O técnico Lisca está feliz em Minas Gerais. O gaúcho de 48 anos trouxe a esposa Danielle e as filhas Antônia e Giovanna para morar em Belo Horizonte e diz ter se sentido totalmente valorizado após levar o Coelho às semifinais da Copa do Brasil e de volta à Série A do Campeonato Brasileiro: ‘O América me deixou numa condição bem boa’. O treinador revelou ter um ‘novo sonho’: colocar o clube no top 10 do Brasileirão.
Em entrevista exclusiva ao Superesportes, Lisca também falou sobre a paralisação do futebol pela pandemia de COVID-19 - uma causa que sempre defendeu. O técnico ainda abordou questões de mercado, filosofias de jogo e projetou o desempenho da equipe na Primeira Divisão.
Ouça a entrevista completa no podcast abaixo, assista no vídeo acima do texto ou leia a íntegra ao fim desta reportagem:
Leia, na íntegra, a entrevista completa de Lisca ao Superesportes
Você já não mora mais em hotel e trouxe a família para Belo Horizonte. Como tem sido a vida pessoal no meio dessa pandemia?
Uma realidade totalmente diferente. Nós, treinadores, ficamos muito em casa. Para nós, já é uma situação corriqueira. Claro que totalmente diferente, sem pandemia, mais por opção. Mas a nossa vida social já é bem mais tranquila. Minha esposa já entende isso, e sabe que alguns momentos que estou em casa é muito mais para descanso, lazer, do que algum compromisso social. Aqui em BH, eu morava no flat que o clube se concentra, mas, desde o início de dezembro, minha família está aqui. Graças a Deus moramos numa casa de muito conforto. Estamos sempre em casa. No início, fizemos algumas caminhadas aqui na Lagoa (da Pampulha), mas agora, com as restrições, as meninas acostumaram. É uma vida bem caseira.
Eu saio, volto, trabalho, vou viajar. Pouco, agora menos que no início do ano. É uma vida entre nós quatro, bem tranquila. De vez em quando, meu irmão Jorge aparece aqui, mas é uma vida bem familiar. Temos que agradecer todos os dias a Deus, com saúde, podendo trabalhar e progredir, e minhas filhas sabem bem como é um privilégio viver isso.
Naquele seu alerta ao Brasil, em que pediu o adiamento da Copa do Brasil, notou-se claramente uma falta de unidade e de receio dos treinadores ao se manifestar. A sua classe hoje é desunida e sem força ou o meio do futebol é negacionista? E jogadores também recebem muitas críticas por não se posicionarem. O que você pensa disso tudo?
É difícil eu te falar. Ficar julgando pessoas. É a opinião de cada um. Futebol é um meio que é mais conservador. As pessoas preferem não se expor tanto, seguir a cartilha que vem sendo colocada em prática. As pessoas têm falado muito que os jogadores falam pouco, apesar de eu ter visto vários jogadores se posicionarem também. Talvez, não muito assim publicamente, a nível nacional, mas assim em conversas informais.
Treinadores, alguns poucos, mas alguns. Recebi essa semana uma mensagem do Emerson Ávila (técnico do Pouso Alegre), a quem eu aproveito para deixar um grande abraço. Nossa torcida para que ele supere rápido, porque está internado com COVID-19. Ele me procurou depois do jogo contra o Pouso Alegre, disse que estava de acordo com a manifestação, que precisava de mais gente ouvir. Ele disse: ‘Lisca, sua voz está sendo ouvida. A gente não tem muito espaço para falar, e agora eu estou sofrendo na pele. Estou isolado, com muita dificuldade’.
Não é uma luta. Eu não tenho pretensão nenhuma de estabelecer isso, representatividade. Foi uma opinião que eu dei em relação aos deslocamentos da Copa do Brasil. A gente acompanha no noticiário a escassez dos leitos, colapso hospitalar, de saúde. Os aeroportos e aviões são um dos maiores locais de contágio, segundo as autoridades. Foi uma preocupação de homem, de pai de família, de cidadão, porque eu achava que no Campeonato Mineiro a situação era mais tranquila, viagens de ônibus, pouco contato com o público. Mas nem isso. O estado está em zona roxa. A gente viu alguns clubes com deslocamento de ônibus tendo vários jogadores infectados. A bolha não é totalmente fidedigna, não te deixa totalmente isolado.
Muitos testes dão negativo, mas há uma tendência de 30% de possibilidade de erro. Já mostra que o teste não é 100% fidedigno. Uma série de situações que me preocupavam. Eu fiz uma colocação mediante uma pergunta, com quase dez casos de COVID-19 no time, e me surpreendi pela dimensão que tomou. Virou uma discussão política, de direita e esquerda, bem maior do que um posicionamento de um pai de família. Não tenho essa pretensão de colocar alguma coisa. Já vi que a coisa evoluiu. Todo mundo é a favor da sequência de futebol. Teria uma solução se eu pegasse minhas coisas e fosse para casa, parasse de trabalhar, mas não é o caso. Não adianta também eu ficar esperneando com uma coisa que a maioria decidiu. Se as autoridades de saúde e a CBF decidiram, eu não vou ficar aqui incomodando e falando, sendo o chato da parada. Foi mais um alerta e estou acompanhando todos os desdobramentos, seguindo o que o meu clube determina.
Você tinha uma relação muito franca e aberta com o Marcus Salum, um presidente que tem um perfil bem diferente do Alencar da Silveira Júnior. Como você define os dois presidentes e como tem sido a relação com o novo mandatário?
São bem diferentes. Isso é legal, conhecer pessoas e trabalhar com pessoas com perfil diferente, mas com o mesmo objetivo: crescimento do América. Identificados com o clube. Eu sempre tive uma ótima relação com todos os presidentes até hoje, e eles se falam muito. Criei uma relação muito forte com o Salum de maneira de ser, de maneira de ver o futebol, porque ele é um cara que conhece muito de futebol. Muito pontual nas suas colocações. Muitas vezes, ele se expressava para o grupo e cortava muito caminho para mim. Me deixava na cara do gol, me economizando uma série de dificuldades, de estresse que eu poderia ter em alguma colocação. Sempre foi muito assertivo, e a gente fez uma gestão muito legal juntos.
