirmou o título, são relembrados por eles. Há um misto de descontração e emoção entre os ex-jogadores, que se reencontraram na Vila Olímpica. Afinal, foram campeões brasileiros desbancando vários favoritos, para delírio de toda uma torcida que esteve no Maracanã e também dos tantos que assistiram à partida pela televisão, numa transmissão da TV Itacolomi. E a campanha entrou para a história.