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Salum aponta desafios do América na Série A e revela plano de clube-empresa

Presidente explica por que não tentará reeleição e fala de caminhos para que clube seja criativo diante de rivais com orçamentos maiores

12/02/2021 06:00 / atualizado em 11/02/2021 22:37
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Salum escutou a razão e optou por não se reeleger presidente do América
foto: Alexandre Guzanshe/EM D.A Press

Salum escutou a razão e optou por não se reeleger presidente do América

Dedicado ao futebol do América desde 1989, o engenheiro civil e empresário Marcus Vinicius Salum, de 65 anos, precisou escolher entre a razão e a emoção antes de decidir se continuaria na presidência do clube. Por mais que o estatuto permitisse a reeleição e o apaixonado coração de torcedor tenha batido forte com uma temporada de sucesso do time - semifinalista da Copa do Brasil e vice-campeão da Série B -, ele entendeu que o momento é de desacelerar o perfil workaholic para cuidar da saúde, passar mais tempo com a família e preparar a sucessão nos negócios particulares.

“A única decisão que tomei, e isso disse às pessoas próximas a mim e às pessoas aqui do América, é que só decidi não me candidatar à presidência do América. Não decidi me afastar do futebol, não decidi que não poderia voltar um dia ao América e que as pessoas não poderiam me chamar em algum momento. Só decidi que preciso de um tempo sem a responsabilidade e o peso de ser presidente do América”, afirmou, em entrevista exclusiva ao Superesportes.

Salum, portanto, descansará da rotina de dirigente e estará à disposição para, quando necessário, auxiliar os novos integrantes do Conselho de Administração, que iniciam o mandato em 1º de março e terão como grande objetivo oferecer condições para que o Coelho se mantenha na primeira divisão do Campeonato Brasileiro.


A menos de três semanas do fim do mandato, Marcus Salum conversou por mais de uma hora com a reportagem do Superesportes. Entre vários assuntos, falou sobre o bom desempenho em 2020, os sucessores no Conselho, o projeto de transformar o América em clube-empresa, a sintonia com o técnico Lisca, a busca por um novo diretor de futebol, o perfil dos reforços, o orçamento para 2021 e, claro, o desafio de alcançar uma grande campanha na elite do Brasileirão com um orçamento inferior ao dos concorrentes.


AVALIAÇÃO DA TEMPORADA 2020

“Eu falo que qualquer americano amigo de vocês vai dizer que nunca viveu um ano como esse. Eu, que sou um cara que frequentava a Alameda (antigo estádio do América), nunca vivi um ano como esse. É um ano em que o América só não foi para a final da Copa do Brasil por um acidente. Até os 25 minutos do segundo tempo o América era senhor do jogo. Aí um time que tem um jogador com mais qualidade, decidiu o jogo. Acho que aquela partida foi injusta, mas é do futebol, e eles têm mais estrutura que a gente”.


“O América fez uma Série B com o pé nas costas. Perdeu um jogo no segundo turno roubado para o Cruzeiro, ganhou quase todos os jogos fora de casa, subiu cinco ou seis rodadas antes. O América não teve o título, mas foi o campeão, pois foi sistematicamente prejudicado (pela arbitragem) em todas as partidas do segundo turno. Não foi uma coincidência, infelizmente. Não estou acusando ninguém, mas alguma coisa que foge do meu entendimento aconteceu. Não sei o que aconteceu, mas foi muito jogo errado”.

SUCESSORES NO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO

“Acho que a liderança da chapa vai ser do Alencar (da Silveira Júnior, deputado estadual pelo PDT e presidente do América de 2015 a 2017), que saiu e agora está voltando. Um nome que está praticamente certo é o do Euler (Araújo), que também foi do conselho, se afastou, foi candidato à presidência do Conselho Deliberativo e ganhou, se afastou pelo fato de a gente ter o patrocínio da Caixa. Não vamos adiantar mais do que isso, porque são os nomes com quem estou conversando”.