O Alencar, eu estou conhecendo agora, já faz quase que dois meses. É um cara diferente. A maneira de ser, de encarar a vida, é um cara que se expressa diferente do Salum. Tem uma outra visão, muitas vezes, das coisas. A gente tem tido uma relação muito legal também, de muito respeito. Ele tem ido lá no clube. Muitas vezes, me liga. A gente tem se falado bastante. O Euler (Araújo, um dos integrantes do conselho de administração) também, é um cara que trabalha muito com a gente hoje. Foi designado para acompanhar o dia a dia e também é um contato direto.
O Alencar tem algumas situações que antes não tinha: algumas promoções que ele faz, de sorteio no grupo, de premiar os jogadores. Um vocabulário diferente em relação ao Salum. Mas está sendo bem legal, bem interessante. Um tipo de relação diferente, mas bem sadio, assertivo. Estou gostando bastante dessa transição, que o Salum participou muito forte também. Ele até hoje conversa comigo e participa de algumas decisões junto com a gente.
O trabalho segue na mesma linha. Sendo decidido em conjunto, em colegiado. As decisões são sempre discutidas. Nunca tem uma pessoa que toma a decisão sozinha. Isso tem sido uma sequência de trabalho com personalidades diferentes, mas com ideais parecidos.
Como foi administrar nos bastidores o caso Ademir, ainda mais com as críticas públicas do Alencar a ele por não querer atuar contra o Treze na Copa do Brasil?
São situações muito corriqueiras no futebol, desse contato via empresário com o clube interessado. Primeiramente chegar no jogador, ver o interesse e a possibilidade financeira, para depois chegar no clube. Isso é uma coisa que eu já estou acostumado, não foi a primeira e não vai ser a última vez. Muitas vezes as pessoas não acham que isso é salutar, mas a gente já sabia de toda essa situação.
Desde o ano passado, o Ademir já poderia ter saído do clube, mas optou por renovar, exatamente porque a gente já estava trabalhando essa situação do jogador. Aconteceu o mesmo com o Matheusinho. Quando eu cheguei (no América), o Matheusinho já estava em vias de sair do clube, no departamento médico, já poderia assinar um pré-contrato, assim como o Ademir, e eu conversei muito com ele, trouxe ele para o processo. Ele jogou e saiu do clube pela porta da frente. O Ademir queria isso também, sair pela porta da frente, por isso renovou contrato por mais um ano, mesmo com essa possibilidade de negociação bem latente.
No início deste ano, ele (Ademir) me ligou e explicou que o interesse dele era aceitar essas propostas que estão chegando, não foram uma ou duas, mas, sim, três ou quatro. Inclusive, elas ainda continuam chegando e fica essa discussão de para onde que vai. Quando a mente está longe, focada em outro objetivo, o coração também vai e eu acredito muito no coração e na paixão. No futebol, não adianta você segurar um jogador insatisfeito no clube por causa de uma questão financeira, porque as propostas são muito maiores, o América não consegue competir nesse momento com proposta salarial, financeira, luvas e todo esse aspecto.
Eu entendo muito o lado do jogador, mas também entendo muito o lado do clube, que fez um investimento no jogador e está pagando o salário dele. O presidente Alencar tem sua maneira de se expressar e, naquele momento, expressou toda a angústia que o torcedor teve, de não ver o Ademir em um jogo muito importante economicamente. Então, o treinador tem que entender os dois lados e eu entendi a colocação do presidente.
O Ademir eu sabia desde o início que havia a possibilidade dele não jogar. Eu conversei isso com o grupo de jogadores, a minha gestão é muito transparente com o grupo, e todos jogadores sabiam. Nós treinamos na véspera sem o Ademir e o Messias, mas todos já sabiam que se houvesse um negócio e o clube que estivesse negociando pedisse a não participação deles no jogo, eles não jogariam. Era um jogo decisivo, difícil para o treinador tomar essa decisão. Pode ver que depois do Campeonato Mineiro o Ademir e o Messias não jogaram por decisão puramente minha. Pois é uma competição de pontos corridos e não um jogo decisivo. A decisão da Copa do Brasil tem que ser uma decisão institucional, pela importância do jogo e por ser eliminatório. O Ademir conversou comigo e preferiu não jogar, porque o clube que está negociando com ele solicitou isso. Já o Messias não. Os clubes que estavam conversando liberaram a presença dele, pois não atrapalharia o negócio e por isso ele jogou.
Chegamos aqui (em Belo Horizonte) e o Messias encaminhou a situação dele, mas o Ademir ainda não, está em vias de se concretizar. Ele vem treinando com o grupo normalmente, alguns trabalhos ele faz e outros não. A cabeça dele continua sendo de saída e a do clube também, pois vai perder o jogador daqui a três meses, porque ele já pode assinar um pré-contrato e isso não é o interesse de ninguém.
Eu trabalhei como o facilitador de todas essas situações, mas ainda bem que conseguimos ganhar o jogo lá em Campina Grande, contra o Treze, e o clássico contra o Cruzeiro. Eu queria dizer é que entendo os dois lados e trabalhei em cima disso para terminar com um desfecho feliz. Que o Ademir possa ser negociado, que entre um dinheiro no América e o jogador possa seguir sua vida. Não existe ninguém insubstituível e respeito demais a posição dos jogadores, prefiro assim do que eles fazerem corpo mole ou criando alguma celeuma para ser negociado. Prefiro que venha olho no olho e coloque sua posição. Foi assim que aconteceu no América, sem trauma, não atrapalhou nossa vida dentro do campo e a nossa vida vai seguir sem os dois ou mais alguém que for negociado. Isso é um ônus de um trabalho bem feito, mas ainda bem que está entrando dinheiro no clube e não só recursos esportivos. Nós já nos acertamos internamente. Assim como nas grandes famílias, no América acontecem discussões. O Alencar já conversou com o grupo e o Ademir já fez a sua colocação, agora estamos em outra página e vida para frente.
