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Salum conta bastidores do trabalho de Lisca no América: 'Workaholic'

Presidente se identificou com 'vício em trabalho' do treinador; mandatário também apontou ponto fraco do gaúcho

Bruno Furtado Lucas Bretas Rafael Arruda
Técnico Lisca e presidente Marcus Salum construíram relação de amizade e muito trabalho no América - Foto: Daniel Hott/América Em entrevista exclusiva ao Superesportes, Marcus Salum, presidente do América, revelou bastidores do trabalho de Lisca e classificou a parceria entre os dois como um 'casamento de energias'. O dirigente caracterizou o treinador como um 'workaholic' (em inglês, viciado em trabalho) e apontou um ponto fraco do gaúcho.


 
Assista à íntegra da entrevista de Marcus Salum ao Superesportes
 

 

“Houve uma grande identidade da minha forma de trabalhar com a forma de trabalhar do Lisca. Houve um 'casamento de energias' diferente nisso. Por quê? Ele é 'workaholic', eu também sou. Eu vejo cinco jogos, seis jogos, ele me pergunta do jogador, eu chego antes da preleção e falo: 'esse jogador não vai jogar, aquele vai jogar, aconteceu isso, aquilo'. Às vezes, eu tenho informação que eles não têm, porque eu leio tudo, leio sites, etc. Essa é uma coisa que combinou”.

Em diversas oportunidades durante a temporada 2020/21, Lisca mencionou sua gratidão ao América e a Salum pela oportunidade de trabalho. O mandatário revelou à reportagem uma das conversas francas que teve com o treinador, quando teve a oportunidade de aconselhá-lo sobre a carreira.

“Por que eu acho que ele tem essa gratidão grande? Além dessa afinidade, a forma de trabalhar que nós tivemos. Eu falei com ele: 'Lisca, vou te dar minha opinião sobre a sua carreira. Se você não fizer um trabalho inteiro, do início, e parar de apagar incêndio, a sua carreira vai ficar toda focada nisso, e você não vai se formar como um grande profissional - que eu sei que você é. No América, você não vai ser o 'Lisca Doido'. Para mim, você não é esse. Você é o Lisca profissional, correto, que trabalha bem'. Isso foi o grande diferencial da nossa relação. Ele percebeu a mudança de estágio que ele teve fazendo os bons trabalhos que ele fazia, de uma forma como 'bombeiro'. Ele percebeu que isso precisava acontecer”.



Propostas e mudança de patamar


Na reta final da temporada, diante do excelente desempenho do América na Série B e também na Copa do Brasil, o nome de Lisca foi vinculado a clubes da Série A e do exterior. Apesar disso, o treinador optou por permanecer no clube mineiro e renovou seu contrato até o fim de 2021. Salum revelou não ter se surpreendido com a decisão e explicou os motivos.

“Por que eu não me surpreendi que ele ficou aqui? O Lisca é acima da média de compreensão, de estudo, de preparo, do que a maioria do mercado de futebol. Ele é acima da média. Um cara preparado, que lê, que estuda. Inteligente. E o Lisca sabe que ele precisa de um trabalho organizado, onde ele esteja adaptado para que o resultado aconteça. Não adianta ele sair do América e ir para um clube que esteja em turbulência, cheio de problemas, para fazer um trabalho da forma que ele faz aqui”, afirmou Salum à reportagem.

“Ele quer fazer um trabalho do jeito dele. Por quê? O Lisca é um perfeccionista. Eu vi poucos treinadores na minha carreira de dirigente com a qualidade técnica dentro e fora de campo do Lisca. Vi poucos. Eles falam que a inteligência e a loucura andam perto (risos). É meio por aí. Ele é muito inteligente, muito preparado. É um treinador de estratégia, que valoriza quem está em torno dele. A nossa equipe gosta de trabalhar com ele porque ele sabe valorizar a equipe”.