“Quem vai ficar com o futebol, desconfio que seja um ou outro (Alencar ou Euler). Não vou falar, porque quando você sai da presidência, é o (novo) presidente quem determina e combina com as pessoas. Eu não posso falar antecipadamente. A única coisa que eu digo é que as possíveis pessoas que vão entrar no América sabem tudo o que eu estou fazendo hoje. Transição é transição. Praticamente tem gente aqui dentro percebendo tudo que está sendo feito”.

PROJETO DE CLUBE-EMPRESA


"Nós saímos na frente. Nós temos nos organizado para encarar esse assunto de uma forma profissional. Nós não estamos fazendo experiência e conversando numa sala de reunião para falar assim: ‘vamos nos tornar um clube-empresa’. Não. Nós nos organizamos, contratamos firmas altamente especializadas no assunto, que deixaram eles em ponto de bala. Qual é o grande problema hoje? Nós temos um mundo em crise. E o mundo do futebol mais ainda. Ninguém viu o Real Madrid combalido, Barcelona combalido… futebol francês combalido, todo mundo combalido, porque a falta de público na Europa pesa demais. É só você olhar o preço do ticket. O preço do material que se vende. Eu fui num jogo na Europa. O intervalo do jogo tinha uma fila na loja que você perdia o segundo tempo do jogo. Eu fui e não consegui voltar a tempo. Então,  a perda de receita mundial é muito grande. 

Os investidores se retraíram. Então, o fato de nós estarmos preparados vai nos adiantar. Isso tudo que você falou, baixo endividamento, organização, é lógico que são ‘handicaps’. O cara pode querer uma camisa mais forte, uma camisa mais fraca… mas quem põe dinheiro, quer pôr dinheiro onde vai ter retorno. Ele não quer pôr dinheiro onde corre risco. O que eu enxergo com o clube-empresa, que deve ser aprovado (eu espero que seja)? É uma oportunidade de regularizar o investimento do exterior no Brasil. Porque você regula a forma que entra o recurso, você paga imposto. O que você pode ou não pode fazer. Porque hoje, estamos na lei de empresa normal. Isso, com certeza, vai dar interpretação, fiscalização, vai dar problema. Quando você tem uma lei específica, eu acho que é fundamental. Agora, clubes que estão em maior dificuldades, e que são maiores, com torcida maior, vivem uma dificuldade interna muito grande de aprovação. A não ser que seja a última esperança.

A partir desse projeto de clube-empresa, quais foram as propostas que o América recebeu durante seu mandato? O que já aconteceu e acabou não dando certo por conta da lei que ainda não foi aprovada no Congresso?


Eu não tinha expectativa que fosse dar certo num curto espaço de tempo. A minha expectativa era de ir para a  mesa de negociação até o final do meu mandato, e não de transformar o América em clube-empresa. Nunca tive essa expectativa.

A partir do momento que eu tiver uma proposta, eu vou demorar de quatro a cinco meses para negociar, para que a coisa saia do papel. Esse é o primeiro ponto. Me perguntaram: ‘clubes que estão endividados vão entrar nessa situação?’. Todo mundo vai ter que achar uma solução. Então, a solução do clube-empresa de trazer investimento vai acabar acontecendo por uma necessidade do futebol brasileiro, porque vários clubes estão seguindo essa rota.

Como é feita uma negociação? Eu contrato uma empresa, que está fazendo a captação; ela manda um documento que se chama ‘teaser’, que é um documento curto e simples, onde ela apresenta para os possíveis investidores o que é o América. Alguns falam que não querem, outros falam que não é o momento e alguns demonstram interesse.