O Ademir chamou a atenção de todo o Brasil no ano passado. Hoje, para você, é um jogador que dará um valor melhor que o Messias? Qual o tamanho do Ademir hoje no mercado?
O preço dele aumentou muito. Realmente, o Ademir fez uma Série B de alto nível, foi considerado um dos melhores jogadores e, sem dúvidas, está entre os melhores jogadores de extrema da competição. Os clubes já têm trabalhado em cima disso, pegando destaques da Série B. Um dos clubes que está interessado nele é o Palmeiras, que já levou o Wesley e o Breno Lopes, dois jogadores que vieram da Série B e deram certo.
O Ademir eu acho que estão pensando nessa linha. É um jogador de valor alto, mas com essa dificuldade do término do contrato o preço dele baixa um pouco. Daqui a alguns meses, ele poderá assinar um pré-contrato e ficará livre, mas o clube para onde ele for só poderá utilizá-lo no ano que vem. Os gigantes do futebol brasileiro têm urgência, eles já querem os jogadores para ontem e, por isso, os maiores clubes estão querendo investir no Ademir, para não esperar por toda essa situação e poder utilizá-lo só no ano que vem, porque ninguém sabe o que pode acontecer até lá. A dinâmica do futebol é tão grande que daqui a seis meses o rendimento do Ademir pode não ser o mesmo. Obviamente que esse ano ele não está com o mesmo rendimento pela questão psicológica e de foco. Eu vejo nele um valor um pouco menor porque era um jogador que poderia sair livre.
Qual a sua avaliação em relação aos quatro jogadores (Ricardo Silva, Leandro Carvalho, Ribamar e Luiz Fernando) anunciados pelo clube em 2021? O que esperar de cada um na temporada?
Eu gosto bastante. Nós estamos com muita dificuldade no mercado. Eu vejo a torcida do América preocupada, querendo contratações, mas não é fácil. Nesse primeiro momento, eu sou prova de como a diretoria do América está trabalhando, se esforçando e chegando nos jogadores para fazer algumas propostas. Mas, realmente, a concorrência é quase que desleal, o poder de investimento dos outros clubes é muito grande.
Aos poucos, nós estamos trazendo jogadores dentro das nossas possibilidades e do nosso modelo de trabalho, que é o caso do Leandro (Carvalho), um jogador que conheço bem e que pode nos ajudar bastante. O Ribamar, que é um jogador que muita gente não acredita, mas é um jogador que está se esforçando demais nos treinamentos. Ele está se sentindo bem e está crescendo demais. Isso é uma coisa bem legal do nosso clube, os jogadores se sentem bem aqui. O grupo recebeu muito bem o Ribamar. Os últimos treinos dele foram muito assertivo, mas ele ainda precisa se condicionar.
O Ricardo (Silva) já é da casa e parece que nem saiu. Ele veio para brigar pela vaga de zagueiro titular e com a saída do Messias ele ganha postos, com certeza. O Eduardo (Bauermann) entra no time e o Ricardo sobe mais um degrau na hierarquia. Ele é um cara que a gente tem uma confiança enorme e pode jogar a qualquer momento.
O Luiz (Fernando) é um jogador muito rápido, bom no um contra um. Ele vem de uma lesão no joelho e, por isso, nós vamos ter um pouquinho de paciência com ele. É um jogador que veio para buscar espaço e é uma aposta que estamos fazendo. Estamos bem satisfeitos com o rendimento dele. Estamos prestes a anunciar o Bruno (Nazário), que é um jogador muito legal também.
Outro atleta que está prestes a ser anunciado pelo América é o Bruno Nazário. Qual a sua avaliação sobre o jogador? O que falta para ser anunciado? Concorrência no meio-campo.
Isso é tudo o que o treinador quer: opções, concorrência - opções que possam fazer com que eu mude o estilo de jogo do time, que eu possa usar os jogadores em diversas funções. Com função de articulação, mas das mais diversas maneiras dentro do campo. Estamos caminhando para isso.
Crescimento do Gustavinho é muito importante. O Marcelo (Toscano) também. O Toscano, queria até fazer um parêntesis especial: um prazer enorme trabalhar com um jogador com essa consciência, com esse grau de profissionalismo. Ele já está de 35 para 36 anos e não desperdiça um segundo de treinamento, do tempo que ainda tem de carreira. É um exemplo para os meninos mais jovens, porque é um cara super bem-sucedido e tá ali, jogando a primeira Série A da carreira. Estamos muito felizes com o trabalho dele.
O Geovane teve uma lesão. Está voltando agora. É um cara que eu também gosto muito. Maneira com que ele joga, a personalidade que tem para jogar. Características, canhoto, bate bem de média distância… Acrescenta isso para nós e também vai nos ajudar muito.
O Bruno eu estou esperando ansiosamente. É um jogador que eu já tive oportunidade de treiná-lo no Guarani, em 2017, e foi um prazer enorme pela qualidade, pelo caráter. O Bruno jogou com o dedo do pé quebrado o jogo final do Guarani contra o Luverdense, onde a gente precisava empatar para permanecer na Série B, e pouca gente sabe disso. Jogou totalmente anestesiado, e ali ele mostrou para mim que era um guerreiro, na concepção da palavra.
O Bruno já andou lá pelo CT (Lanna Drumond) conversando. Se Deus quiser, que ele possa ser apresentado para se juntar ao nosso grupo. É um jogador de muito talento, tanto nessa questão de organização, como pelas extremas também. Comigo ele jogou pela extrema direita, de pé invertido, mas ele gosta de jogar por dentro também, chegando no ataque. Gosta de jogar também na segunda linha. É um cara bem versátil.
O Alê também me dá essa condição (de versatilidade). Tenho usado o Alê em várias funções, desde o ano passado, e talvez as pessoas não percebam isso. É um cara que cresce muito nos jogos grandes, decisivos.
É isso que a gente quer. Boas opções, concorrência boa entre eles, e se o Bruno realmente se confirmar, vai ser uma opção muito interessante para a gente e vamos crescer bastante com a chegada desse jogador.