“Eu fico muito orgulhoso de ter feito a participação nessa mudança da carreira do Lisca. O Lisca, hoje, é um técnico dos mais respeitados no Brasil. Ele virou para mim e falou: 'Salum, eu só saio se for para um 'top-top' do futebol brasileiro. Se não for o 'top-top', eu prefiro fazer o trabalho com a qualidade que o América me dá. Eu tenho qualidade de vida que eu não tenho em outro lugar. Trabalho da forma que eu quero, com pessoas que eu não preciso ficar preocupado que alguma coisa vai acontecer naquele 'treino da meia-noite'. Esse é o grande diferencial”.

Dificuldades e ponto fraco


Sob outra perspectiva, Salum também abordou as dificuldades do treinador no dia a dia. Ele acredita que o intenso perfeccionismo de Lisca o leva a cometer excessos, especialmente com o elenco. 

“Como ele é um perfeccionista, o Lisca tem uma dificuldade em aceitar os próprios erros e os erros dos dirigentes e jogadores. Então, às vezes, ele se excede nesses momentos. E é ali que eu entro com meu equilíbrio e minha experiência, para não deixar isso acontecer”. 



“Eu me lembro que em um dos primeiros jogos, o América tomou um gol aos 90 minutos. Ele entrou xingando todo mundo no vestiário. Eu deixei. No outro dia, eu cheguei perto dele, e ele falou: 'Já sei, né, Salum? Não vai ter a segunda vez'. E eu falei: 'Não vai ter a segunda vez'. Ele sabia disso, porque eu já tinha falado isso para ele. Eu não contratei o Lisca no escuro. Eu conversei com todos que trabalharam com ele. Eu sabia das fragilidades dele”.
 
Salum revelou conversas 'sinceras' com Lisca, no intuito de aconselhá-lo para reduzir as 'explosões' - Foto: Daniel Hott/América  
 
As conversas entre presidente e treinador parecem ter surtido efeito na conduta de Lisca no dia a dia. Na reta final da última temporada, foi possível observar o gaúcho mais contido até mesmo no banco de reservas, durante as partidas. As reclamações pela arbitragem, apesar de frequentes, tiveram intensidade diminuída - exceto na rodada final da Série B, quando o América perdeu o título para a Chapecoense.

“O Lisca, hoje, é muito mais equilibrado, e ele fala: 'Salum, errei mais uma vez. Quando nós tomamos aquele gol do Palmeiras, eu arrasei o time no vestiário, no intervalo, porque eu fiquei nervoso demais por conta daquele gol de lateral que o Marcos Rocha bateu'. Então, ele também, com a inteligência que ele tem, está tentando 'se melhorar'. Porque esse é o ponto fraco dele. Esse ponto fraco, num clube com muita pressão e com muita 'trairagem', ele sabe que ele pode não ter o equilíbrio necessário”.



“Agora, na parte técnica, na parte de ser humano e de lidar com ele, eu não tenho nenhuma reclamação. Só elogios. Eu só tenho elogios. Eu tenho orgulho do trabalho que nós fizemos esse ano. (...) O trabalho desse ano foi tão unido e tão gostoso que, mesmo nas dificuldades, nós soubemos superar. Às vezes, o Lisca estava arrasado, e eu falava: 'Pode levantar, que amanhã é outro dia e nós temos que começar do zero outra vez'”, pontuou o dirigente.

Importância da continuidade do trabalho


Marcus Salum também disse enxergar a permanência de Lisca ao longo da temporada 2021 como um dos principais trunfos para a consolidação do América na Série A. O dirigente revelou torcer para que o Coelho não perca o treinador - nem por propostas, nem por problemas internos.

“Eu acho que o América errou pouco em 2018, mas o grande problema da Série A é você vir com um trabalho organizado, de um ano anterior, com um treinador, e no meio do caminho você ter que mudar de treinador. Eu espero que o mercado ou o próprio América tenha a tranquilidade de achar o caminho com o Lisca. Quando eu falo mercado, é dele não receber nenhuma proposta no meio do caminho, que aconteceu em 2018. Nós tivemos que bater cabeça”. 



“Precisa, se Deus quiser, não perder o Lisca - nem por proposta e nem por problemas internos. Porque o trabalho em continuidade te leva a ter um resultado melhor”, completou.
 
Superesportes Entrevista Marcus Salum, presidente do América; ouça o podcast