Os que demonstram interesse real (e não foram poucos), assinam um documento que se chama NDA. É um acordo de confidencialidade, onde eu dou as informações do América e mostro o que eu quero. Nós devemos ter assinado sete NDA’s com grandes investidores do mundo. Só que, desses sete, chegou uma pequena proposta de um fundo de investimento, que nem chegou a formalizar, porque eu não queria caminhar para um fundo, pura e simplesmente, porque ele entra com recurso, quer tirar, etc. Nossa modalidade é diferente: nós queremos expertise de futebol para agregar ao nosso trabalho. 

Por causa dessa crise, muita gente ainda não fez a proposta. A minha expectativa - isso eu já falei com o Alencar, e ele já sabe disso há um ano e meio, quando surgiu a proposta da China - é: deixa tudo pronto, quando a economia reaquecer, os investidores voltam. Eles já conhecem o nosso projeto.

O problema, hoje, é que está difícil alguém querer expandir negócio em futebol com tudo fechado. Eu não posso criar uma expectativa de fracasso em uma coisa que é um sucesso. Nós conversamos com donos de clubes de ponta da Europa.

O City Group seria um desses possíveis investidores? Foi ventilado que a proposta envolveria mudança de identidade visual do América, e o clube acabou não aceitando.

Não é verdade. O City Group foi procurado e declinou da proposta para o América. Ele não fez proposta. Ele foi procurado. Todos os grandes clubes do mundo foram procurados, e o City Group não se interessou pelo América, não sei porquê. 

Segundo: não existe a possibilidade, quando eu assino NDA, já vão as minhas condições. O América não muda escudo, não muda nome, não muda estádio, não muda nada. Isso é condição pré-fixada. Eu chamo de ‘golden share’. Não muda. O América não precisa do clube-empresa. Ele vive sem o clube-empresa como viveu a vida toda. Os clubes iguais ao América estão todos mortos - como América-RJ, Bangu, a própria Portuguesa, América-RN. Não estou diminuindo nenhum desses clubes. São grandes clubes do Brasil. É uma pena que não estejam equilibrados, mas devido a todo esse cuidado, que essa sequência de dirigentes aqui teve, o América está nessa situação. E eu tenho muito orgulho de fazer parte ativa disso, que talvez eu seja o mais antigo, que trabalhou mais tempo no América, excetuando o Afonsinho.

Quem são os investidores que vão abocanhar o futebol brasileiro quando os clubes entrarem na Bolsa de Valores, quando se tornarem clube-empresa? Quando isso se tornar realidade, já que você quer expertise no futebol, o foco desses grupos vai ser venda de jogadores para lucrar ou as marcas também vão ter peso, com produtos licenciados?


Na nossa visão, o ‘América Futebol’ é que está em negociação. O ‘América Clube’ não está em negociação. Patrimônio do América, as coisas que o América tem, não estão em negociação. O nosso projeto é montar uma nova empresa, em sociedade com investidores, para tratar de futebol. Não é ceder a empresa. É trabalhar ao lado da empresa, com CEO, toda diretoria executiva contratada, e o América com assento no Conselho de Administração - junto com investidores e com um terceiro contratado de mercado. Um trabalho em conjunto.

Que percentual? Depende do tamanho do investimento. O que é o nosso ideal? 50/50. Mas se a pessoa chegar com um valor muito alto e quiser ser majoritária, nós também não vamos fechar essa porta, desde que a gente coloque regras bastante rígidas, inclusive regras para sair do investimento se a gente quiser. Esse é o nosso projeto. Por isso, nós estamos muito bem assessorados. Talvez, isso dificulte um pouquinho a gente acertar, porque eu não posso ir para uma viagem de ceder tudo que se tem para alguém dirigir sem expertise, e entregar pior do que entrou. Isso nós não vamos fazer, porque o América tem expertise. O América não tem recurso para investir. Esse é o nosso caminho.