Com as saídas do elenco e a situação financeira do clube, o torcedor fica inseguro porque o time precisa voltar a ganhar liga. Como você lida com isso? Ter peças novas na mão e um desafio ainda maior pela frente, que é a Série A?
Eu fico ansioso assim como o torcedor. Claro que você quer encontrar soluções, trabalhar bem essas situações de saídas e chegadas, definir o mais rápido esses processos e fazer essa leitura da Série A, que é uma competição totalmente diferente. O torcedor fica receoso, porque todas as vezes que o América jogou a Série A ele retornou para a Série B, além disso ele vê essa dificuldade no mercado e os clubes intermediários anunciando jogadores e o América indo com calma e sem pressa. Isso pode passar a sensação de que o clube não está atento ao que está acontecendo, mas é exatamente o contrário. Eu fico tranquilo em saber que o clube tem os pés no chão e tem uma ambição de permanência na Série A este ano, quer fazer diferente. Eu questiono sempre os diretores, o Alencar e o Salum, o porquê do América ter subido e caído. Alguma razão tem que ter. Todos eles me responderam que foram por uma série de situações e eu vou trabalhando em cima disso, para que a gente mude algumas atitudes e mude também na questão estrutural.
O Salum me falou que não sobrou dinheiro porque o América tinha uma dívida pequena de curto prazo e, com certeza, ele desprendeu uma série de recursos para isso, para que o clube pudesse ficar totalmente adaptável ao clube-empresa. Hoje, o América é um clube que está redondinho, qualquer investidor que chegar vai ver que ele está bem administrado, saneado, com a dívida de curto prazo toda paga e a de longo prazo totalmente administrável. Eu como treinador poderia pedir para colocar todo esse dinheiro no time de futebol, mas não é essa a ideia do América. Ele quer crescer como instituição e eu sou parceiro nisso e vou trabalhar muito com jogadores que não tiveram oportunidades na Série A.
O América é um canhão, é um clube que dá uma dimensão muito grande para os seus funcionários, principalmente para aqueles que se destacam. Nós temos muitos exemplos disso pela história toda do América e agora mais recente também. Vários treinadores, jogadores e até profissionais de fora do campo, cresceram muito e foram convidados por instituições do futebol, assim como o Paulo Bracks que foi para Internacional, o Paulo Assis que foi para o Cruzeiro, os jogadores do América que sofrem esse assédio o tempo todo e eu mesmo recebi vários convites no ano passado. Então, o torcedor do América tem que ter paciência, calma e tranquilidade. Ele tem que saber que o clube está pensando diferente e quer fazer diferente, não vai botar os pés pelas mãos, vai priorizar a questão do clube-empresa, que aí sim daria uma condição enorme de ombrear aos grandes. O América não quer se estabelecer na Série A e ter recurso por mais de um ano. É isso, eu fico angustiado, mas com os pés no chão, com uma visão macro de todo o processo.
No ano passado, sua preocupação clara era reforçar o ataque. Neste momento, segue sendo o ataque?
Nosso planejamento era de trazer jogadores para todas as posições. A ideia era ficar com 12 ou 13 principais jogadores, mais os meninos, que dariam sustentação, e trazer de 10 a 11 jogadores pontuais.
Um exemplo desses reforços seria um lateral-direito para concorrer com o Diego (Ferreira). Hoje, nós temos o Joseph jogando também, pois as brechas aparecem. Essa foi uma situação que eu vislumbrei que ele poderia fazer essa função e ter mais espaço no plantel, porque na disputa da zaga estava mais complicado, e ele acreditou nisso. Ganhamos mais uma opção ali, mas queremos trazer um lateral para concorrer com eles.
Na defesa nós trouxemos o Ricardo (Silva), mas com a saída do Messias é óbvio que vamos rever essa situação. Na posição nós temos o Eduardo (Bauermann), o Anderson, o Ricardo e os meninos - Zé, Rodolfo e Heitor.
Na lateral esquerda nós temos o João (Paulo) e perdemos o Sávio, que está fazendo um grande trabalho lá em Portugal. Tem o Lucas Luan, um menino da casa, assim como o Thalys, do outro lado. Então nós estamos com uma vaga aberta, o João não consegue jogar todos os jogos e o Lucas precisa de um pouco mais de maturação para ser o imediato do João. Ele vai entrar assim como entrou no ano passado, pontualmente. Então, é um setor que ainda está em aberto.
Volante também. Primeiro e segundo volante são posições que precisamos trazer ou apenas um jogador que possa fazer as duas funções. O meia pelo centro, se o Bruno (Nazário) chegar ele já nos supre essa necessidade. Talvez um outro meia que faça o trabalho de contenção pelos lados, assim como o Juninho faz. O Gustavinho vem fazendo essa função, mas ele é um jogador que eu uso mais agressivo e mais incisivo no último terço.
Na extrema, nós trouxemos o Leandro (Carvalho) e temos espaço para trazer mais um. O homem de centro nós trouxemos o Ribamar. Temos o Vitão e o Lohan, que esse talvez seja o momento deles saírem para amadurecer e talvez voltar em um segundo momento. Temos também jogadores que vamos disponibilizar no mercado rapidamente.
Talvez até um goleiro para rivalizar com o Matheus (Cavichiolli), Airton e o Léo. Mas vamos ver bem esse primeiro momento do Mineiro e da Copa do Brasil. É uma posição que nós estamos pensando também, mas tudo isso vamos fazer pontualmente. Será tudo alinhado com o Armando, diretor de futebol, o Euler, o presidente Alencar e o próprio Salum, que participa do trabalho de montagem do elenco”.
O América cogita contratar jogadores de maior renome, com mais experiência de Série A?
Sempre tem uma análise de todos os cenários. A gente divide em três grupos. ‘Elenco sombra’ também, que são as apostas, os jogadores mais novos surgindo em clubes menores. A análise de desempenho funciona muito forte no América. A definição de orçamento, poder de investimento é totalmente da diretoria. A gente vai prospectando as possibilidades, e tudo se encaixa numa reunião final, de acordo com o que pode se fazer a nível financeiro, técnico-tático e aceitação do jogador comprar o projeto.
O América precisa investir um pouco mais. Precisa gastar um pouco mais. Precisa ser mais assertivo no mercado. Talvez, mudar um pouco essa mentalidade de ‘jogadores famosos, medalhões’. Eu não me interesso muito por jogadores ‘medalhões’. Eu me interesso por jogadores que podem nos dar o retorno.
São três tipos de jogadores. Aquele jogador profissional, que sabe o que quer. Tu não precisa nem orientar. Exemplo: Ricardo (Silva), Messias, Juninho, Zé Ricardo. Esses caras tu não precisa nem orientar. Treinam por eles, são muito desenvolvidos cognitivamente também. Tem aquele jogador que tá meio perdido, que não sabe para que lado vai, meio deslumbrado, meio aéreo. Mas esse jogador é bom que você consegue direcionar, convencer através da gestão, de conversas, do ambiente do clube e do grupo. Aí, o jogador vai, trabalha e te dá o retorno também. O terceiro grupo é impossível. É aquele jogador que sabe que não quer. Ele já não tem mais tesão para treinar, não tem mais objetivo na carreira, não quer pagar o preço, enfrentar dificuldade. Esse jogador eu não gostaria de ter no América. São jogadores que a gente evita o máximo. Não perder nosso tempo com esse perfil.
Clubes como Ceará, Fortaleza e Atlético-GO têm se estabelecido na Série A. Vocês discutem algum modelo que serve como inspiração ou o América tem que fazer o dele?
O América tem que fazer o modelo dele. Está na frente em relação aos outros na questão de clube-empresa, mas usa exemplos muito fortes. O Ceará é um exemplo muito forte para nós. O Salum sempre fala. Eu, por ter passado lá na primeira Série A que o Ceará fez desde 2018, todo mundo dizia que o Ceará estava rebaixado. E o Ceará lutou demais pela permanência, porque sabia que era importante essa sequência na Série A. Aí, em 2019, lutou de novo, na briga com o Cruzeiro, mas conseguiu permanecer. Esse ano agora já permaneceu bem tranquilo. Já foi para a Sul-Americana. Tu tem que ver o que o Ceará evoluiu a nível de patrimônio estrutural, centro de treinamento, academia, departamento médico, fisiologia, compra de aparelhagem. Detalhes lá na frente que só os gigantes tem. Recuperação de jogador muito mais rápida, mais fidedigna, mas isso tudo demora um tempo. É uma construção. O Ceará já está no quarto para quinto ano. O Bahia é a mesma coisa. Investiu em estrutura, em centro de treinamento.
O América, eu vejo um clube com potencial de crescimento enorme. É isso que me chama atenção. Já é um clube organizado, estruturado, questão financeira redonda, mas precisa crescer a nível estrutural. Ter um refeitório, ter um hotel para os jogadores descansarem, ter melhores condições de academia, de treinamento, melhores salas, instalações. Melhorar os recursos humanos, ter mais funcionários, melhor remunerados. Tudo isso faz parte do crescimento para você permanecer na Série A. O América tem essa ideia, tem o Planeta América - um projeto super grande. Discutimos isso internamente, quase que diariamente. Vejo que o América já tem uma ideia de orçamento um pouco maior. Estabilidade financeira, ambição. Nós temos vários exemplos. O próprio Atlético-GO, com pouco recurso, se mantendo na Série A e se mantendo bem. O América busca sua maneira de ser, porque o clube-empresa realmente daria um salto lá na frente e a gente já cortaria um caminho enorme em relação aos outros clubes médios do Brasil.
O Carlos Alberto foi muito elogiado por você no ano passado. Você chegou a dizer que, em breve, estará na Europa. Há ainda Gustavinho, Lucas Gabriel, Heitor, Thalys, Lucas Luan. Quais estão prontos para uma vaga no time titular?
Esses são jogadores que estão se destacando. O Gustavinho, a gente colocou no clássico (contra o Cruzeiro) nós nem sentimos e nem ele. Quando o jogador está inserido no processo é bem mais fácil de você colocar no time e ele já vem desde o ano passado inserido no processo. Ele deu uma resposta maravilhosa nos treinamentos após o clássico, ele pegou confiança e agora há uma tendência de crescimento maior ainda.
O Carlos (Alberto), Lucas Gabriel e Kawê eu os coloco no mesmo patamar que o Gustavinho. São jogadores de muito talento, muita personalidade, ambição e versatilidade. O Carlos já foi convocado para a Seleção Brasileira Sub-20 no ano passado. O Kawê é um jogador de muita qualidade técnica e de definição e ele também já entrou na equipe na Copa do Brasil.
Esses quatro jogadores podem nos ajudar bastante na Série A e ao clube em um futuro próximo, a níveis de retorno financeiro. Tem o Rodolfo, o Heitor, o Dioguinho e outros jogadores que ainda precisam de um pouquinho mais de maturação. Mas esses quatro aí vão fazer parte do plantel da Série A e vão nos ajudar bastante.
No ano passado, antes da Série B, a gente falava de suas pretensões de subir um degrau no futebol. Você ganhou uma projeção muito grande no América, criou-se uma expectativa de uma proposta de um clube top top e o que ocorreu foi a permanência. Houve proposta do Santos? Você sentiu alguma angústia, por mais que o projeto do América seja ótimo, por não ter dado esse ‘salto’?
Não, nenhuma. Até porque o América me valorizou demais, e eu sou grato a isso. Agradecer ao Salum, ao Alencar, a todo Conselho de Gestão, porque, graças a Deus, cheguei num patamar bem legal de recompensa e de reconhecimento. Isso me deixa mais tranquilo e sem tanta necessidade de ir para um ‘top-top’, porque o ‘top-top’ financeiramente também te recompensa bem e é um dos objetivos nossos também. Não é só isso que o treinador busca, mas é um dos objetivos. A independência financeira, que o futebol te dá essa possibilidade no nível que nós estamos.