Eu acho que, no mercado brasileiro, os investidores serão os mesmos investidores dos clubes da Europa. São os árabes, são os russos, são os ingleses - são os grupos milionários que investem nos clubes da Europa. E lá, já é uma coisa que funciona há muito tempo. Mudar essa cultura no Brasil não é fácil. Colocar isso num clube grande do Brasil, mais difícil ainda. É um trabalho muito difícil. A gente pretende sair na frente. Se der certo, vai ser ótimo para o América.

Logicamente, quem tem mais peso, vai ter sempre mais peso com a marca mais forte, em qualquer coisa. Mas não acho que isso seja tão importante para o investidor. Eu estou na Série A. Eu trago uma marca forte da Europa, um investidor forte. Em pouco tempo, eu resgato tudo que eu preciso com resultados. O foco é formação de jogador? É. Isso não tem dúvida. Mas é um ganho para todo mundo. Não é só para o investidor. Em percentual. Não é dar o lucro para o cara. Eu não vou aceitar, numa regra disso, o cara falar: ‘Seus melhores jogadores eu vou transferir para o meu time da Europa’. Vai ter regra. Por isso, não é fácil.

Pega meu melhor jogador da base, e coloca num time da Europa. Qual é o percentual de cada um? Se for bom para mim, eu vou fazer. Se eu vender um menino desses por 30 milhões de euros, 40 milhões, e a metade for do América… Se essa empresa começar a ter lucro, lucro, lucro, o América fica imbatível. 

Ter acesso ao mercado europeu, colocando meus jogadores e deixando um ou dois estourarem lá, a empresa vai ter muito resultado. É só gerir bem. O América é um grande formador.

Pelo que você vê desse futebol brasileiro em crise, você teme que muitos clubes possam ‘meter os pés pelas mãos’ nessas negociações, já que não são organizados como o América, por exemplo?

Isso já aconteceu. Tem uns exemplos aí. Criciúma passou por isso, Figueirense passou por isso… Nós não tivemos um grande negócio até hoje no Brasil de clube-empresa. O Bragantino não é um negócio de clube-empresa. É venda de ativos. Compraram o clube para pôr a marca. 

(...) O que nós queremos é outra coisa. Logicamente, quem está mais combalido e menos organizado, vai ter problemas. Mas, também, qual é o pior problema? É ficar ingovernável ou fazer um mau negócio? Isso também a gente não sabe. Talvez, seja a única opção fazer um negócio. Nós estamos com muitos clubes caminhando para ingovernabilidade (sem citar nomes).


DINHEIRO DA COPA DO BRASIL (R$ 17,59 milhões)


"A aplicação dos recursos da Copa do Brasil foi para aliviar as contas do América. Essa é a frase correta. Quem acompanha a gente, e nós temos um portal da transparência, viu que nós fizemos um orçamento onde teríamos um equilíbrio entre receita e despesa com um pequeno déficit. Mas estávamos carregando um déficit que vinha de outros anos, que todos os clubes têm. Não era um déficit pequeno, era razoável.

Este ano, tivemos superávit. Arrecadamos mais do que esperávamos, mas tivemos a pandemia, com perda de receita. Daí começamos a fazer acordo com jogadores, postergar pagamentos, tirar direito de imagem e tal. No momento em que encaixamos na Copa do Brasil e os recursos entraram, praticamente 30% do que nós arrecadamos foi para premiação. Temos que dividir com os atletas, porque eles ganham. Temos 10% retidos, e de 25 a 30% de premiação. O que fizemos? Fizemos tudo em dia da parte financeira com os atletas. O América pagou ajuda de custo, premiação, tudo que tinha que pagar, e acertou tudo com os jogadores antes do previsto.

Investimos na ordem de R$1,5 milhão a R$2 milhões no CT. Fizemos a terraplenagem do campo de cima, que era do júnior, invertemos em cima do projeto que fizemos, gramamos e vamos inaugurar em fevereiro o novo campo no mesmo molde do campo principal. É uma obra que não foi barata, porque tivemos que terraplenar tudo, nos mesmos moldes que vai ser o Planeta América.