Eu recebi muitos convites no ano passado, mas todos eles atrelados à zona de rebaixamento, a buscar recuperação de vários clubes gigantes também do futebol brasileiro. Mas no ano passado, eu já coloquei várias vezes que não era meu interesse. Eu nunca fui no Salum dizer: ‘Olha, recebi isso, melhora meu salário’. Nunca, nenhuma vez. O América não mexeu uma linha no meu salário ano passado. Com várias propostas, com mais do que o dobro do que eu receberia no América, mas eu sabia que teria a hora da renovação. Essa seria hora que eu realmente iria ver se o América iria me valorizar ou não. Eu não gosto muito de ficar mudando contrato no meio. O que é combinado é combinado, e eu acho que isso me deu muito ponto também com a diretoria do América. Em nenhum momento eu vim barganhar ou pedir aumento, ou me valorizar com outras propostas. Mas, na hora da renovação, eles realmente me valorizaram bem, e eu sou grato a isso.
Esse ano eu recebi três propostas - duas de Série A e uma de Série B. Mas optei por não sair do América. Financeiramente, como eu falei, o América tomou uma providência muito importante, porque para me tirar daqui tem que pelo menos igualar o meu salário e, hoje, o América me deixou numa condição bem boa.
O Santos, em particular, houve uma consulta ao meu empresário, que é o mesmo do Marinho. Obviamente que o Santos está trabalhando também em relação à renovação do Marinho, e aproveitou para me fazer uma proposta financeira, que a gente considerou não satisfatória. Mas eu não conversei com ninguém do Santos em relação a trabalho, projeto, ao ‘como seria’, como o Santos via o meu trabalho, como que eu via o trabalho do Santos também. O Santos não ouviu minhas ideias. Bem ao contrário de como eu fui contratado em todos os clubes que eu já fui contratado. Inclusive, aqui no América, eu conversei com o Salum, vim aqui e conversei com o Paulo Bracks. Eles me colocaram sobre o clube e eu também coloquei sobre o meu trabalho. Acertamos tudo antes de assinar o contrato. Não foi o que aconteceu no Santos.
Dirigente, diretor e presidente não me ligaram. Na verdade, quem me ligou foram os jogadores do Santos. Eu quero agradecer. São seis jogadores que me ligaram. Não vou falar os nomes, mas vocês já devem imaginar que o Marinho e o Felipe Jonathan estavam no meio, por terem sido meus jogadores. Mas os jogadores do Santos tinham essa vontade. As lideranças acabaram me ligando. O que aconteceu foi isso. Não houve uma conversa fidedigna sobre projeto. Houve uma proposta financeira, e a conversa nem evoluiu. A partir daí, ela parou. Então, eu não considero uma proposta assim oficial do Santos. Mas só de ter sido sondado, ter sido perguntado, já me senti honrado. Como eu falei: tudo tem o seu momento, na hora certa, e eu estou muito feliz aqui no América. Não me sinto angustiado de maneira nenhuma por não ter ido para outro clube. Pelo contrário, vocês já devem me conhecer um pouquinho, né? Se fosse da minha vontade, eu ia bater na porta do Salum, do Alencar, do Euler e ia dizer: ‘Me libera, porque eu não tenho mais cabeça não’.
Tem uma cláusula rescisória também. O treinador é um pouquinho mais fácil que o jogador. Você paga a cláusula e você é liberado. O jogador tem que cumprir o contrato todo. O treinador, geralmente, é uma multa rescisória de dois meses, que é o meu caso aqui no América. A quebra de contrato faz parte do nosso trabalho, mas não é a minha intenção no momento e espero que não seja a do América por um bom tempo. Até porque hoje já sou o treinador mais longevo do futebol brasileiro com exceção do Renato (Gaúcho, do Grêmio). Um ano e dois meses de clube. Vamos ver se a gente consegue terminar essa temporada, e o América permanecer na Série A. Aí, quem sabe, eu dou esse salto aí. Quem sabe, também não, né? O América fecha o clube-empresa e consegue dobrar meu salário. Eu fico por aqui mais um ano e vocês vão ter que me aguentar (risos).
Como você avalia a nova regra que limita demissões de treinadores nas Séries A e B?
É um avanço. Sempre coloquei isso, que deveria partir de nós ou da CBF. Finalmente, partiu da CBF. Tem muitos treinadores que não gostaram, por causa também da troca, da ‘dança de cadeiras’, que é mais difícil agora você entrar no mercado. Mas alguma coisa tinha que ser feita para mudar esse ritmo alucinante de troca de treinadores. Acho bem legal, bem interessante. Vamos ver, né? Tem os subterfúgios também que tu pode achar. Agora os auxiliares (técnicos) da casa vão ter mais espaço, porque serão menos trocas. Mas tudo isso é adaptável, acho que com o tempo vai melhorar, mais ainda. Achei bem legal essa iniciativa da CBF, e o América votou a favor. Acho bem legal partir do América, do presidente Alencar, essa iniciativa também. Vamos ver como vai funcionar. Acho muito interessante.
Onde você se vê no futebol em cinco anos?
Onde você se vê no futebol em cinco anos?
Na questão da minha carreira, não tenho um plano específico. Eu quero trabalhar no lugar que eu seja feliz. Hoje, eu sou feliz aqui no América. O que mais me afligia era isso de sair da base para virar treinador profissional, se estabelecer no mercado de Série B, de Série A. É muito difícil, cara. Eu estava falando isso para os jogadores. Para eles, já é um vestibular. São 600 jogadores que jogam a Série A, num universo enorme do futebol brasileiro. Para treinador, são só 20. Bem pior do que um ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) isso aí. Complicado. Tem vários amigos meus, de qualidade, que começaram comigo e hoje não são treinadores. Estão no futebol, mas não são treinadores. O Kléber Xavier, auxiliar do Tite; Osmar Loss, que é auxiliar permanente do Inter; o Andrey Lopes, que é auxiliar permanente do Palmeiras. Juninho Camargo. Não conseguiram ser treinadores. E hoje eu já sou um cara mais tranquilo, porque eu consegui ultrapassar essa barreira. Hoje, graças a Deus, o mercado absorve meu trabalho. Eu tenho uma série de situações que podem acontecer, fora do país também. Isso me deixou um cara mais tranquilo com a situação do mercado, troca, saída. Não me afeta mais. Nunca segurei emprego, agora cada vez menos. Não me preocupo com isso. Procuro fazer o meu melhor, estar bem e estar respeitado no clube onde eu estou.
Não me vejo assim: ‘Quero estar lá, quero estar aqui’. Quero me estabelecer no mercado, trabalhar com paixão, com amor, com entrega. Ter felicidade de ir todos os dias para o clube, como eu tenho de ir para o América. Todo dia, eu agradeço por tudo que eu tenho. São 30 anos de trajetória. Não foi fácil chegar onde eu cheguei. Eu não caí de paraquedas aqui. Pelo contrário, caminho pavimentado. Há muito trabalho, muita luta, há muita frustração, conquista, perda. Isso que me fortificou, me deu segurança para fazer o que eu faço. Estar no mercado, evoluindo e sendo feliz: isso que eu quero na minha carreira nos próximos cinco anos.
Como você tem visto o desempenho do América nesse início de temporada?
No início a gente já esperava um pouquinho mais de dificuldade por causa da variação do time, demos folga para os principais jogadores, colocamos alguns jogadores que estão jogando menos e isso sempre dificulta um pouco. Agora, os jogadores estão voltando. Tivemos alguns jogadores de COVID-19 e algumas lesões que não esperávamos, como a do Felipe Azevedo e do Geovane, que está demorando um pouco mais.
O desempenho está dentro do esperado, na normalidade, os resultados estão muito bons, está até acima do que a gente esperava. Jogamos seis jogos, ganhamos cinco e perdemos só um. Estamos com boas perspectivas no Campeonato Mineiro e na Copa do Brasil. O projeto deu uma atrasada pelo fato de a gente não ter conseguido trazer esses jogadores, mas nós estamos mantendo a tranquilidade e trazendo esses jogadores aos poucos. Na segunda safra vamos reforçar de vez nosso plantel. Então, está tudo dentro daquilo que a gente esperava.
O América encantou o Brasil principalmente por dois aspectos: a solidez defensiva e a intensa mobilidade no momento ofensivo. Quais são as suas maiores influências para a aplicação desse estilo de jogo e como você avalia a evolução do seu trabalho no clube?
Em relação ao modelo de jogo, eu sempre falei isso: já cheguei no América com um time estruturado, com uma ideia de futebol bem interessante. Bloco alto, linha alta, pressão na bola, basculação defensiva, balanço. Eu fui dando uma sequência e acrescentando muitas variações táticas. Variações de ritmo também, velocidade de execução.
O América hoje não tem só uma maneira de jogar - nem técnica nem taticamente. Tem variações. Agora, no jogo contra o Cruzeiro, nós usamos uma variação muito interessante, que funcionou demais. Trocamos quase todos os jogadores de função em relação ao último jogo, e a resposta foi muito interessante, mesmo com pouco tempo de treino.
Durante a pré-temporada, a gente vem desenvolvendo maneiras diferentes de jogar. Eu acredito que o futebol está caminhando para isso. Futebol, handebol, basquete, futsal… você mudar a maneira de jogar no decorrer do jogo, e não ficar jogando só de uma maneira o tempo inteiro, de acordo com o adversário, de acordo com a sua necessidade no jogo, de acordo com a característica dos jogadores que você tem para aquela partida.
O América está trabalhando muito isso, e a sequência de trabalho - um ano e dois meses - te dá essa possibilidade. Os jogadores já conhecem isso, a dinâmica de várias maneiras de jogar, as variações que a gente pode utilizar. Realmente, são as evoluções que a gente quer fazer no time e estamos conseguindo. Alguns jogadores fazendo funções diferentes também. Encaixando as peças, sincronizando cada vez mais os movimentos. (...) Isso faz parte do futebol moderno e talvez seja uma tendência maior ainda esse ano, na Série A do América.
Na Série B, acompanhamos um América protagonista, que buscava o controle da posse e pregava por um jogo ofensivo. Já na Copa do Brasil, a equipe adotou uma postura mais cautelosa, priorizando a solidez defensiva e apostando em contra-ataques. O que esperar do América nessa Série A?
Nós não vamos mudar muito não. Vamos continuar com os mesmos princípios. Podemos ter variações táticas, mas os princípios de bloco alto, pressão, linha alta, compactação nós vamos manter. Claro que em algumas situações do jogo nós vamos ter que baixar um pouco o bloco, vamos ter que transitar mais, vamos ter que atrair um pouco mais o adversário.
Na Série A os adversários propõem muito mais jogo também, em relação aos times da Série B. Qual é a ideia quando o Flamengo vai jogar contra o América? ‘Nós vamos ganhar. Vamos em cima desses caras’. Automaticamente, esses times virão mais dentro do nosso campo. Agora, vai jogar América e CRB. O CRB vai dizer: ‘Opa, nós vamos nos fechar. O América é time poderoso. Se ganharmos um ponto lá está bom’. Já muda todo o contexto da preparação para o jogo. O treinador tem que saber disso.
O Santos vai jogar com o América na Vila Belmiro; o Santos ‘vai para dentro’. E o América vai ter que saber sofrer, marcar, contra-atacar, empurrar o Santos para o seu campo. E aí, quando o Santos olhar e dizer: ‘Opa, nós estamos correndo atrás dos caras, velho! Quê isso? Não era isso o planejado!’. Então, vamos ter que quebrar paradigmas.
Aconteceu isso comigo no Ceará. Nos primeiros dez jogos, todo mundo vinha em cima do Ceará. Vocês tinham que ver o que tinha de espaço para a gente contra-atacar. A gente começou a ganhar jogo. Aí, já não vinham mais. Aí, eu disse para o Robinson (Castro), presidente do Ceará: ‘Vamos tirar aqui do PV (Presidente Vargas), que é um estádio menor, e vamos levar para o Castelão, porque agora os times vêm fechados contra o Ceará’. Ceará ganhou do Corinthians, ganhou do Flamengo, ganhou do Atlético… ninguém mais queria atacar o Ceará. Todo mundo já começava a jogar em transição contra o Ceará.