Tínhamos um problema de enchente interna no América, em que descia muita água. Fizemos uma obra de drenagem muito grande, que está terminando, em torno de R$400 mil a R$500 mil, para encerrar os problemas de água no CT. A água vai ser jogada na galeria lá embaixo, pois tinha muita enchente quando chovia demais.

Tínhamos um projeto que, se passássemos do Palmeiras na Copa do Brasil, iríamos asfaltar toda a rua que foi feita e começaríamos a construção do hotel. Infelizmente não passamos, mas são projetos que teremos de executar logo. Os recursos foram bem aplicados, mas não temos dinheiro em caixa. Foi tudo para quitar o que tínhamos de pendência.

Estamos começando o ano em situação muito melhor do que todos os anos anteriores em que dirigi, porque estamos começando sem pendência. Temos alguns problemas de fornecedores e impostos, mas que já estão sendo minimizados e resolvidos.

Nosso fluxo financeiro é pequeno. Nossa previsão orçamentária era de R$28 a R$30 milhões. Arrecadamos muito mais, zeramos os débitos que a gente tinha, acertamos fornecedores e impostos. Estou com expectativa boa de que aumentamos 10% da nossa possibilidade na Série A".


SINTONIA COM LISCA

"Houve uma grande identidade da minha forma de trabalhar com a forma de trabalhar do Lisca. Houve um ‘casamento de energias’ diferente nisso. Por que? Ele é ‘workaholic’, eu também sou. Eu vejo cinco jogos, seis jogos, ele me pergunta do jogador, eu chego antes da preleção e falo: ‘esse jogador não vai jogar, aquele vai jogar, aconteceu isso, aquilo’. Às vezes eu tenho informação que eles não têm, porque eu leio tudo, leio sites, etc. Essa é uma coisa que combinou.

Por que eu acho que ele tem essa gratidão grande? Forma essa afinidade, a forma de trabalhar que nós tivemos, eu falei com ele: ‘Lisca, vou te dar minha opinião sobre a sua carreira. Se você não fizer um trabalho inteiro, do início, e parar de apagar incêndio, a sua carreira vai ficar toda focada nisso, e você não vai se formar como um grande profissional - que eu sei que você é. No América, você não vai ser o ‘Lisca Doido’. Para mim, você não é esse. Você é o Lisca profissional, correto, que trabalha bem’. Isso foi o grande diferencial da nossa relação. Ele percebeu a mudança de estágio que ele teve fazendo os bons trabalhos que ele fazia, de uma forma como ‘bombeiro’. Ele percebeu que isso precisava acontecer".


 

PERMANÊNCIA DO TÉCNICO
 
 
"Por que eu não me surpreendi que ele ficou aqui? O Lisca é acima da média de compreensão, de estudo, de preparo, do que a maioria do mercado de futebol. Ele é acima da média. Um cara preparado, que lê, que estuda. Inteligente. E o Lisca sabe que ele precisa de um trabalho organizado, onde ele esteja adaptado para que o resultado aconteça. Não adianta ele sair do América e ir para um clube que esteja em turbulência, cheio de problemas, para fazer um trabalho da forma que ele faz aqui. Ele quer fazer um trabalho do jeito dele. Por quê? O Lisca é um perfeccionista. Eu vi poucos treinadores na minha carreira de dirigente com a qualidade técnica dentro e fora de campo do Lisca. Vi poucos.

Eles falam que a inteligência e a loucura andam perto (risos). É meio por aí. Ele é muito inteligente, muito preparado. É um treinador de estratégia, que valoriza quem está em torno dele. A nossa equipe gosta de trabalhar com ele porque ele sabe valorizar a equipe. Todos que estão lá com ele. Então, eu fico muito orgulhoso de ter feito a participação nessa mudança da carreira do Lisca. O Lisca hoje é um técnico dos mais respeitados no Brasil.

Ele virou para mim e falou: ‘Salum, eu só saio se for para um top-top do futebol brasileiro. Se não for o top-top, eu prefiro fazer o trabalho com a qualidade que o América me dá. Eu tenho qualidade de vida que eu não tenho em outro lugar. Trabalho da forma que eu quero, com pessoas que eu não preciso ficar preocupado que alguma coisa vai acontecer naquele treino da meia-noite. Esse é o grande diferencial.

O que são as dificuldades do Lisca? Como ele é um perfeccionista, o Lisca tem uma dificuldade em aceitar os próprios erros e os erros dos dirigentes e jogadores. Então, às vezes, ele se excede nesses momentos. E é ali que eu entro com meu equilíbrio e minha experiência, para não deixar isso acontecer.

Eu me lembro que em um dos primeiros jogos, o América tomou um gol aos 90 minutos, ele entrou xingando todo mundo no vestiário, não sei o quê e tal. Eu deixei. No outro dia, eu cheguei perto dele, e ele falou: ‘Já sei, né, Salum? Não vai ter a segunda vez’. E eu falei: ‘Não vai ter a segunda vez’. E ele sabia disso, porque eu já tinha falado isso para ele. Eu não contratei o Lisca no escuro. Eu conversei com todos que trabalharam com ele. Eu sabia as fragilidades dele. E o Lisca, hoje, é muito mais equilibrado, e ele fala: ‘Salum, errei mais uma vez. Quando nós tomamos aquele gol do Palmeiras, eu arrasei o time no vestiário, no intervalo, porque eu fiquei nervoso demais por conta daquele gol de lateral que o Marcos Rocha bateu. Então, ele também, com a inteligência que ele tem, está tentando ‘se melhorar’. Porque esse é o ponto fraco dele. Esse ponto fraco, num clube com muita pressão e com muita ‘trairagem’, ele sabe que ele pode não ter o equilíbrio necessário.

Agora, na parte técnica, na parte de ser humano e de lidar com ele, eu não tenho nenhuma reclamação. Só elogios. Eu só tenho elogios. Eu tenho orgulho do trabalho que nós fizemos esse ano. E aí, eu tenho que reportar toda a nossa equipe. Começa lá do Paulo Assis, a turma antiga toda, o Paulo Bracks, o Dower. O trabalho desse ano foi tão unido e tão gostoso, que mesmo nas dificuldades, nós soubemos superar. Às vezes, o Lisca estava arrasado e eu falava: ‘Pode levantar, que amanhã é outro dia e nós temos que começar do zero outra vez’.

No futebol, você tem dificuldade para subir no tigre, mas ficar em cima dele é muito mais difícil do que subir. Subir no tigre, todo mundo sobe um dia. Ficar lá em cima é muito difícil. Isso era um treinador de basquete que falava, e eu lembro de um treinador de futsal que falava isso. Esse é o grande desafio do América. É o desse ano. Eu fico triste de eu não estar na frente disso, mas eu tive que fazer a decisão que eu tomei". 
 

BUSCA POR UM NOVO DIRETOR DE FUTEBOL

“O Fred (Cascardo, que ocupa a função interinamente após a saída de Paulo Bracks para o Internacional) é um belo profissional. Nosso profissional de base. Não está nos nossos planos efetivá-lo no profissional ainda. Pode ser no futuro. Porque nós também vamos ‘desvestir’ um santo para ‘vestir’ outro. Fred está fazendo um trabalho muito bom na base. O que nós não podemos fazer? Colocar um diretor aqui enquanto a situação política não estiver resolvida. É lógico que nós já conversamos isso tudo. Tem vários nomes, não são poucos. Depois que nós definirmos a chapa, provavelmente, vamos definir o diretor”.