Depende muito também do teu início, da tua campanha, daquilo que tu vem apresentando. E como eu falei para vocês: nós temos que estar preparados para tudo, cara! Hoje, um time não pode jogar só de uma maneira. Ele tem que ter variação - tática e de modelo de jogo, e é isso que estou trabalhando no América.
Torcedor do América, nós não vamos nos ‘achincalhar’. Não vamos ficar só marcando os caras. Vamos marcar, mas nós vamos agredir pra caramba também. Esse é o nosso objetivo: ter essa identidade, mas saber variar as maneiras de jogo.
Como avalia seus rivais locais: Atlético e Cruzeiro?
Primeiro, queria dizer que, como treinador do América, é muito bom ter dois rivais assim. Dois gigantes do futebol brasileiro. O América aproveita muito disso, né. Tem que ser sincero, pois são dois clubes de ponta e porque puxam muito o processo. E o América tem espelho, tanto para as coisas positivas quanto para as coisas negativas, não vamos negar isso.
O Atlético, eu vejo como um expoente do futebol brasileiro, sul-americanos e mundial. O nível de investimento hoje, do Atlético, é coisa de outro mundo. Eu falo para os jogadores que são os galácticos, né? Realmente, as contratações do Atlético são muito assertivas, mescla muito experiência, é um time internacional. Tem jogador da Argentina, do Chile, tem jogador do Paraguai, jogador de tudo quanto é lugar e jogadores de alto nível. Então, é um prazer enorme ter um rival como esse, competir com eles, porque tem nível obviamente que cresce. Para você jogar com um clube desse, tem que ser muito assertivo, você tem que jogar muito bem, tem que crescer demais. Então, a gente está muito feliz. Temos agora, uma oportunidade, na semana que vem (dia 4/4) de fazer um jogo contra o Atlético. Pra nós é uma honra, é uma expectativa muito grande, é um orgulho enorme, e a gente quer ganhar deles. Porque, ao ganhar dos maiores, dos melhores, você consegue crescer de nível e rivalizar com eles. O Atlético a gente vê muito forte no Campeonato Mineiro, desde 2005, se não me engano, que o Atlético está na final, é o grande favorito para a competição e é um dos favoritos também para o Campeonato Brasileiro. Porque trouxe o Rodrigo (Caetano) para dar sequência no trabalho do Alexandre, é um cara que conhece mercado, ambicioso pra caramba, é Hulk, é Tardelli, é Vargas, é Allan, Savarino, Nacho. É muita gente. Então eu vejo assim top, top, top mesmo hoje no Brasil.
O Cruzeiro, eu acho assim, primeiro de tudo, o Cruzeiro tem que virar a página, parar de falar o que passou, já foi. O que aconteceu no Cruzeiro foi muito grave, mas as pessoas que estão lá estão lá para resolver esse problema. Então eu vejo que a primeira coisa é parar de remoer. Ah, mas teve isso, ah, mas teve aquilo. Já era, já foi. Quem está lá agora tem que resolver problema.
O Felipe foi contratado para isso, é um treinador super capacitado, é um cara que está valorizando demais a oportunidade, conseguiu montar um grupo de acordo com a possibilidade do Cruzeiro e com a característica da competição. Eu acho que ainda tem margem para crescimento dos jogadores e talvez dois ou três jogadores ali para dar uma reforçada depois dos estaduais. Acho que é uma filosofia nova de jogo, uma maneira nova de jogar. O Felipe sempre teve sucesso na Série B., tanto no América como no Guarani. Ele não conseguiu o acesso com nenhum dos dois, mas a campanha dele é de acesso com ambos. Então, o Cruzeiro trouxe um treinador que conhece a competição, já teve sucesso e acho que tem que ter um pouquinho de paciência nesse início, não sofrer muito com o Campeonato Mineiro, tentar desenvolver a Copa do Brasil o máximo possível e focar na Série B, focar mesmo na Série B. Acho que o Cruzeiro tem todas as condições de voltar para a Série A.
A torcida do América não gosta muito que eu falo do Cruzeiro e do Atlético, isso é normal, mas são dois clubes que eu tenho um respeito enorme e o Cruzeiro, o lugar dele é na Série A. É difícil porque estamos vivendo um momento histórico, o América ter passado o Cruzeiro. Acho que fazia muito tempo que isso não acontecia. Atlético e América na Série A, Cruzeiro na Série B. Então, é momento importante também para o América aproveitar, para a diretoria aproveitar, para o torcedor do América aproveitar, crescer. Porque o Cruzeiro passou o América nos anos 1960, eu sei bem, com o Mineirão, o advento daquele timaço. Não que o América vá passar o Cruzeiro em termos de torcida, mas hoje, né, você vê os programas a nível nacional e todo mundo fala isso: o América passou o Cruzeiro tanto em série como em nível de organização, de time. Todo mundo falou isso depois do jogo (clássico). Então, é um momento muito legal também para o América saber aproveitar e crescer, não querendo a desgraça do Cruzeiro, pelo contrário. Mas, já que isso aconteceu, e que o América está hoje na Série A junto com o Atlético, é um momento legal para o América crescer. Mas torço muito pelo Atlético, pro Cruzeiro. Hoje estou em BH e quero o bem do futebol mineiro. E um puxa o outro. Um vai pra cima, o outro vai junto. Um não vive sem o outro, Cruzeiro e Atlético, e o América é um privilegiado porque vai indo, vai vendo exemplos, e o futebol mineiro é muito forte por isso. Pela grandeza dos três, cada um com seu tamanho, e são três equipes muito tradicionais. Sou feliz de estar no futebol mineiro. Espero uma grande Série A do Atlético, para título, uma grande Série A do América, para ficar entre os dez, e o Cruzeiro de volta para a Série A, com o futebol mineiro em 2022 com três na A.