 

PERFIL DE REFORÇOS


“Eu tenho até o dia 28 de fevereiro e fiz uma combinação com o próprio treinador, com todo mundo, que nós íamos repor as perdas. Então, nós liberamos alguns jogadores; nós repusemos a zaga (acertou o retorno de Ricardo Silva, que defendeu o clube em 2019), porque precisávamos de mais um jogador experiente. Nós estamos repondo na frente, onde saíram vários jogadores. Vai ter que ter um lateral-direito, porque nós liberamos o Daniel (Borges). Vai ter que ter um lateral-esquerdo, porque nós liberamos o Sávio. E, provavelmente, ainda vão ter dois ou três jogadores entre o meio e o ataque. Essa é a base inicial”.

“Não adianta você trazer jogador com ‘barriga cheia’ para jogar no América, no Brasileiro. Você tem que trazer jogadores de potencial, de grandes clubes do Brasil, que não estouraram. São jogadores que querem um espaço e que têm qualidade técnica. E nós temos que fazer um trabalho diferenciado com eles. Você tem um mercado de jogadores que já estão ‘vencidos’, que já jogaram em vários clubes (...). Não é o perfil que nós estamos procurando, mas não significa que isso não seja bom”.

 

ORÇAMENTO

“O momento nos permite sonhar um pouco mais, mas a dificuldade é a mesma. O nosso orçamento não vai passar de R$60 a R$70 milhões, a não ser que a gente faça outra grande campanha na Copa do Brasil. E aí você tem que administrar recursos, sem poder ser um time altamente competitivo, com grandes jogadores. Terá de ser um time competitivo, com trabalho bem feito e organizado, como sempre fizemos”. 

“Quando falo de R$60 a R$70 milhões, estou contando passar de duas ou três fases na Copa do Brasil e ganhar a premiação. Também preciso ter ciência do valor do pay-per-view, porque como estávamos na Série B não era avaliado”.

“O valor de R$60 milhões é o básico para o América na Série A. De R$10 a R$15 milhões são possibilidades de ganho. Pode até passar de R$15 milhões, chegar a R$80 milhões, mas dependerá da nossa competência”.

 

DESAFIO DE PERMANECER NA SÉRIE A
 

“O  grande problema da Série A é você vir com um trabalho organizado, de um ano anterior, com um treinador, e no meio do caminho você ter que mudar de treinador. Eu espero que o mercado ou o próprio América tenha a tranquilidade de achar o caminho com o Lisca. Quando eu falo mercado, é dele não receber nenhuma proposta no meio do caminho, que aconteceu em 2018 (na ocasião, Enderson Moreira aceitou proposta do Bahia). Nós tivemos que bater cabeça”.



“Minha visão de Série A para os clubes intermediários é assim: o primeiro turno é fundamental para os clubes de poder aquisitivo menor. Você tem que ter uma bandeirada no primeiro turno de 25 pontos. No mínimo. E aí, você tem condição de se estabilizar, porque o segundo turno fica muito difícil”.

“O América fez 22 no turno de 2018, 18 no returno e acabou com 40 pontos. Se tivesse feito os 25, não teria caído. Essa é uma visão que eu tenho minhas métricas de campeonato, que eu falo muito, já tenho estudado há muitos anos. O grande problema da gente na Série A é que quando o projeto começa a dar certo, você é tão invadido. Pega o Fortaleza este ano. Era um time que estava disputando lá em cima. Tiraram o Rogério Ceni (foi para o Flamengo) e olha onde está: brigando para não cair”.



“Vou contar um caso que aconteceu. Eu tinha uma testemunha ao meu lado. O presidente do Palmeiras (Maurício Galiotte), que é muito meu amigo, conversando comigo lá no Allianz Parque, uma hora me perguntou: ‘Qual é o orçamento do América?’. Quando eu falei o número, ele simplesmente ficou mudo, soltou um palavrão e falou assim: ‘Não é possível que vocês fazem o que fazem com esse dinheiro. É inviável’. É isso que o América vai ter que fazer esse ano: milagre com organização”.


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